Autor original: Joana Moscatelli
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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"As maiores dificuldades para o combate à pobreza no Brasil não são de caráter técnico, mas político”. No mês de agosto, em Brasília (DF), durante uma conferência que abordou as diversas dimensões da pobreza no mundo, foi lançado oficialmente o Centro Internacional de Pobreza. Embora marcado por uma enorme desigualdade social, o Brasil é considerado um país tecnicamente avançado na luta contra a pobreza. O que falta, segundo Marcelo Medeiros, pesquisador do Ipea e coordenador do Centro, é disposição política para acabar com a pobreza no país.
Resultado da parceria entre o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Centro pretende ser um espaço de produção e intercâmbio de conhecimentos úteis para a redução das desigualdades sociais e a erradicação da pobreza no mundo. O objetivo é criar estratégias locais de combate à pobreza e à desigualdade social, criando políticas sociais que levem em conta as especificidades e prioridades de cada país.
O Centro é especialmente estruturado para auxiliar os países pobres e em desenvolvimento a atingir os Objetivos do Milênio das Nações Unidas – oito propostas estabelecidas pelas ONU para serem atingidas até 2015.
As pesquisas se concentrarão em três eixos principais: monitoramento dos índices de pobreza e desigualdade, crescimento de políticas que beneficiem a população pobre e estratégias de proteção social e desenvolvimento humano.
Desde junho de 2004, quando o escritório foi instalado na capital brasileira, o Centro já concluiu mais de dez pesquisas e ofereceu assistência técnica para a elaborações de políticas sociais e monitoramento dos índices de pobreza a países como Colômbia, México, Botsuana e Tailândia. Além disso, forneceu também suporte conceitual sobre assuntos relacionados a vulnerabilidade, emprego e desigualdade de gênero. Marcelo Medeiros entende que o papel do Brasil para o desenvolvimento global é fornecer cooperação técnica internacional, principalmente para países de língua portuguesa.
Além de ajudar os países na troca de experiências no combate à pobreza e à desigualdade, o Centro busca fortalecer a capacidade interna dos países pobres e em desenvolvimento – principalmente na África e na América Latina – na formulação de políticas sociais, diminuindo, assim, sua dependência de fontes estrangeiras. Segundo Medeiros, porém, as ações do Centro ainda carecem de uma aproximação maior com os formuladores de políticas sociais nos países onde atua.
As muitas dimensões da pobreza
O trabalho é feito de forma descentralizada, tanto em relação à agência da ONU (Pnud) quanto ao governo brasileiro. Umas das metas traçadas é mostrar que a miséria não se restringe ao aspecto econômico e possui muitas dimensões.
O Centro vem organizando conferências, seminários e cursos que abordam questões relacionadas à pobreza. Durante a Conferência Internacional “As muitas dimensões da pobreza”, no dia 29 de agosto, especialistas e pesquisadores discutiram o tema e apresentaram casos práticos de combate à pobreza no Brasil e no exterior.
Para Medeiros, é possível analisar a pobreza em suas diferentes causas e implicações, como nas áreas de saúde, educação e cultura. “Embora a maioria dos estudos no mundo sejam baseados em definições que usam apenas informações sobre renda das famílias, quase todos concordam que a pobreza possui muitas dimensões. Há algumas tentativas de lidar com essas várias dimensões, mas reduzindo-as a um único, como faz, por exemplo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas isso ainda é, de certo modo, manter a análise no plano unidimensional. A grande dificuldade que as pesquisas enfrentam é tratar simultaneamente essas várias dimensões”.
Em declaração no site do Ipea, outro pesquisador do Centro, Eduardo Zepeda, diz que se pode analisar a questão da pobreza de diversas maneiras e destaca a necessidade de ouvir também outras vozes. “É possível ver a questão da pobreza de maneiras muito diferentes. Por exemplo, ouvindo a voz dos pobres. Ver a pobreza segundo o que as próprias pessoas que são pobres acham de sua condição, e não como nós a percebemos”, afirma Zepeda.
Redistribuição de renda
Medeiros compreende que pensar na desigualdade brasileira é pensar nos mecanismos que levaram o Brasil a chegar a esse ponto. Entre essas causas, cita o sistema educacional deficiente, combinado aos postos de trabalho de baixa qualidade e ao sistema previdenciário de distribuição de renda. O pesquisador ressalta que o grande desafio no combate à pobreza no Brasil é a ausência de disposição para assumir os custos que “a erradicação da pobreza envolve”. Ele descarta a tese de que o crescimento econômico, por si só, acabará com a pobreza e defende políticas e ações de redistribuição de renda.
“A verdade é que crescimento é bom, mas não vai ser suficiente para erradicar a pobreza em um prazo razoável. O Brasil é um país em que a redução da desigualdade pode ser muito benéfica para diminuir a pobreza. Mecanismos redistributivos seriam ferramentas importantes para isso. Porém há muita resistência à implementação desses mecanismos, quase ninguém está disposto a assumir os custos que a erradicação da pobreza envolve", afirma.
Ao lado dessa falta de disposição, Marcelo acrescenta a existência de “muito moralismo” em nosso debate sobre a pobreza. Ele se recusa a aceitar a idéia de que a educação, sozinha, acabará com a pobreza e propõe, mais uma vez, a aplicação de políticas de transferência de renda lado a lado com o investimento em educação.
“É verdade que temos de recuperar nosso atraso educacional, mas educação é um investimento de longo prazo. Vão se passar décadas até que as crianças que educamos hoje sejam maioria no mercado de trabalho. A conclusão é óbvia: precisamos de políticas de transferência de renda que serão sustentadas durante décadas, até que os efeitos da educação sejam suficientes para erradicar a pobreza”.
Ou seja, a falta de capacidade técnica que existe em muitos países pobres pode não se repetir no Brasil, mas nosso desenvolvimento nessa área não é suficiente para que governo e sociedade se mobilizem para erradicar de vez a pobreza e a desigualdade no país.
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