Autor original: Fausto Rêgo
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Um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, o economista Paul Singer assumiu a Secretaria Nacional de Economia Solidária no governo Lula e defende o microcrédito como um dos impulsionadores do desenvolvimento local. Apesar do cargo, não mede palavras ao criticar a política econômica de juros astronômicos praticada pelo governo – o que não consiste propriamente em uma incoerência. Com sua fala calma, o intelectual, que participou do famoso grupo de estudo do livro "O Capital" na Universidade de São Paulo que culminou com a prisão da maioria de seus participantes durante o regime militar, é famoso por defender a pluralidade de opiniões. Nesta entrevista concedida no dia 13, durante a 4ª Expo Brasil Desenvolvimento Local, em Fortaleza (CE), Singer comenta iniciativas da sua secretaria, mas prefere não falar em metas de empréstimos na modalidade de microcrédito. "Metas são boas para colocar no jornal. Mas não valem nada", afirma. O economista admite que a população ainda não conhece bem o microcrédito, o que acaba reduzindo seu alcance. Cita como exemplo a cidade de São Paulo, que possui um banco municipal com apenas três mil clientes, após quatro anos de funcionamento. "Mas para atender 100 mil paulistanos teria de entrar nas favelas, nas áreas mais pobres, e construir laços de confiança", observa. "Pobre tem muito medo de pegar dinheiro emprestado. Eles não são bobos. A única coisa que têm é o nome deles. Por isso temos de conquistá-los e mostrar que com esse crédito podem sair da pobreza".
Rets – Como o senhor avalia as perspectivas do microcrédito no Brasil?
Paul Singer - Já existem, hoje, resoluções do Conselho Monetário Nacional que permitem que as entidades de microcrédito acessem os recursos dos depósitos bancários, que correspondem a 2% de todos os depósitos à vista nos bancos. Em resumo, existe microcrédito no Brasil. O Banco do Nordeste já tem um programa ponderável, mas, ainda sim, muito pequeno em relação às necessidades.
É um potencial que pode ser desenvolvido, se houver acesso ao dinheiro. As Oscips, as sociedades de crédito e as cooperativas de crédito vão ser habilitadas agora para receber recursos públicos em volume significativo. Então há a perspectiva de que o microcrédito no Brasil comece a alcançar o tamanho necessário para contribuir decisivamente para o desenvolvimento do país.
Rets - E o programa Crediamigo?
Paul Singer – O Crediamigo [programa de microcrédito do Banco do Nordeste] atende mais de 150 mil pessoas no Nordeste inteiro, que é a área mais carente do país, e por isso deve ser prioritária. E tem inovações também. Ele começou com grupos solidários de quatro ou cinco pessoas e hoje está trabalhando com grupos bem maiores. Isso é uma inovação internacional. Na medida em que você aumenta o número de pessoas que se apóiam mutuamente, elas tendem a se federar e a se associar também na atividade econômica. Então, mediante o crédito, você passa à organização do empreendimento de cooperativas de artesãos, camponeses, pequenos empresários etc.
Rets – Uma crítica que se faz ao microcrédito é em relação ao alto custo.
Paul Singer - Há uma discussão enorme sobre isso. O microcrédito no Brasil está sendo concedido a uma taxa de juros de cerca de 4% ao mês. Em qualquer país civilizado do mundo, isso seria considerado usura. Mas parece que não somos civilizados. O Brasil é o único país onde 4% ao mês não é alto. Então parece uma resposta meio ridícula, mas precisamos baixar todos os juros. Precisamos de crédito pessoal com juros de cerca de 10% ao ano, que nos outros países já seria alto. Nós temos hoje 10% ao mês. Se você pegar dinheiro no cartão de crédito, é isso que vão acabar lhe cobrando.
No caso específico do microcrédito, esses juros tão elevados se devem à escala insuficiente. A grande maioria das nossas instituições, inclusive as municipais, tem entre mil a dois mil clientes. Para uma cidade como São Paulo, que tem 11 milhões de habitantes, isso não é nada. E não têm mais clientes porque não têm acesso ao dinheiro. Emprestam tudo que têm. Como é uma Oscip e não pode receber depósitos, a instituição está limitada a isso. Agora essas entidades vão poder receber mais recursos e poderão investir.
Acho que vale a pena acrescentar que o microcrédito é uma coisa vagarosa. Temos que treinar o gerente de crédito, depois ele tem que entrar na comunidade, ganhar a confiança, para depois organizar os grupos. Isso não pode ser feito da noite para o dia.
Rets – Que ações podemos esperar da Secretaria Nacional de Economia Solidária ainda para este ano?
Paul Singer - Temos várias novidades. O Ministério do Trabalho está empenhado na regulamentação das cooperativas de trabalho, que são muito importantes hoje no Brasil, por causa do desemprego e da exclusão social. Por outro lado, existe uma peste de cooperativas falsas. Os trabalhadores acabam não recebendo o que têm direito. Então fizemos uma regulamentação que obriga as cooperativas a cumprirem a legislação do trabalho. O que acontece é que a maioria das cooperativas é pobre demais para cumprir essas determinações imediatamente. Então estamos discutindo com as cooperativas e com nossos companheiros no ministério uma forma de fazer uma lei que as obrigue a garantir o salário mínimo e as férias e, ao mesmo tempo, torne isso viável economicamente.
Rets – Para tentar fugir dos direitos trabalhistas, as cooperativas não podem acabar se tornando uma opção para os empresários?
Paul Singer - Hoje as leis trabalhistas, em vez de serem um direito do trabalhador, são cada vez mais um benefício de uma minoria. Os empregadores estão descobrindo que criar uma cooperativa dos seus empregados e despedi-los é um alto negócio. Ele [o empregador] os mantêm como contratados de uma cooperativa que continuam trabalhando para ele. Pode até pagar um pouquinho mais, mas não paga férias, nem fundo de garantia. É uma vantagem enorme. E quando alguns empregadores fazem isso numa região, os outros têm que fazer também, ou saem do mercado.
A fiscalização do trabalho está em cima disso com muito vigor, mas não acredito que consiga reverter essa situação. Então estamos tentando substituir o processo repressivo por medidas de apoio às verdadeiras cooperativas de trabalho, para que elas se habilitem. Para que num período de três anos adquiram suficiência econômica e possam garantir aos seus membros aquilo que a Constituição oferece a todos os trabalhadores.
Rets – O senhor tem metas em relação ao número de empréstimos?
Paul Singer - Não. As metas são boas para colocar no jornal. Mas não valem nada.
Rets - A população conhece o microcrédito?
Paul Singer - Não. Uma cidade como São Paulo tem um banco municipal criado pela prefeitura que, depois de quatro anos de funcionamento, tem três mil clientes. Precisaria de no mínimo cem vezes isso. Mas para atender 100 mil paulistanos teria de entrar nas favelas, nas áreas mais pobres e construir laços de confiança. Pobre tem muito medo de pegar dinheiro emprestado. Eles não são bobos. A única coisa que têm é o nome deles. Por isso temos de conquistá-los e mostrar que com esse crédito podem sair da pobreza.
Rets – E o que o senhor acha do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf)?
Paul Singer - É possível aperfeiçoar, mas é um crédito muito burocrático. Você pode pegar emprestado a partir de um certo limite. É impossível pegar menos. Isso é uma injustiça, pois preciso de R$ 600 e vou ter de pagar juros sobre R$ 1 mil. As agências bancárias estão fazendo um favor de utilizar o Pronaf. O programa, além de dispor do valor, ainda diz em que você pode gastar. Você pode comprar bodes, mas se for para comprar abelhas não tem Pronaf.
Rets – Qual é a importância do microcrédito para a promoção do desenvolvimento local?
Paul Singer - Uma das coisas que estamos fazendo é treinar agentes de desenvolvimento. O desenvolvimento local tem, de alguma maneira, de ter os apoios certos. Podemos usar o exemplo do Banco Palmas. Ele está funcionado em Fortaleza e gerou um bom volume de novos postos de trabalho através do microcrádito, da incubação de cooperativas e assim por diante. A Secretaria está agora ajudando o banco a levar esse modelo para outros municípios do Ceará. E vários deles já criaram a sua moeda social e o seu banco. Há muitas experiências interessantes no Brasil que estão funcionando. Cabe ao governo fazer com que elas se multipliquem. O nosso papel é dar apoio e divulgar.
Rets – O senhor acha que falta no Brasil uma política nacional de desenvolvimento local?
Paul Singer - Não. Quem tem uma política dessas é o Hugo Chávez [presidente da Venezuela]. Ele adotou um modelo. Aqui não temos isso, temos uma profusão de modelos. Acho mais interessante que o governo dê apoio às iniciativas que vêm de fora [do governo].
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