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Inclusão digital: Ministério das Comunicações garante a polêmica

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets





Inclusão digital: Ministério das Comunicações garante a polêmica
Marcelo Medeiros/Rits

A quarta edição da Oficina para a Inclusão Digital aconteceu no Rio de Janeiro de 17 a 19 de outubro. Mais modesto do que nas edições anteriores, o evento, considerado o mais importante sobre o tema no Brasil, teve poucos debates e mais explanações sobre projetos de inclusão digital da sociedade civil e do governo.

Pouco de novo foi apresentado, mas houve polêmica durante as palestras de representantes do Ministério das Comunicações, acusados pela platéia de falta de discussão sobre os rumos da TV digital no país e de fazerem investimentos menores do que os necessários.

O momento de maior intensidade ocorreu quando Joanílson Ferreira, secretário de Comunicação Eletrônica do Minicom, foi chamado para falar na plenária sobre "Infra-estrutura e acesso universal". Com posições discordantes da maioria do público, formado por integrantes de outros ministérios e representantes de ONGs, Ferreira não deixou de provocar. Afirmou que os recursos do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust) não são utilizados devido à falta de regras, disse que comunidades onde os registros de tráfego no programa Governo Eletrônico - Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) são nulos perderão seu acesso e ainda criticou a falta de coerência entre os órgãos do governo.

“Os antigos administradores (do Minicom) não leram a bula do Fust. Até hoje não dissemos como e onde a Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] deveria gastar”, disse o secretário, empossado pelo ministro Hélio Costa, que assumiu o cargo em agosto. O Fust foi criado em 2000, para captar recursos para programas de universalização de serviços de telecomunicações. As empresas telefônicas são obrigadas a contribuir com 1% de seu faturamento anual para sua constituição. Nenhum recurso do fundo, que hoje acumula R$ 4 bilhões, foi utilizado ainda.

Por jamais ter sido usado, o Fust é questionado tanto pelas empresas, que afirmam ser desnecessário abrir mão de parte de seu faturamento para algo que não é gasto, como por integrantes do governo e de ONGs ligadas à democratização da comunicação. Esse grupo defende a idéia de que com esses recursos seria possível avançar muito nos programas de inclusão digital. “Não é considerado dever do Estado prover conectividade”, acrescentou Edgard Piccino, assessor da Presidência do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), ligado à Casa Civil. Segundo Piccino, os recursos do Fust não são utilizados, entre outros motivos, porque a inclusão digital ainda não é considerada uma política pública prioritária no governo. “A sociedade deve pressionar para que isso mude”, conclamou.

Para Ferreira, o problema é outro. “No governo Lula, cada ator possui uma visão diferente de inclusão digital”, disse. De acordo com o secretário, o Ministério das Comunicações está empenhado, neste momento, em promover a eficiência dos programas já existentes e em tomar decisões relativas à televisão digital – tema que também acirrou ânimos durante a oficina.

Segundo o representante do Minicom, as localidades onde não haja bom uso das antenas do Gesac perderão seus pontos de acesso, assim como aquelas em que a documentação não estiver em dia. “Há pontos até mesmo sem endereço, então não sabemos se o equipamento está tendo bom uso. Não podemos permitir isso”, declarou. Por sua vez, o gerente de projetos do Departamento de Serviços de Inclusão Digital do Minicom, Elias David, garantiu que nenhum telecentro ativo terá sua conexão suspensa e anunciou que em 2006 a expansão do programa será retomada. “O cadastramento de novos pontos já está acontecendo”, afirmou. O Gesac provê acesso à Internet por meio de conexão via satélite e é voltado para áreas onde não há provedores comerciais ou onde eles sejam muito caros para a população local. Atualmente o programa atinge 3.200 comunidades, entre escolas municipais e estaduais, sindicatos e ONGs. Dezoito mil computadores estão conectados, atendendo, de acordo com o Minicom, quatro milhões de pessoas.

Números apresentados pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) mostram o estado de conectividade das escolas brasileiras. Das 179 mil, apenas 89 mil possuem telefone. Há ainda o problema da falta de acesso à rede mundial de computadores. De acordo com Nelson Simões, diretor-geral da entidade, a aquisição de máquinas representou 72% do custo total de conexão nos últimos três anos nos programas federais de inclusão diigtal. “A maior barreira é o custo dos terminais”, lamentou. As soluções, segundo Simões, são o aumento do interesse público no assunto, o aumento da competição entre fabricantes e vendedores de materiais de computação e o uso de fibra ótica para aumentar a velocidade de conexão. Para Edgard Piccino, o problema passa também pela autorização da conexão via rádio entre telecentros para otimizar o uso de bandas.

Também foi questionado o papel das empresas nesse processo de inclusão. Para Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, o papel do Estado é fundamental. “O mercado não vai resolver esse problema”. Já Piccino acredita que as companhias telefônicas poderiam colaborar mais. “A responsabilidade social deve parar de ser pensada como investimento em imagem e ser efetivada”, reclamou.

O único consenso foi obtido no argumento de que as comunidades onde os projetos de inclusão são instalados precisam participar da gestão dos telecentros para garantir sua sustentabilidade. “Quando a comunidade está envolvida, não há riscos de falta de tráfego ou de mau uso do equipamento”, garantiu Neuza Melo, do Conselho Gestor do Telecentro Dom Angélico, em São Paulo.

Exemplos

Não faltaram exemplos de como um projeto de inclusão social pode ser feito – desde Piraí, a “cidade digital”, até a instalação de pontos comunitários de acesso no meio da floresta amazônica. Franklin Coelho, coordenador do projeto Piraí Digital, mostrou como a cidade do sul fluminense, de apenas 80 mil habitantes, foi posta no mesmo patamar de metrópoles como Londres e Toronto pela mídia internacional. Dada a falta de empresas dispostas a prestar serviços de conexão na cidade, a prefeitura local iniciou há oito ano um trabalho de inclusão digital que lhe rendeu um prêmio da Unesco. Foram instalados pontos de acesso gratuito nos locais mais movimentados da área urbana, como a rodoviária, e cabos de fibra ótica foram puxados até as zonas rurais e escolas mais distantes. Assim, conseguiram que todas as escolas e hospitais estivessem conectados à rede mundial de computadores.

Do outro lado do país, perto de Santarém, no oeste paraense, o Projeto Saúde e Alegria conseguiu, com apoio da Rits e do projeto Gesac, dar acesso à Internet a comunidades ribeirinhas onde a rede de energia elétrica não chega. Com eletricidade gerada a partir da luz do sol, além de conexão via satélite, agora quatro localidades possuem computadores conectados 24 horas por dia. E fazem bom uso. “Eles já agendam visitas de turistas por email”, comenta Caetano Scannavino, um dos diretores do projeto.

Outra solução apresentada foram os telecentros do Banco do Brasil, que aproveitou máquinas usadas, mas em perfeito funcionamento, para equipar centros comunitários.


Marcelo Medeiros

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