Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) começou a se organizar na década de 70, a partir da consolidação do modelo de geração de energia através da edificação de grandes barragens. Desde então, o MAB vem militando pela preservação ambiental dessas áreas e, principalmente, para manter a integridade social das comunidades atingidas pelas construções. A luta, que já ganhou projeção internacional, tem, há um ano, a sala de aula como aliada. O projeto Coletivo de Educação é voltado para pessoas do campo que foram excluídas das escolas. Implementado em 14 estados, o Coletivo ensina a mais de 3 mil jovens e adultos a ler, escrever e se conscientizar de seus direitos e da força de suas tradições.
De acordo com a coordenadora do projeto, Ana Rita Lima Ferreira, o Coletivo de Educação é resultado da marcha nacional que o MAB realizou no ano passado e foi de Goiânia (GO) a Brasília (DF). A caminhada de quinze dias teve como objetivo o fortalecimento da unidade nacional dos povos atingidos pela construção de barragens e a tentativa de conferir visibilidade à situação dessas comunidades. “Uma das carências denunciadas foi em relação à educação, pois grande parte da população atingida não tem acesso ao processo de alfabetização inicial”, explicou Ana Rita. Segundo ela, entre as conquistas asseguradas pela marcha, está a extensão do Programa Brasil Alfabetizado, do Ministério da Educação (MEC), às comunidades ribeirinhas a partir de uma parceria com o MAB.
Além de alfabetizar, o Coletivo tem a missão de construir um projeto de educação que entenda as necessidades das comunidades atingidas pela construção de barragens e dos povos do campo em geral. “Queremos agregar força ao movimento da Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, que luta pelo reconhecimento do campo como espaço de vida, moradia, educação, trabalho e lazer, e não como um espaço de atraso e de desigualdade”, diz a coordenadora.
Ana Rita explica ainda que a prática das empresas construtoras de barragens é fazer a obra o mais rápido possível e, na maioria das vezes, as famílias atingidas ficam sem nenhuma condição de sobrevivência. “Na barragem de Campos Novos, em Santa Catarina, muitas pessoas ainda não receberam nada e as comportas se fecharam para iniciar o enchimento do lago. O pior é que elas sequer foram reconhecidas como atingidas e isso não é um caso isolado. O mesmo acontece em todas as regiões do país onde se constroem barragens”, denuncia. É nesse contexto que o MAB decidiu usar a educação como forma de ajudar o povo a compreender a sua realidade e a perceber a importância da luta pelos seus direitos. “E a nossa luta segue no caminho de nos organizarmos para um processo mais longo, de enfrentamento do sistema pelo qual somos atingidos. Não somos atingidos só pelas barragens, mas pelo atual sistema elétrico”, defende a coordenadora.
Ana Rita conta ainda que o projeto trabalha com a concepção de alfabetização libertadora, baseada no legado de Paulo Freire, e na educação popular. “Buscamos aí as referências para uma ação que possibilite dotar a população atingida por barragens de instrumentos indispensáveis para o exercício da cidadania”, diz. Segundo ela, a comunidade se envolve no processo de alfabetização, ajudando a decidir a organização das aulas. “Há também grande ênfase na valorização e no resgate da cultura e da identidade da população atingida, uma vez que as perdas de suas terras e de laços sociais e culturais com a construção das barragens deixam marcas profundas”, afirma.
Os educadores são pessoas das comunidades atingidas, reassentadas ou ameaçadas pela construção de barragens. Essas pessoas foram escolhidas, segundo Ana Rita, porque são conhecedoras da realidade local, fazem parte do dia-a-dia da comunidade e das lutas do MAB. “Além disso, têm, preferencialmente, o maior nível de escolaridade do grupo e são abertas ao diálogo e ao trabalho coletivo”, acrescenta. Os educadores recebem uma bolsa que está prevista no convênio com o MEC. O MAB recebe ainda apoio de professores de universidades, de algumas ONGs e de movimentos sociais.
Por estar presente em 14 estados, o Coletivo de Educação leva em consideração a diversidade cultural de cada região. “As atividades são planejadas considerando e valorizando a oralidade, os causos, os cordéis, as cantigas, os ditos populares e as receitas diversas. A leitura e a produção escrita são desdobramentos da oralidade e dos conhecimentos trazidos para aulas”, conta Ana Rita. De acordo com a coordenadora, as ações de educação são articuladas com outros projetos que o MAB desenvolve nas comunidades, visando à recuperação e ao restabelecimento das condições para a realização de atividades produtivas sustentáveis. “No caso dos ribeirinhos que, com as construções dos lagos das barragens ficaram sem essa atividade, a educação tem contribuído também para o resgate da cultura da pesca e da produção de peixes”, afirma, referindo-se a um projeto desenvolvido em parceria com a Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, ligada à Presidência da República.
De acordo com a coordenadora, e idéia é dar continuidade ao projeto a partir dos resultados que vêm sendo alcançados. O objetivo é renovar o convênio com o MEC e viabilizar as ações para alfabetizar mais de 5 mil jovens e adultos nos 14 estados onde o projeto foi implementado.
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