Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original:
Juliana Radler, de Nairóbi
De 17 a 28 de outubro, representantes de 190 países do mundo estiveram reunidos em Nairóbi, no Quênia, para definir políticas, investimentos e iniciativas voltadas para o combate à desertificação no mundo. O assunto, literalmente árido, desperta controvérsias.
"Brasil deve contribuir mais”, diz secretário geral da Convenção da ONU para o Combate à Desertificação
![]() Hama Arba Diallo Foto: Juliana Radler/Rits | ![]() |
O secretário geral da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), Hama Arba Diallo, de Burkina Fasso, falando com exclusividade à Rets, disse que o Brasil deve aumentar a sua participação na Convenção proporcionalmente ao problema enfrentando pelo país, que tem 1.482 municípios localizados em áreas suscetíveis à desertificação, englobando um total de 31 milhões de pessoas.
"Brasil, China e Índia são países que podem contribuir mais para o combate ao problema, pois ainda não vimos uma participação efetiva deles. Certamente o Brasil pode ser atuar mais, principalmente, no compartilhamento de informações sobre o tema", afirmou o secretário geral no último dia da Conferência da ONU para o Combate à Desertificação (COP-7), que ocorre em Nairóbi, no Quênia.
Durante cerca de oito anos, o Brasil não vinha participando de forma ativa da Convenção, deixando inclusive de fazer os pagamentos acertados para o orçamento da UNCCD. Nos últimos dois anos, porém, retomou seu compromisso como signatário do tratado desde 1997 e busca a ampliação de seu papel, sobretudo como liderança na América Latina.
O secretário admitiu que, de fato, o Brasil demonstrou um interesse maior na Convenção nos últimos dois anos. "O atual governo brasileiro indica que está mais preocupado com o combate à desertificação, mas ainda acredito que as ações poderiam ser mais amplas", enfatizou Diallo.
Das três convenções da ONU relacionadas ao meio ambiente (as outras duas são sobre mudanças climáticas e biodiversidade), a de desertificação é a que possui menos espaço na agenda brasileira e no próprio Ministério do Meio Ambiente, conforme admitiu o coordenador técnico do Plano Nacional de Combate à Desertificação (PAN), José Roberto de Lima. "Estamos começando a ampliar agora o nosso espaço no Ministério do Meio Ambiente, colocando o PAN na prioridade da agenda do governo através da sua inserção no Plano Plurianual (PPA). Antes, realmente, esse assunto estava esquecido dentro do Ministério", acrescentou Lima.
ONGs pedem maior envolvimento do governo brasileiro na Convenção da ONU para o Combate à Desertificação
Representantes de organizações não-governamentais que integram a Articulação do Semi-Árido (ASA) ressaltaram durante a Conferência da ONU para o Combate a Desertificação (COP-7), que ocorre em Nairóbi de 17 a 28 de outubro, que é preciso haver uma maior participação do governo brasileiro nas negociações da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD).
Para as ONGs, essa ampliação é fundamental para que o Brasil possa avançar em seu Plano Nacional de Combate à Desertificação (PAN), cuja formulação teve ampla participação da ASA. "É preciso aumentar o interesse do governo brasileiro na Convenção, para que possamos, inclusive, ter sucesso na implementação do PAN", diz Silvia Alcântara Picchioni, da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza e também ponto focal nacional da sociedade civil para o tema da desertificação.
Segundo João Otávio Malheiros, diretor de Relações Institucionais da Associação Maranhense para a Conservação da Natureza (Amavida), o Brasil trouxe para essa COP-7 uma delegação inferior à que esteve na COP-6, em Havana, Cuba. "É preciso aumentar a participação do Brasil na Convenção proporcionalmente ao problema brasileiro", observou Malheiros. Como a Convenção é o espaço global destinado ao debate e ao estabelecimento de iniciativas de combate à desertificação no mundo, é fundamental, na visão de Malheiros e Picchioni, que o Brasil coloque-se como protagonista neste espaço, até mesmo liderando as negociações voltadas para América Latina e Caribe.
Para o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, Claudio Langone, o governo brasileiro está consciente dessa necessidade e já aumentou de um para 13 o número de pessoas no governo dedicadas plenamente às questões da Convenção e da luta contra a desertificação no país. "Esperamos, inclusive, que o próximo Plano Plurianual (PPA) inclua as ações do PAN de forma mais consistente e articulada".
Em relação a uma possível paralisação da implementação do PAN devido ao processo de eleição presidencial no ano que vem, Langone afirmou que esse plano tem uma "blindagem institucional", uma vez que o "projeto possui uma visão de Estado e não de governo", garantindo, portanto, sua continuidade.
Implementação
A maior preocupação das ONGs, no momento, é a respeito da implementação do PAN nos próximos anos e da capacidade de manutenção da mobilização que foi criada junto à comunidade atingida pelo plano, que abrange 1.482 municípios em 11 estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e prevê investimentos de R$ 25 bilhões até 2007.
"A nossa intenção, agora, é entregar em mãos ao presidente Lula o documento do PAN para que fique estabelecido o compromisso do governo. Além disso, pretendemos fazer em novembro, em Recife, uma reunião do grupo de trabalho de combate à desertificação da ASA para tratar da implementação do PAN", afirmou Picchioni.
Outro ponto salientado por Malheiros, da Amavida, é em relação à formulação de projetos a serem inseridos no âmbito do PAN. "É preciso que haja uma articulação das organizações da sociedade civil para que tenhamos uma maior participação das organizações na elaboração de projetos", sublinhou.
Nova esperança no combate à desertificação no Brasil
O Brasil é o país que possui as áreas suscetíveis a desertificação mais densamente povoadas do mundo. São 1.482 municípios numa área correspondente a 15,7% do território nacional, englobando 32 milhões de pessoas, quase 20% do total da população brasileira.
O combate a esse drama, que está historicamente ligado aos mais sérios problemas sociais brasileiros, como o êxodo rural e a conseqüente migração para metrópoles como Rio e São Paulo, conta agora com um esforço conjunto do governo brasileiro, da sociedade civil organizada e de parceiros de organismos internacionais no país. Trata-se do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN Brasil), finalizado em 2004 e apresentado à comunidade internacional durante a COP 7, em Nairóbi, Quênia.
A conclusão do plano nacional está ligada a um compromisso assumido pelo Brasil no âmbito da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), da qual o país é signatário desde 1997. A projeção do governo brasileiro é de que até 2007 sejam investidos R$ 25 bilhões em projetos nas áreas afetadas pela seca.
Acordos
Em evento paralelo realizado durante a Conferência em Nairóbi, o governo brasileiro assinou um memorando de entendimento com organismos internacionais que vão apoiar o PAN. O documento foi assinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), pelo Instituto Interamericano para o Desenvolvimento Agrícola (IICA/OEA) e pelo Mecanismo Global (fundo constituído para combater a desertificação no âmbito da convenção da ONU). Além disso, o governo alemão, através do Ministério de Desenvolvimento e Cooperação Econômica (BMZ), também formalizou seu apoio.
Segundo o coordenador técnico do PAN, José Roberto de Lima, outros organismos internacionais também demonstraram interesse em assinar o memorando, entre eles o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a União Européia (através do governo italiano) e o Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (Fida).
Para José Roberto, a assinatura deste documento demonstra que o plano brasileiro foi muito bem recebido pela comunidade internacional, que já está adotando o projeto como modelo para os demais países. “Estamos em entendimentos com países da América Latina e do Caribe e com a Comunidade de Países de Língua Portuguesa para que possamos apoiá-los no desenvolvimento de planos semelhantes ao brasileiro”, afirmou José Roberto.
O coordenador do PAN ressalta ainda que a implementação do plano de combate à desertificação no Brasil é uma questão social e ambiental de fundamental importância para o desenvolvimento do país e da luta pela erradicação da pobreza. Além disso, de acordo com os alertas da comunidade científica mundial, a mudança climática acarretada pela emissão dos gases do efeito estufa vai acentuar os problemas de desertificação em todo o mundo. Por isso áreas que hoje são consideradas semi-áridas tendem a tornar-se áridas nos próximos anos, agravando ainda mais os problemas de sustentação econômica dos habitantes dessas regiões.
* Sobre a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) – A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação entrou em vigor em 1996 e atualmente conta com a adesão de cerca de 190 países. As negociações para a elaboração da Convenção foram iniciadas na Rio-92, onde acordou-se incluir na Agenda 21 um comitê intergovernamental para discutir seu texto. Para os países signatários, a UNCCD é um instrumento legal para orientar a implementação de políticas públicas de combate a desertificação. O Brasil aderiu à Convenção em 1997 e atendeu ao compromisso de elaborar um Programa Nacional de Ação de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) em 2004.
Fundo TerrAfrica: investimentos de U$ 4 bilhões para combater a desertificação e a seca na África
![]() Juliana Radler/Rits | ![]() |
Mali, país localizado no noroeste da África está entre os dez mais pobres do mundo. Cerca de 70% da sua população vive hoje em outros países africanos ou na Europa, principalmente na França, já que o francês é a sua língua oficial. O processo de desertificação das suas áreas rurais é o principal causador dessa dramática situação. País que já foi o maior exportador de algodão da África, Mali depende hoje de ajuda externa para frear a migração que deixa o país ainda mais impossibilitado de lutar com suas próprias forças para conter o processo de esgotamento de seus recursos naturais.
Assim como a população de Mali, 65% dos habitantes da África vivem em áreas afetadas pela degradação da terra. Ao sobrevoar o continente, é possível avistar rios secos e imensos trechos áridos ao redor das cidades. Para um continente no qual 70% das pessoas que se encontram em condições de pobreza sobrevivem da agricultura, a desertificação da terra significa aumento da miséria nos países e crescimento das favelas nas grandes cidades. Em Nairóbi, por exemplo, a favela de Kibera cresce a cada dia e registra, em 2005, 1 milhão de habitantes, o equivalente a quase um terço da população total da cidade.
Este é o cenário no qual o fundo TerrAfrica, lancado nesta segunda-feira, 24 de outubro, durante a Conferência das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD/COP 7), vai atuar. Nos próximos 12 anos, o projeto investirá US$ 4 bilhões em iniciativas para combater a degradação do solo no continente africano. A iniciativa é encabeçada por uma coalizão de organismos internacionais, entre os quais a ONU – através da United Nations Convention to Combat Desertification (UNCCD), da Organização para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) –, o Banco Mundial – através do Global Environment Facility (GEF) –, o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola e o Banco para o Desenvolvimento da África.
De acordo com representantes da sociedade civil presentes à conferência, o fundo representa um avanço efetivo que beneficiará projetos de ONGs no continente africano, tanto iniciativas novas quanto outras que já estão em andamento. “O importante é termos sempre a comunidade local envolvida e participando destes projetos de uso sustentável da terra”, afirma Richard Mokotio, líder comunitário que trabalha em um projeto social voltado para o manejo sustentável da terra no distrito de Kajiado, a 120 quilômetros de Nairóbi.
Assim como na América Latina, a sociedade civil e os organismos internacionais defrontam-se com governos corruptos e ineficientes no continente africano, o que gera dúvidas sobre a correta aplicação dos recursos.
Desta forma, o TerrAfrica, segundo os organismos que o formularam, irá trabalhar junto com a comunidade e as ONGs, além dos governos, para garantir a eficácia das iniciativas financiadas pelo fundo.
A expectativa da New Partnership for Africa’s Development (Nepad), segundo seu diretor executivo, Professor Firmino Mucavele, é de que seja possível aumentar em 6% por ano a produtividade agrícola nas áreas rurais da África até 2015, com os projetos financiados pelo novo fundo. Mais informações sobre o TerrAfrica podem ser obtidas em www.terrafrica.org.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer