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Carta a nós do ‘sim’

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião





Carta a nós do `sim´
Viva Favela

Rubem Cesar Fernandes*



É difícil assimilar esta derrota. Contávamos com um processo gradual e informativo de debate, a partir de julho, mas os tempos não o permitiram. A crise política abafou o assunto. De repente, em outubro, entrou a campanha nos meios de comunicação, no ritmo frenético dos sinais eletrônicos. Não estávamos preparados para esta circunstância. Apesar das mobilizações, país afora, lideradas por vocês, a coisa foi decidida em vinte dias, pela televisão e o rádio. A internet também contou com a insensatez dos “spans”, assim como a Justiça Eleitoral, que restringiu a participação da sociedade civil. Nossa campanha se perdeu nos primeiros dias e não foi capaz de reagir, apesar de uma tentativa radical a meio caminho. A deles, ao contrário, acertou e foi eficaz do início ao fim.

Creio, contudo, em toda honestidade, que o Referendo abriu um imenso campo de trabalho para nós que dissemos SIM. Os brasileiros discutiram o tema da segurança com uma intensidade nunca vista. Demonstraram que são capazes de decidir quando consultados. Não gostamos da decisão. Mas é forçoso reconhecer que as pessoas se envolveram profundamente e que reunidas, no voto, mandaram um forte recado para si mesmas, para os nossos governantes e para o mundo.

A onda do NÃO cresceu sobre nós, arrastando consigo uma variedade de valores. Disse NÃO a extrema direita, mas também a extrema esquerda e uma forte corrente liberal. Disseram NÃO os muito ricos e os muito pobres, homens e mulheres, idosos e jovens, da capital e do interior. Protestos diversos e contraditórios juntaram-se no NÃO, por conta de um sentimento generalizado de insegurança e desamparo. Que ninguém o ignore. Tanta negatividade reunida não passará sem conseqüências.

Já o SIM foi reduzido a uma corrente de opinião diferenciada pelas suas crenças e atitudes. Lá pela terceira semana, a agressividade do NÃO era tanta, que dizer SIM passou a exigir um gesto individual de coragem. Havia racionalidade na campanha do NÃO, como há sempre nos dois lados de qualquer bom debate. Mas a carga emocional que vinha do NÃO ultrapassava os limites. O fascismo à brasileira mostrou a sua cara, nas ruas e até mesmo nas universidades.

A palavra do SIM terminou minoritária, porém com uma identidade mais clara. Reuniu pessoas que, em face da violência, preferiram apostar no desarmamento. Pessoas que, apesar de tanta frustração, mantêm ainda uma visão positiva de futuro, que se identificam com o argumento de que é possível e necessário “...dar um primeiro passo”. Qual o tamanho desta corrente? São mais de 33 milhões de brasileiros. Não é pouco. É muito!

Passado o Referendo, duvido que o NÃO se sustente na forma e nas proporções do 23 de Outubro. É por demais heterogêneo. Cresceu na reação, mas sem afirmações positivas. Caem-lhe mal as denúncias sociais e o apelo à liberdade. Já o SIM tem tudo para marcar uma corrente de opinião duradoura. As muitas redes formadas e reformadas na campanha estão ávidas para seguir se encontrando. Vamos fazer isto e mostrar que a segurança, o desarmamento, a justiça e a liberdade podem e precisam caminhar lado a lado. Que a corrente dos 33 milhões se fortaleça e que seja mais feliz nas próximas voltas!

*Rubem Cesar Fernandes é antropólogo e coordenador geral do Viva Rio (www.vivario.org.br).






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