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Rugidos e Sussurros

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






Rugidos e Sussurros
www.soropositivo.org

Se mantiverem o ritmo atual de progresso social, os governos não eliminarão a extrema pobreza e a fome até 2015, conforme foi prometido na Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em 2000. Este alerta é de uma rede de organizações da sociedade civil de mais de 50 países, no décimo relatório Observatório da Cidadania, principal publicação independente de desenvolvimento social no mundo. A versão brasileira do relatório foi lançada nesta terça-feira, 1º de novembro, no Rio de Janeiro. O relatório em inglês foi apresentado em setembro último, em Nova Iorque, durante a assembléia das Nações Unidas.

As organizações sociais integrantes da rede mundial Social Watch concluem, no relatório deste ano, que, dez anos após o início do Ciclo de Conferências Sociais da ONU (Cúpula do Desenvolvimento Social e IV Conferência das Mulheres) e cinco anos depois da realização da Cúpula do Milênio, há um enorme fosso entre as promessas dos governos, que se comprometeram a reduzir a pobreza e a desigualdade, e suas ações.

O título do Observatório da Cidadania 2005, “Rugidos e Sussuros”, sugere que a sociedade civil ruge – faz barulho, se mobiliza e demanda a erradicação da pobreza - mas a resposta dos governos e instituições internacionais é quase insignificante, um sussuro.

Para além das análises e levantamentos feitos pelos capítulos nacionais, a publicação traz diversos dados socioeconômicos mostrando os avanços ou retrocessos de cada país em relação a metas de desenvolvimento social. “O relatório Social Watch internacional conclui que as metas não vão ser cumpridas porque a velocidade de progresso social não é suficiente. Ocorre, inclusive, uma desaceleração. Alguns países apresentam progresso nos seus indicadores, como é o caso do Brasil, mas é insuficiente para atingir as metas”, enfatiza o coordenador internacional do Social Watch, o uruguaio Roberto Bissio. Esses dados - mortalidade infantil, taxa de alfabetização etc. - estão no CD-Rom encartado na publicação, que traz também as edições internacionais em inglês e espanhol.

Segundo Roberto Bissio, a América Latina se destaca no relatório pela extrema desigualdade social. “A Ásia é o continente que tem o maior número de pobres. A África é o que tem as situações mais dramáticas de extrema pobreza. Mas a América Latina é o continente que tem as maiores desigualdades. São países que, em conjunto, se situam numa espécie de classe média mundial, mas têm um número enorme de pobres, por causa da grande concentração da riqueza e do poder político”, diz. Ele chama atenção para a necessidade de os governantes perceberem essa situação: “O sistema internacional não é favorável ao combate à pobreza, porque não mudou as regras do comércio e não solucionou o problema da dívida externa dos países mais pobres. No entanto, a culpa não pode ser jogada toda para o sistema internacional, enquanto que, internamente, as estruturas das nossas sociedades são muito injustas”.

Desigualdade nacional

No Brasil, as organizações não-governamentais envolvidas na elaboração do relatório criticam o desempenho tanto do governo Lula quanto da gestão de FHC no combate à pobreza e às desigualdades. No documento, destaca-se que, nos últimos dez anos, o país não promoveu mudanças estruturais para alterar o perfil de distribuição e renda.

A versão brasileira do relatório Observatório da Cidadania 2005 contém uma seleção de textos do relatório internacional, acrescidos de cinco artigos inéditos sobre o Brasil, que abordam: a situação da população negra no país; violência e segurança pública; a dificuldade de articular políticas sociais e econômicas; a subordinação do desenvolvimento ao modelo exportador; e a ausência de ações que promovam a distribuição de riqueza e renda.

No debate promovido durante o evento de lançamento da publicação, no Rio de Janeiro, Iara Pietricovsky, integrante do grupo de referência Observatório da Cidadania no Brasil e responsável pela produção do capítulo nacional no relatório, apontou para a dificuldade de o Brasil romper com padrões de pobreza. “Esse modelo econômico produz riqueza, mas não distribui. E vai continuar assim se não houver lutas políticas.”

Iara destacou que é um bom momento para implementar essas lutas, haja vista o recém-lançado relatório do Banco Mundial, que reconhece as disparidades sociais em vários países do mundo e o impacto da desigualdade no desenvolvimento econômico. “Há uma crise de redefinição interna das instituições multilaterais, como Organização Mundial do Comércio (OMC), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial. É uma grande oportunidade para reforçarmos a crítica a essas instituições e tentar mudar o atual modelo econômico”, disse.

Manifestações

Além de apresentar relatórios anuais independentes sobre como os governos cumprem suas próprias normas e promessas, outra forma da atuação da rede Social Watch é promover campanhas para reduzir a fome e a pobreza no mundo.

“Temos feito um trabalho de advocacy nas Nações Unidas, durante as reuniões do FMI, do Banco Mundial e do G8, pressionando os governos para que eles tomem uma posição de implementação de políticas mais eficazes de combate à pobreza”, diz Fernanda Carvalho, integrante do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e coordenadora executiva do Observatório da Cidadania no Brasil.

Entre as ações da rede para pressionar os governos, destaca-se a campanha internacional Chamada Global para a Ação contra a Pobreza. “Temos promovido grandes manifestações simultaneamente em diferentes países. Por exemplo, durante a reunião do G8 na Escócia, fizemos pressão para que esses governos mudassem suas relações comercias, fossem mais favoráveis aos países em desenvolvimento e perdoassem as dívidas dos mais pobres. Conseguimos que cerca de 26 milhões de emails, faxes e telefonemas fossem enviados às lideranças desses governos. Houve uma resposta [um comunicado dos oito dirigentes de compromisso com a causa] mas ainda foi um movimento muito pequeno em comparação ao volume da dívida”, diz Fernanda Carvalho.

Sussurro tem sido o resultado dessas campanhas até agora. No entanto, os esforços de articulação, cobrança e pressão política vão continuar. “A pobreza não é um problema natural, como um furacão. O combate a esse problema depende do resultado de políticas que podem e devem ser mudadas”, reforça Roberto Bissio. Nova oportunidade de tentar impulsionar o mundo na direção da redução da pobreza será na próxima reunião da OMC, em Hong Kong, em dezembro. Mais rugidos serão ouvidos.

Mariana Loiola

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