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É preciso lutar pela sociedade do conhecimento

Autor original: Mariana Hansen

Seção original:

Profª Eula D. Taveira Cabral *







É preciso lutar pela sociedade do conhecimento
Ilustração: Peter Kuper

A Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (CMSI) é um evento da Organização das Nações Unidas que reúne governos, empresários e a sociedade civil em torno de soluções possíveis para a construção da sociedade da informação. Desafio este que envolve interesses políticos, empresariais e sociais em prol da mídia e das tecnologias da informação e da comunicação (TIC).

Como o evento foi dividido em duas etapas, a primeira realizada em Genebra (Suíça) em 2003, em novembro, de 2005, será realizada em Túnis (Tunísia) a segunda etapa, onde governos estarão assinando os documentos que definirão o futuro da população mundial no que tange, principalmente, às TICs. Dessa forma, mesmo sofrendo perseguições, impedimentos e desafios, a sociedade civil não deve desistir da construção da sociedade do conhecimento.

Agenda sem compromisso (?)

Como se esperava, a agenda do que vem sendo proposto nas reuniões da CMSI não é bem aceita pelos países desenvolvidos, principalmente pelos Estados Unidos que insistem em controlar outros povos. Porém alguns assuntos passaram a ganhar respaldo da maioria, como a governança da Internet que, mesmo tendo causado muitas divergências num primeiro momento, conseguiu ter o apoio da maioria dos governos participantes.

O estabelecimento de mecanismos para assegurar a implementação dos acordos da CMSI também vem sendo negociado pelos países envolvidos. Porém, para evitar problemas na segunda etapa da Cúpula, marcada para o período de 16 a 18 de novembro, foram agendadas duas reuniões intergovernamentais: a primeira para 24 a 28 de outubro e a outra para 13 a 15 de novembro.

Apesar do impedimento da participação da sociedade civil em muitas reuniões, comprometendo os textos que vêm sendo elaborados, troca de favores entre governos e, muitas vezes, imposições de muitos países desenvolvidos, deixando claro que se não receberem apoio em suas definições cortarão relações com países “dependentes”, criou-se uma grande desconfiança da sociedade civil do compromisso dos governos. Porém, diante dessa realidade, é preciso continuar reivindicando compromisso dos participantes.

Posicionamento da sociedade civil sobre a Tunísia

Com tantos desafios, muitos membros da sociedade civil passaram a olhar a Cúpula como um lugar onde o interesse da população não importava. Pois, sua participação estava sendo ignorada pelos governos e empresários. A escolha de Tunis para sediar a segunda etapa da CMSI passou a ser tida como um tapa em todos, visto que se trata de um exemplo de desrespeito total aos direitos humanos.

Mesmo chamando atenção para o fato, a sociedade civil foi menosprezada pelos governos e empresários que não se importaram com a realidade do lugar. Para eles, parecia que o desrespeito ao ser humano na Tunísia não era um assunto que importava. O importante era a reunião e as assinaturas dos representantes de cada país nos documentos da CMSI.

Diante de uma realidade destoante, as organizações da sociedade civil participantes da terceira reunião preparatória (Prepcom) da CMSI, realizada em setembro, enviaram, no dia primeiro de outubro, uma carta aberta ao Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, deixando claro sua preocupação com as violações aos direitos humanos e liberdades fundamentais por parte das autoridades tunisianas.

Na carta registram-se as atitudes trágicas do governo tunisiano como perseguição, agressões físicas e verbais e prisão de jornalistas, professores universitários e líderes de opinião que se manifestam contra o governo e suas irregularidades, dentre outras. Deixou-se claro que as violações que são cometidas pelo governo tunisiano não são permitidas nos documentos que vêm sendo definidos na Cúpula, pois têm como foco os direitos humanos na sociedade da informação. Assim, enfatizou-se que a realização da CMSI na Tunísia colocaria em jogo a credibilidade da ONU e da comunidade internacional, pois estaria legitimando práticas contrárias a seus compromissos internacionais.

A sociedade civil solicitou a Kofi Annan que enviasse um representante à Túnis para analisar a situação, buscando ainda um compromisso do governo tunisiano em relação aos direitos humanos. Caso contrário, informou que se não houvesse avanços significativos na situação dos direitos humanos no país anfitrião antes de 16 de novembro, reconsideraria as modalidades e o nível de sua participação na Cúpula.

No dia 27 de outubro, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, enviou uma carta a Steve Buckley, presidente do Intercâmbio de Liberdade de Expressão Internacional (Ifex) - Grupo de Monitoramento da Tunísia, respondendo as cartas enviadas pelo Ifex, no dia 2 de setembro, e pelo caucus da sociedade civil na CMSI, no 1º de outubro, sobre a situação de direitos humanos na Tunísia e a realização da CMSI no país.

Kofi Annan informou que a decisão da realização da 2ª fase na Tunísia foi decidida em 2001 pelo Conselho da União Internacional de Telecomunicações (UIT), formado por 46 países, e aprovada na Assembléia Geral das Nações Unidas por unanimidade. Além disso, que o país vem sendo supervisionado pelo Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos. Dessa forma, mesmo reconhecendo os problemas no país, afirmou que já obtiveram uma mudança significativa do governo tunisiano, pois ele se comprometeu, “através de um Acordo de Conferência, a prover aos jornalistas e grupos da sociedade civil credenciados o acesso ao espaço da Cúpula”.

Desafios a enfrentar

A participação quase que exclusiva dos governos nos grupos de redação dos documentos acordados nas reuniões da CMSI causou grande revolta na sociedade civil, levando-a a questionar a legitimidade de todos os documentos da Cúpula, deixando claro, ainda, que o Plano de Ação da CMSI não pode ser implementado somente pelos governos.

As observações feitas pela sociedade civil são pertinentes, pois, para alcançar as metas aprovadas na Cúpula no que se refere à apropriação das TICs e ao acesso a rádio e televisão em todos os lugares, como aldeias, hospitais e escolas, até 2015 necessitará da participação e empenho de todos: governos, setor privado e sociedade civil.

Mesmo tendo razão em relação as ações inaceitáveis dos governos e empresários, a sociedade civil não pode deixar de lado a CMSI, como muitas organizações já declararam. Pois ao cenário midiático, hoje, só interessa o lucro na base da troca de favores entre políticos e empresários. Se não houver um enfrentamento direto com embasamento e soluções adequadas à população mundial, mais uma vez se permitirá que o social fique de lado. Deve-se permitir isso? A concretização da sociedade do conhecimento só será possível se todos tiverem o mesmo ideal.

*Profª Eula D. Taveira Cabral é editora do informativo eletrônico Sete Pontos (www.comunicacao.pro.br/setepontos), onde este artigo foi publicado originalmente.






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