Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Até o dia 10 de outubro de 2006, todas as cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes e as que fazem parte de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas - cerca de 1.700 municípios, no total - terão que elaborar um plano diretor. Algumas cidades terão que reavaliar os seus planos diretores e adaptar os seus instrumentos ao Estatuto da Cidade, aprovado em 2001 (lei 10.257/2001). Para outras cidades, no entanto, é o início de um processo que nunca aconteceu. Será uma oportunidade que a população e a sociedade organizada terão para corrigir injustiças no espaço das cidades. De acordo com o Estatuto da Cidade, também devem fazer planos diretores as cidades turísticas, as que são situadas em áreas de influência de grandes empreendimentos e as que vão receber obras de impacto ambiental.
Principal instrumento da política de desenvolvimento urbano, o plano diretor tem como função decidir no espaço urbano os investimentos em habitação, saneamento, transporte e desenvolvimento urbano em geral, além de regulamentar instrumentos previstos no Estatuto da Cidade para políticas públicas de moradia, acesso à terra urbana e combate à especulação imobiliária. Corresponde a um conjunto de regras básicas de uso e ocupação do solo, que orientam e regulam a ação dos agentes sociais e econômicos sobre o território de todo o município. Define áreas prioritárias ou vetadas para a expansão urbana e possibilita, por exemplo, dar destinação correta para o lixo e evitar deslizamentos de encostas quando ocorrem chuvas fortes.
“O plano pode demarcar vazios urbanos e viabilizar áreas urbanas subutilizadas, ociosas e de especulação imobiliária, para o interesse dos habitantes das cidades”, ressalta Nelson Saule Júnior, do Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais (Pólis).
Ao valorizar os espaços públicos e assegurar condições dignas de moradia, o plano diretor traz soluções para os problemas das cidades, principalmente, aqueles que afetam as pessoas de menor renda.
Entre os instrumentos definidos pelo Estatuto da Cidade para estarem previstos no plano diretor, a fim de que a propriedade cumpra sua função social, estão as Zonas de Interesse Social (Zeis). A definição de Zeis pode favorecer as populações de baixa renda, por meio do barateamento do custo da terra, regularização fundiária, preservação ou urbanização, onde haverá construção prioritária de habitação etc. “A nossa legislação já protegia quem mora em áreas mais valorizadas. Pelo Estatuto da Cidade, o restante da população também deve ser protegido”, enfatiza Ângelo Arruda, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA).
Nelson Saule destaca também a importância de potencializar e disciplinar o uso e a ocupação das áreas rurais dos municípios, por meio da reforma agrária, da agricultura familiar e do reconhecimento de comunidades rurais, como as quilombolas. “O plano diretor deve abranger todo o território do município”, ressalta.
Benedito Roberto Barbosa, diretor nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), explica que o impacto de aspectos da cidade, como transporte e saneamento, se dá também nos municípios vizinhos. Por isso, ao se elaborar um plano diretor municipal é necessário dialogar com os municípios vizinhos, para que os planos não sejam conflitantes. “Se não houver um planejamento territorial abrangendo o conjunto de municípios vizinhos, não se resolverá o problema das cidades”, enfatiza.
O processo
A decisão de elaborar o plano diretor tem que partir da prefeitura, que deve conduzir o processo junto com a sociedade. De acordo com o Estatuto da Cidade, a elaboração dos planos diretores deve ser participativa e democrática, mediante o estabelecimento de diálogos e o envolvimento efetivo de todos os atores - públicos, privados e sociais - que produzem, constroem, gestionam e vivem nas cidades. Para entrar em vigor, o plano deve ser aprovado pela Câmara de Vereadores. Após sua aprovação, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual devem incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. Segundo o Estatuto da Cidade, o plano diretor deve ser revisto pelo menos a cada dez anos.
Orlando Júnior, secretário geral do Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), destaca a importância do caráter participativo de elaboração dos planos. “Se a população não participar, será mais um plano produzido por consultorias, a serviço de apenas alguns grupos”.
Para garantir a participação da sociedade civil nesse processo, as organizações que compõem o FNRU estão atuando junto a comunidades e movimentos sociais para a elaboração de planos diretores participativos. O FNRU está acompanhando, capacitando, monitorando e assessorando os diversos segmentos para a elaboração dos planos. As entidades engajadas no tema participam de comitês locais em todos os estados, promovendo atividades de discussão sobre o plano com outros atores locais responsáveis pela gestão das cidades.
A elaboração do plano diretor começa com a leitura técnica e comunitária da realidade local, com o objetivo de compreender o que está ocorrendo nas diferentes partes do município. Por meio da leitura comunitária, as pessoas que vivem na cidade podem detectar os problemas cotidianos e o funcionamento geral da cidade. O diagnóstico de problemas e de necessidades de cada cidade vai determinar as diretrizes do plano diretor.
O maior desafio do processo de elaboração dos planos diretores, segundo Nelson Saule Júnior, é fazer com que o conteúdo técnico dos planos diretores seja compreendido por todos os atores responsáveis. “Não é um conteúdo de fácil compreensão. Procuramos trabalhar os instrumentos dos planos junto com temas de política urbana que sejam mais próximos da realidade da população do município”, diz.
As entidades discutem com todos os atores da cidade, em encontros, reuniões e cursos de capacitação. “Todos têm condições de se apropriar dos instrumentos do plano diretor, mas é preciso haver uma preparação. A maioria não tem idéia do que significa o plano diretor nem o seu impacto na cidade”, diz Benedito.
A Campanha Nacional pelo Plano Diretor Participativo, lançada em maio pelo Ministério das Cidades em parceria com diversas entidades, busca capacitar os atores envolvidos no processo e esclarecer o público em geral sobre o assunto, além de garantir os recursos para os municípios fazerem os seus planos diretores. “Fizemos oficinas de capacitação de multiplicadores em mais de 400 municípios em todo o Brasil. Foram formados cerca de 4 mil multiplicadores”, diz a secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, Raquel Rolnik. Para a Campanha, o governo aplicou cerca de R$ 56 milhões em todos os estados do país, garante Raquel.
Os planos diretores foram amplamente discutidos nas conferências estaduais e municipais preparatórias para a segunda Conferência Nacional das Cidades, que aconteceu de 30 de novembro a 3 de dezembro, em Brasília, onde foi debatida a formulação de uma política nacional de desenvolvimento urbano. “O mais importante desse processo não é o plano em si. Esperamos que daí saia um processo permanente de gestão das cidades”, planeja Raquel Rolnik.
Pacto socioterritorial
Uma das principais idéias do plano diretor é possibilitar um pacto socioterritorial que satisfaça a interesses divergentes em relação à cidade que se quer. “A cidade é um espaço de disputa do território. A população, a indústria, o comércio, o mercado imobiliário etc. disputam interesses. São esses conflitos que fazem com que o plano diretor seja uma espécie de pactuação”, explica Barbosa, da CMP. "O plano diretor só será eficaz se houver um consenso entre governo, sociedade civil e empresas", reforça Ângelo Arruda.
De acordo com Orlando Júnior, a polêmica recente sobre a remoção de favelas na cidade do Rio de Janeiro é um exemplo de conflito decorrente da ausência de um processo participativo. “No Rio não está tendo um pacto socioterritorial. A participação coletiva no planejamento urbano é muito restrita. Dificilmente esse modelo atual de gestão da prefeitura vai responder à questão das favelas”, critica.
Se por um lado os planos diretores podem possibilitar a organização de cidades mais justas, democráticas e sustentáveis, não se deve esperar resultados expressivos em termos numéricos na solução dos problemas das cidades, ressalta o coordenador do FNRU. No entanto, ele acredita que pode estar começando uma nova cultura de planejamento participativo dos planos diretores. “Temos, historicamente, uma cultura tecnocrática, autoritária e centralizadora de planejamento urbano. Se tivermos pelo menos algumas experiências como semente de uma nova metodologia de planejamento participativo, vamos cumprir o nosso objetivo”, acredita Orlando Júnior.
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