Autor original: Marcelo Medeiros
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O ano começou com incertezas - ao menos no Oriente Médio. No quarto dia de 2006, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, sofreu seu segundo acidente vascular cerebral (AVC) em menos de um mês. O primeiro havia sido no dia 18 de dezembro. Até agora pouco se sabe se Sharon, um general com importante participação em todos os conflitos que os israelenses já passaram, vai sobreviver. É certo, porém, que ele sairá da vida política, pois carregará seqüelas caso não venha a falecer. Ehud Olmert, vice-premiê, já assumiu o cargo, mas não ficará nele por muito tempo, pois as eleições israelenses estão marcadas para março. E aí as dúvidas ficam ainda maiores.
Em novembro, Sharon, que até então fizera parte do Likud, partido de direita, fundou uma nova agremiação política, o Kadima ("À Frente", em português), alinhado ao centro. Levou com ele políticos tanto de seu antigo partido quanto dos trabalhistas da oposição, rearranjando a estrutura partidária israelense, que não sofria mudanças desde 1948.
O resultado estava registrado nas pesquisas de intenção de voto para as próximas eleições: o Kadima teria o dobro de votos do segundo colocado, o Partido Trabalhista. Isso faria com que Sharon permanecesse no poder e levasse adiante seu plano de paz com os palestinos. Agora, com a saída de cena do general acusado pelos árabes de chacina, a política da região está indefinida.
“Esse é um momento para lideranças fortes, mas em nenhum dos lados do rio Jordão existe uma”, afirma o professor do departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Francisco Carlos Teixeira, que concedeu entrevista à Rets na sexta-feira, dia 6. Para Teixeira, o Oriente Médio vive “um momento primordial” no qual há mais espaço para a ação de grupos radicais de ambos os lados. E, se por um lado o afastamento de Sharon não afeta em nada as instituições israelenses, por outro complica ainda mais a situação dos EUA na região. George W. Bush via no general um homem de confiança e agora não sabe com quem contar para sair do que o historiador chama de “um dos momentos mais difíceis pelo qual os EUA já passaram desde o Vietnã”.
Rets - Ariel Sharon está fora da vida política de Israel. Qual o peso desse fato para a política do país e da região?
Francisco Carlos Teixeira - Esse é um momento primordial para a região. Sharon rompeu a estrutura partidária israelense, em vigor desde 1948, quando o país foi criado, com a criação do Kadima, trazendo políticos de esquerda, centro e também do seu ex-partido, o Likud, de direita.
Mas essa formação política, com três partidos fortes, não foi provada – o que é extremamente preocupante com a morte de Sharon. A nova arquitetura não foi testada e seu principal idealizador agora está fora. Pelas indicações anteriores ao derrame de Sharon, o Kadima estava indo muito bem e venceria as eleições israelenses.
O problema é saber se essa projeção se manterá daqui para frente. Acredito que a possibilidade de isso acontecer seja grande, devido a um voto “emocional” dos israelenses, que têm Sharon como um ícone.
Rets - Como o afastamento de Sharon da política israelense e internacional afeta as relações entre árabes e judeus?
Francisco Carlos Teixeira - Sharon vinha acelerando o processo de paz, tomando inclusive medidas polêmicas e anti-populares a seus conterrâneos. Só um líder forte como ele poderia fazer algo do tipo e por enquanto não há nenhum outro líder para ocupar seu espaço. Há um vazio na política israelense.
Rets - Sharon era o primeiro-ministro de Israel e pesquisas indicavam que ele seria reeleito para o cargo. Com esse acontecimento, há algum risco de haver turbulência política?
Francisco Carlos Teixeira - Estive em Israel recentemente e acompanhei a criação do Kadima. Posso dizer com segurança que o país possui instituições muito sólidas. Há um grande respeito pelo parlamento, que sempre funcionou muito bem, logo acredito que o afastamento ou mesmo a morte de Sharon não coloque em risco as instituições políticas israelenses.
Rets - Sharon já foi a antítese do processo de paz, mas há pouco vinha tomando medidas em prol de acordos com os palestinos. Como fica a negociação de paz agora?
Francisco Carlos Teixeira - O processo está ameaçado. Há uma onda crescente de radicalismo no Iraque, onde o conflito parece não ter fim, e a Autoridade Nacional Palestina (ANP) passa por uma crise de liderança desde a morte de Arafat. O presidente da ANP, Mahmoud Habbas, não tem controle sobre os grupos radicais. A revolta que vemos na Faixa de Gaza se deve a contestações em relação à autoridade de Habas.
Esse é um momento para lideranças fortes, mas em nenhum dos lados do rio Jordão existe uma.
Rets - No ano passado, Yasser Arafat, presidente da ANP e histórico líder dos palestinos, morreu. Agora é Sharon que se despede da política. Essa falta de líderes com história forte nos dois lados pode abrir espaço para grupos radicais?
Francisco Carlos Teixeira - Pode. No momento em que as antigas lideranças desaparecem, aumenta o espaço de grupos radicais. Perdeu-se muito tempo quando as lideranças estavam vivas e ativas, quando podiam fazer algo pelo processo de paz. Arafat ao menos tinha controle moral sobre os grupos radicais, que respeitavam sua história. Agora isso não acontece. Em Israel, ninguém tem autoridade para tomar medidas anti-populares como as tomadas por Sharon, entre elas a retirada de colonos da Faixa de Gaza. Sua ausência cria um vazio no poder.
Rets - Os Estados Unidos viam Sharon como um homem de confiança no Oriente Médio. Como ficam os EUA agora?
Francisco Carlos Teixeira - Paralisados e sem qualquer eficiência política. Desde a invasão do Iraque, os EUA possuem uma política externa reativa, apenas reagindo ao que considera perigoso. O país se encontra em uma situação em que não consegue nem se retirar do Iraque nem controlar o país. É um dos momentos mais difíceis pelos quais os EUA já passaram desde o Vietnã. A política externa vive uma paralisia completa a ponto de os Estados Unidos não serem mais um interlocutor válido para o processo de paz na região. Afinal, de mediador, passou a ator do conflito.
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