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Um ano ruim para os direitos humanos

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Por Mary Robinson*

Em 2005 se manteve a inquietante tendência, visível desde 2001, de deterioração dos direitos humanos em todo o mundo. Enquanto continuam as ameaças do terrorismo, alguns governos justificam violações de direitos tão fundamentais quanto o de não ser torturado e o de liberdade de expressão. Uma avaliação feita pelo Fórum Econômico Mundial indica queda no desempenho dos direitos humanos em 2005, qualificada com uma desalentadora nota de dois pontos em um total de dez.

Apesar da crescente atenção dada este ano à luta contra a extrema pobreza, o direito à saúde continua sendo um sonho para milhões de pessoas, não apenas para aqueles que sofrem de doenças como a aids, como também para aqueles que não têm acesso a água potável, alimentos adequados ou a um sistema sanitário confiável. A saúde não é um tema marginal, é o direito mais elementar. A saúde é a base do direito à segurança e a uma vida digna.

Como explicar a uma mãe africana que tem direito à vida e à liberdade, se sua existência está severamente limitada pelo fato de seus filhos terem 10% de probabilidades de morrer antes de completarem cinco anos, e que sua própria expectativa de vida não passa dos 40 anos de idade? De que serve a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas estabelecer que estas devem ser protegidas e possam "se desenvolver física, moral, espiritual e socialmente de uma maneira saudável e normal"? Que alguém explique isso aos 37 milhões de crianças que não têm acesso a vacinas que poderiam facilmente prevenir suas mortes prematuras.

Chegou a hora de estender uma ponte entre as promessas e as realidades. Minha organização, a Iniciativa para a Globalização Ética, fez recentemente um apelo pelo Direito à Saúde, que já recebeu o apoio de dois ex-presidentes dos Estados Unidos, de um grupo de ex-primeiros ministros, de vários prêmios Nobel, bem como de outras personalidades, como o cantor Bono, da banda U2. Em poucas palavras, afirmamos que a saúde não é apenas um dom da natureza, mas o direito de "alcançar o nível de saúde mais alto possível" que os governos do mundo garantem pela Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Não se trata de um abstrato "direito de estar são", nem de os governos colocarem à disposição serviços sanitários economicamente inacessíveis em relação aos recursos públicos disponíveis. Trata-se de os governos passarem à ação para conseguir melhor uso do dinheiro que os países em desenvolvimento investem em saneamento. Devemos fazer um esforço para promover o acesso a água potável, nutrição e sistemas sanitários adequados, dando uma importância especial às mulheres e às meninas. Devemos apoiar os esforços dos países mais pobres para dar aos seus povos serviços sanitários decentes.

Essa é a principal responsabilidade dos governos desses países, como também é vital que as nações ricas incrementem suas contribuições econômicas e propiciem melhor coordenação das políticas de saúde. Devemos fazer um chamado a todos os governos para que apliquem a Convenção sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ratificada por 151 nações e que completará 30 anos em 2006: este é o momento para que tais acordos sejam concretizados. Sigamos o exemplo da ministra da Saúde Pública do Quênia, Charity Kaluki Ngila, que se comprometeu com a prestação gratuita de serviços sanitários para toda a população.

Comprometer-se com um seguro de saúde universal em um país onde 56% da população vive abaixo da linha da pobreza pode parecer um plano pouco realista. Contudo, Charity fez o que os defensores dos direitos humanos vêm fazendo durante anos: deixar claro que existe um direito, e em seguida reclamar que as sociedades o cumpram.

Isso significa que os governos devem aceitar suas responsabilidades e que as cumpram por meio de recursos adequados e de legislações e políticas efetivas. Significa que os povos reclamem um tratamento igualitário no acesso aos serviços públicos, bem como maior transparência na forma como são distribuídos os fundos estatais.

Significa que cada um de nós se coloque de pé em nome de nossos direitos e dos direitos dos demais.

* Mary Robinson foi presidente da Irlanda e Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Atualmente preside a Iniciativa para a Globalização Ética. Este artigo foi publicado originalmente em www.envolverde.com.br.






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