Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Os programas sociais de combate à fome não são novidades do século XX. A primeira intervenção do governo colonial para garantir a subsistência da população data de 1700: grandes plantações de cana-de-açúcar foram substituídas por culturas de alimentos. O problema, no entanto, nunca foi encarado de frente. Sob o eufemismo de luta contra a desnutrição, a guerra contra a fome levou muito tempo para ser assumida pelo Estado. O programa Fome Zero, carro-chefe do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, não foi o primeiro, mas certamente o mais ambicioso. Levou, portanto, os louros, principalmente no cenário internacional, e as críticas, que o apontam como assistencialista e eleitoreiro.
Márcia Lopes, secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), não se abala com as críticas. E é dura com a mídia: “Se a imprensa tivesse mostrado os resultados do programa para a população com a mesma ênfase com que dizia que era uma maca assistencialista do governo Lula, teríamos uma maior participação da sociedade civil”, dispara. A falta de unanimidade em relação ao Fome Zero ajuda a aumentar a expectativa em relação a seus resultados nestes três anos de ação e, sobretudo, aos planos para a reta final do governo Lula. Ano de eleição.
Os críticos e os entusiastas do programa parecem concordar em dois pontos. O Fome Zero representou um avanço, mas ainda há muito o que ser melhorado. “Muitos pontos precisam ser acertados. Temos de avançar na cobertura, pois não tivemos o impacto que desejávamos na região amazônica, por exemplo. No Nordeste, os resultados também ficaram aquém do esperado. Sobretudo, em relação à alfabetização”, destaca José Graziano, assessor especial da Presidência da República e ex-ministro da Segurança Alimentar e Combate à Fome. Graziano cita ainda a reforma agrária e o microcrédito urbano como pontos também deficitários no programa.
Bolsa Família
O Fome Zero envolve 11 ministérios e tem 31 ações e programas que formam seus quatro eixos articuladores: ampliação do acesso à alimentação, fortalecimento da agricultura familiar, promoção de processos de geração de renda e mobilização e controle social. Apesar de ser identificado, muitas vezes, apenas pela sua principal ação, que é o Bolsa Família, o programa atua em diferentes áreas. “No início, ocorreu uma certa confusão, sobretudo em sua divulgação. Parecia que se jogava muito peso em iniciativas filantrópicas, que são meritórias, mas que nunca vão acabar com a fome no Brasil”, avalia Francisco Menezes, diretor do Ibase e presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Apesar de o programa de transferência de renda ter alcançado maior visibilidade entre a sociedade civil, ele é o responsável por apenas metade do orçamento total do Fome Zero, de acordo com a secretária-executiva do MDS. “O Bolsa Família custou R$ 6,5 bilhões em 2005. O orçamento total do Fome Zero foi de R$ 12,3 bilhões, no ano passado”, afirma Márcia Lopes. Mesmo sob críticas de assistencialista, ela não tem dúvidas em apontar o Bolsa Família como ponto forte do programa. “Estamos criando condições para que as famílias tenham acesso ao mínimo. À alimentação e à água. Existem regiões onde esse dinheiro representa 70% da arrecadação anual do município. O Bolsa Família tem um grande impacto na economia local”, avalia.
O governo Lula determinou a unificação de todos os programas sociais federais de transferência de renda - como o Bolsa Escola, a Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás - num só benefício. Para Márcia Lopes, com esta iniciativa o controle e o combate às fraudes ficaram mais fáceis. “Antes cada programa tinha um cadastro diferente. Às vezes, a mesma pessoa aparecia três vezes no mesmo cadastro. Não era transparente. Hoje, estamos aprimorando o cadastro único para ser uma base de dados para as políticas sociais”, diz.
Quantos são?
O Bolsa Família chega hoje a 8,7 milhões de famílias. E, segundo a secretária, o objetivo em 2006 é atingir todas as famílias que recebam até R$ 100 per capita mensais. Esse valor de corte usado pelo MDS é determinado por uma comissão formada por representantes do próprio ministério, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O número de pessoas em risco alimentar com o qual o governo trabalha – 44 milhões - é diferente do divulgado pelo Mapa do Fim da Fome II, pesquisa realizada pela Fundação GetúlioVargas (FGV) em parceria com a ONG Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida. O levantamento, divulgado em 2004, aponta 56 milhões de famintos no país.
Para o presidente do Consea, as pesquisas que utilizam a renda como parâmetro para medir a pobreza extrema e a fome dão uma indicação potencial sobre o número de pessoas nessa condição. “Mas é preciso que se considere que estas pessoas vão buscar diferentes esquemas para sobreviver. Por isso, não se trata tanto de trabalhar com a idéia de quem está comendo ou não comendo, mas daqueles que vivem sob permanente ameaça de não terem acesso aos alimentos”, analisa. Para ele, mesmo quem dispõe de R$ 80 por mês – parâmetro utilizado pela pesquisa da FGV - não poderá adquirir uma alimentação saudável e equilibrada nutricionalmente.
Desafios e expectativas
Duas críticas constantes ao governo Lula e ao Fome Zero são a suposta priorização do agronegócio em detrimento da agricultura familiar, um dos pilares do programa Fome Zero, e a exclusão de populações indígenas, quilombolas e assentados do programa.
O ex-ministro rebate com números a primeira crítica. “Dois milhões de agricultores familiares estão incluídos no programa”, diz Graziano. Para Márcia Lopes, o governo está no caminho certo. “O Estado adquire alimentos da agricultura familiar e distribui nos próprios municípios, em creches, escolas etc. Quem analisa apenas os números frios do orçamento não tem a dimensão real do que acontece”, critica. Segundo ela, o agronegócio vinha sendo prioridade nos governos anteriores. O que teria mudado na gestão atual. “Só o Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], que tinha um orçamento de R$ 2 bilhões antes do governo Lula, vai para R$ 9 bilhões em 2006. Fora os outros repasses para organizações que trabalham com essa questão”, diz.
Graziano garante que as populações indígenas, os quilombolas e as pessoas vivendo em assentamentos foram os três grupos definidos como prioridade pelo Fome Zero. “Os acampados da reforma agrária recebem cesta básica e têm seu filhos na escola. As comunidades indígenas têm atendimento de saúde prioritário e merenda escolar especial com os produtos que eles produzem”, garante. Já os quilombolas, explica, estão numa situação mais complicada. “Eles não estavam catalogados em nenhum programa social e a maioria não tinha nenhum tipo de documentação. Tivemos de fazer um programa específico para eles", explica, afirmando que a Fundação Palmares já está com um catálogo bastante eficiente.
Márcia Lopes garante que as conquistas até aqui já podem ser vistas na última Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo IBGE. “Os dados mais recentes da Pnad mostram que 3 milhões de pessoas saíram da condição de extrema pobreza e mais 3 milhões saíram da condição de pobreza. Isso aponta uma queda na desigualdade social, o que prova que Lula estava correto ao colocar o Fome Zero como prioridade de seu governo”, afirma, enfatizando que em 2006 todas as famílias que precisam – 11,2 milhões, segundo o governo - receberão o benefício.
Francisco Menezes acha que ainda é cedo para saber se, tal como prometeu o presidente Lula no seu discurso de posse, ao fim do mandato cada brasileiro poderá fazer três refeições diárias. “Teremos que esperar até o final do ano, para fazer essa avaliação. Mas alguns programas que estão em curso, criados por esse governo, ou fortalecidos por ele, já mostram estar trazendo melhorias significativas”, analisa.
A secretária do MDS admite que a falta de integração entre as três esferas de poder – municipal, estadual e federal – atrapalha muito a implementação e o controle das políticas sociais. “Se o Brasil fosse mais maduro politicamente, já teríamos avançado muito mais. Estamos fazendo a nossa parte, mas os municípios e os estados têm que fazer a deles. Estamos trabalhando para criar um sistema de indicadores e monitoramento para termos um domínio dos impactos e resultados destas políticas”.
Uma questão em que todos parecem concordar é em relação à importância de o Estado assumir a responsabilidade do combate à fome. “Assumiu-se abertamente que existe o problema, que é gravíssimo e precisa ser enfrentado”, diz o representante do Ibase. Márcia Lopes complementa: “O Estado assumiu a responsabilidade desta questão crucial para o desenvolvimento do país. Não são mais voluntários lutando sozinhos. É um planejamento baseado na realidade do Brasil. Do tamanho do Brasil. E estamos sendo vitoriosos nisso”, diz.
Apesar da avaliação positiva que o governo faz de seu principal programa, Menezes olha com mais ceticismo o panorama atual. E diz que não dá para relaxar. “Acho que os programas precisam ter uma injeção crescente de recursos, porque nossa dívida social é enorme e por trás dela tem muitos milhões de pessoas”, afirma. E critica a posição das elites brasileiras: “Elas tentam vender a idéia de que não são necessários muitos recursos para as políticas sociais, argumentando que as políticas existentes exercidas com competência serão suficientes. É a história da meia verdade, que é mais mentirosa do que a mentira inteira, pois engana mais facilmente”, critica.
Para Graziano, na reta final do governo Lula, e nos próximos governos, o desafio será criar condições para que as pessoas beneficiadas pelo Fome Zero possam gerar renda suficiente para garantir as suas autonomia e cidadania. “Fizemos primeiro uma ação emergencial e agora estamos empenhados em abrir as portas de saída. E a melhor delas é o emprego”, garante.
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