Você está aqui

Alerta para a América Latina

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






Alerta para América Latina
Imagem da capa do livro

O que a sociedade civil está fazendo para melhorar a situação da educação na América Latina? Qual o lugar da América Latina na Agenda Global de Educação? Quais as alternativas e prioridades de ações na área educacional no continente? Para onde vão as metas estabelecidas em reuniões como Jomtiem (1990) e Dacar (2000)? Questões como estas foram discutidas durante a Reunião Paralela da Sociedade Civil ao Grupo de Alto Nível da Educação para Todos, que aconteceu de 8 a 9 de novembro de 2004, em Brasília (DF). O livro “A educação na América Latina: direito em risco”, lançado em janeiro de 2006, é resultado do que foi abordado no encontro.

O lançamento da versão em espanhol aconteceu no Fórum Mundial de Educação e no Fórum Social das Américas, em Caracas, Venezuela, e teve como objetivo esclarecer o significado político da publicação. A versão em português tem lançamento previsto para março, no Brasil. O livro pode ser obtido através da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, mas a partir de março também estará disponível nas livrarias, graças a uma parceria com a Editora Cortez. Os contatos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação são campanha@acaoeducativa.org e denise@acaoeducativa.org.

No Rio de Janeiro, a expectativa é que a obra possa ser lançada durante o Fórum Mundial de Educação, marcado para o período de 24 a 27 de março, em Nova Iguaçu (RJ). O livro resume o que foi discutido na Reunião Paralela, e entre os temas está o financiamento público da educação, que, segundo Denise Carreira, coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, tem diminuído nos últimos anos: “Na maioria dos países da América Latina, os recursos destinados à educação pública vêm diminuindo ao longo dos últimos anos. Além disso, cada vez mais se enxerga a educação como algo que poderia aliviar a pobreza e não como um direito"

Na publicação, os representantes da sociedade civil reivindicam a retomada dos compromissos assumidos nas reuniões de Jomtiem (1990) e Dacar (2000). Esses encontros fizeram parte do movimento Educação para Todos (EPT), promovido pela Unesco [órgão das Nações Unidas voltado para educação, ciência e cultura], que tem como objetivo universalizar a educação básica e reduzir o analfabetismo no mundo. A Conferência de Jontiem, Tailândia, deu início ao movimento e estabeleceu metas para o ano de 2000, quando foi promovida a Conferência de Dacar, Senegal. A fim de monitorar o que estava sendo feito em cada país, foi estabelecido que anualmente seria realizada uma reunião do Grupo de Alto Nível (GAN) do movimento Educação para Todos.

Em 2004, a 4ª reunião do GAN enfatizou em seu documento final que há "um ritmo de mudança insuficiente" para alcançar duas das metas da reunião de Dacar: garantir um número igual de meninas e meninos na educação primária e secundária em 2005 e universalizar a educação básica em 2015. Além de reunir os representantes da sociedade civil, a Reunião Paralela também possibilitou o diálogo com o Grupo de Alto Nível (GAN) da Unesco. Foi entregue ao grupo um manifesto da sociedade civil com preocupações e propostas com relação à situação educacional no mundo.

Entre as principais propostas do documento estão o resgate do sentido original do movimento Educação para Todos, o aumento dos investimentos em educação pública e a retirada do tema da pauta de negociação dos acordos internacionais e bilaterais de comércio. Além disso, o manifesto “propõe a urgência da revisão dos termos do pagamento da dívida externa e a taxação de capitais internacionais e do comércio de armas como fontes de recurso para a educação e outros investimentos sociais”.

Representantes da sociedade civil defendem que as Metas do Milênio “limitam as metas da educação ao acesso à educação primária obrigatória”. De acordo com o manifesto, as Metas do Milênio “deveriam permitir um tratamento mais contextualizado e menos setorial da educação".

Crítica à Agenda Global de Educação

Segundo Denise Carreira, a atual agenda global de educação, representada pelas Oito Metas do Milênio das Nações Unidas, é um retrocesso em relação ao que se tinha construído nos encontros de Dacar e Jomtiem.

“O que pedimos é a retomada das metas de Dacar e Jomtiem que estão mais sintonizadas com as necessidades da América Latina. Atualmente, a agenda global dá prioridade a países da África e do sul da Ásia e a América Latina vem perdendo espaço. A preocupação atual é com a universalização da educação primária e não garante acesso a outros níveis importantes, como educação infantil e ensino médio, entre outros. Não há uma preocupação com a qualidade. Muito pelo contrário: ela é vista ora como mercadoria, ora como um instrumento de alívio da pobreza”.

Para Salete Camba, do Instituto Paulo Freire, o problema é que a atual Agenda Global de Educação “se pauta pelo mínimo, não pela qualidade”. Assim como Denise Carreira, ela também acha que as Metas do Milênio da ONU retrocedem no que se refere à educação.

De acordo com dados da ONU, o Brasil é o sétimo país do mundo em analfabetismo e 18 milhões de pessoas nunca foram à escola. Para reverter essa situação, Salete Camba entende que existe não só uma necessidade de mais recursos financeiros para a área de educação como também uma melhor administração dos mesmos.

“A porcentagem do PIB [Produto Interno Bruto] nacional destinada à educação deveria ser maior [dados da Unesco revelam que o Brasil destina 4,2% do seu PIB à Educação], mas, ao mesmo tempo, há uma necessidade de um melhor trabalho de gestão dos recursos financeiros tanto por parte dos governos como da sociedade. E, assim como em nível federal, estados e municípios deveriam destinar uma parte maior do orçamento à educação”.

Ela defende a necessidade da construção de políticas de Estado – e não de governo, como é comum  no Brasil. “Nós ainda não temos políticas públicas de Estado, o que prejudica o cidadão, que, independentemente de governos, deveria ter acesso ao seu direito à educação de qualidade”.

O livro aborda também o papel da sociedade civil no que refere a educação. Para Denise Carreira, é fundamental tecer melhores diagnósticos sobre a situação da educação na América Latina, a fim de construir uma agenda de ação mais eficaz.

“É necessário fortalecer a atuação continental, a fim de que tenhamos mais espaço de diálogo junto a agências e órgãos que tomam decisões importantes acerca da educação na América Latina. Atualmente, existem programas sendo desenvolvidos por agências da ONU no continente, mas não há integração entre eles. Para que as ações tenham uma incidência mais eficaz, é fundamental que exista uma articulação continental melhor. Fortalecer essa articulação para construir uma agenda latino-americana para a educação é uma das principais reivindicações da sociedade civil reunida em Brasília em 2004. Daí a importância da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação, composta por 17 redes latino- americanas, bem como pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação do Brasil”.

Segundo Salete Camba, o principal obstáculo a uma maior participação da sociedade civil nas decisões mundiais ligadas à educação é a falta de interesse dos governos e organismos mundiais pelo diálogo. “O diálogo não é prioridade dos governos e organismos mundiais. Mas acrescenta-se a isso a falta de recursos da sociedade civil para participar.”

Ela aponta o papel fundamental que teve a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, nos últimos anos, para fortalecer o diálogo entre governo brasileiro e sociedade civil. “Tivemos vários avanços, como na questão do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica], em que houve um diálogo reivindicado pela sociedade civil. A inclusão das creches no Projeto de Emenda Constitucional do Fundeb foi uma vitória da sociedade civil. Para mim, é esse o papel da sociedade civil: o de mobilização.”

Além da Editora Cortez e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o livro também contou com a parceria da ActionAid Américas.

Joana Moscatelli

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer