Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() Fotomontagem: Luis Felipe Florez/Rits | ![]() |
A aprovação da Lei 11.259 que determina que as buscas por crianças e adolescentes desaparecidos sejam iniciadas imediatamente após o registro da ocorrência está sendo recebida com otimismo por pesquisadores e membros de organizações da sociedade civil. Entretanto, segundo Ariel de Castro Alves, coordenador estadual de São Paulo do Movimento Nacional de Direitos Humanos, é preciso lembrar que nunca existiu nenhuma determinação legal que estabelecesse que as famílias só poderiam registrar o desaparecimento depois de 24 ou 48 horas do ocorrido. “Esperar esse período é um costume policial. Mas é evidente que as buscas precisam começar imediatamente. É uma corrida contra o tempo”, avalia. Para ele, esse tipo de prática evidencia o descaso dos órgãos de segurança pública em relação ao problema, que afeta anualmente cerca de 40 mil famílias.
Ariel de Castro, que também é membro da Fundação Projeto Travessia e da Comissão da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acredita que a nova lei é positiva, pois gera um acréscimo no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e não deixa mais dúvidas em relação à obrigatoriedade da investigação imediata por parte da polícia. “Mas em muitos casos as investigações ficam a cargo da própria família. Não há empenho dos órgãos responsáveis nem é prioridade por parte da política de segurança pública”, critica.
Outro avanço que a nova lei traz é a obrigatoriedade do comunicado do desaparecimento a portos, aeroportos, empresas de transporte e Polícia Rodoviária Federal. “Esse aviso não é feito atualmente. Isso é o mínimo que a polícia pode fazer para evitar o deslocamento dessas crianças e adolescentes”, diz Castro. Com opinião diferente, o coordenador da Rede Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes – subordinada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República -, Alexandre Reis, acredita que nem todos os casos devem ser informados a todas as autoridades. “Isso deve ser feito com critério, através da observação das circunstâncias”, diz. Para ele, uma comunicação em massa de milhares de casos poderia levar a uma dispersão da atenção dos casos que realmente precisam da colaboração desses órgãos para os milhares de casos que se resolvem rápida e espontaneamente.
“Sabemos da falta de estrutura e das dificuldades do poder público, mas acho necessária a notificação dos órgãos competentes em todos os casos”, enfatiza Castro. Ivanise Silva Santos, da associação Mães da Sé, acredita que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “A lei começou não sendo cumprida. Só neste ano já houve dois casos aqui em São Paulo em que as mães foram à delegacia e nada foi feito. Em um dos casos, o desaparecimento já fazia cinco dias, a mãe não tinha conseguido o registro do boletim de ocorrência e a investigadora não sabia da existência da lei”, denuncia, garantido que vai ficar atenta e comunicar a esse tipo de negligência. Ivanise fundou a associação depois que a sua filha de 13 anos desapareceu. Até hoje, 10 anos depois, nenhuma pista verdadeira sobre o caso foi encontrada.
De acordo com pesquisas do Ministério da Justiça, as buscas nas primeiras horas do desaparecimento podem ser determinantes. “São fundamentais para evitar mortes e violência sexual”, diz Ivanise.
Cadastro nacional
A necessidade de um cadastro nacional de crianças e adolescentes desaparecidos parece ser uma unanimidade entre aqueles que lidam diretamente com o problema. A divergência está no funcionamento e na legitimidade desse banco de dados. “O cadastro nacional já existe. O Ministério da Justiça tem 787 casos cadastrados e atualmente 358 ainda estão sem solução”, explica Alexandre Reis. Segundo ele, nem todos os casos entram no cadastro, só aqueles com mais de 30 dias de duração.
Ariel de Castro não concorda com o representante da Rede Nacional e defende a inclusão de todos os casos de desaparecimento no cadastro do Ministério da Justiça. “Os 40 mil casos têm que estar lá no banco de dados. Mesmo entre os casos de maior duração, uma pequena minoria está lá no banco de dados. Precisamos de um cadastro único, que fizesse parte do Sistema Nacional de Segurança Publica, que inclusive era uma promessa do governo”, defende.
Ivanise Santos é mais dura com o governo. “Existe um cadastro de veículos roubados, mas não existe um cadastro nacional de pessoas desaparecidas. Isso é um absurdo! Se houvesse de fato o cadastro, o número de crianças e adolescentes encontrados seria muito maior”, acredita. A Mães da Sé também cadastram fotos de crianças e adolescentes desaparecidos mediante a apresentação do boletim de ocorrência pela família. “Temos 7 mil casos registrados até aqui e mais de 1.500 pessoas encontradas. No começo a idéia era só trabalhar com crianças e adolescentes, mas muitas famílias com adultos desaparecidos começaram a nos procurar e não pudemos dizer não”, explica, enfatizando que apesar da importância do trabalho, a dificuldade de conseguir recursos é muito grande.
Já o representante da OAB defende um banco de dados unificado e muito mais amplo: “Ministério da Justiça, Policia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Infraero, portos, companhias de transporte, polícias estaduais, varas da infância e juventude, hospitais, guardas municipais, ONGs, enfim, toda a rede de segurança pública e as organizações de proteção à infância teriam que estar interligadas. Infelizmente estamos muito longe disso”, lamenta Ariel de Castro. O advogado chama atenção ainda para as conseqüências da falta de infra-estrutura de delegacias e conselhos tutelares e de políticas públicas eficazes. “No ano passado, 8.167 crianças e adolescentes desapareceram no estado de São Paulo. Dessas, entre 10 e 15% ainda não foram encontradas. É um percentual muito elevado”, diz.
Delegacias especializadas e prevenção
O número de delegacias especializadas que cuidam de crianças e adolescentes no país é muito baixo: cerca de 45. A necessidade da implementação de mais unidades é iminente. “O ideal para cuidar desses casos seriam delegacias especializadas, que já existem em vários estados. São Paulo, no entanto, que é onde ocorre o maior número de casos de desaparecimento, ainda não tem”, diz Ivanise.
Para Ariel de Castro, em termos de políticas públicas, a implantação dessas delegacias em todo país é a ação mais urgente. As delegacias especializadas deveriam, além de estar interligadas através do cadastro nacional, ter profissionais treinados e psicólogos para trabalhar na prevenção e na sistematização dos dados, de acordo com ele. “O Distrito Federal já está bem avançado nesse processo. Existem delegacias especiais que têm solucionado 98% dos casos de desaparecimento. Além disso, há um intenso trabalho preventivo com as famílias”, diz, criticando a falta de diálogo entre as delegacias comuns e os conselhos tutelares.
Alexandre Reis usa a pesquisa do projeto Caminho de Volta, da Faculdade de Medicina da USP, para defender a necessidade de dar assistência à família. “O levantamento feito por eles mostra que 46% dos desaparecimentos são reincidentes. É preciso trabalhar a família e para isso o nosso enfoque esse ano é conscientizar os profissionais para que sempre avisem aos conselhos tutelares”, afirma.
“Fizemos uma espécie de pesquisa epidemiológica. Aplicamos questionários em famílias dos mesmos locais mas que não tiveram história de desaparecimento. Coletamos dados interessantes”, explica Cláudia Garcia, coordenadora do eixo psicológico do projeto Caminho de Volta. Uma das descobertas é que a maioria das mães que vão registrar o desaparecimento dos filhos são donas-de-casa. “O que é curioso porque a mãe está muito presente no dia-a-dia da criança e do adolescente”, diz. Outro dado que chama atenção é o número muito maior de ocorrências de desaparecimentos em famílias recompostas, com meio-irmãos, padrastos etc., do que nas famílias nucleares.
O projeto Caminho de Volta foi organizado por uma equipe de docentes e técnicos do Departamento de Medicina Legal da USP. Uma das vertentes é a criação de um banco de dados de DNA de familiares e crianças desaparecidas. “Se uma criança desapareceu há muito tempo ou é encontrada alguma ossada, o DNA é a única comprovação de que aquela era a criança procurada”, explica a psicóloga.
Segundo a coordenadora, ano passado o projeto conseguiu importantes vitórias, como a autorização para a coleta de material biológico de crianças em abrigos públicos. Os juízes das varas de infância serão os responsáveis pela seleção das crianças. “Vamos coletar daquelas que têm filiação duvidosa ou desconhecida, o que representa 30% do total de crianças e adolescentes abrigados”, explica. Outro avanço foi a inclusão do material genético de cadáveres que chegam ao Instituto Médico Legal. Depois, será feito o cruzamento do material das famílias e dessas crianças.
Existe também um psicólogo de plantão dentro da delegacia especializada em pessoas desaparecidas pronto para dar assistência às famílias. “Depois dessa entrevista inicial, marcamos mais três entrevistas posteriores para conversarmos com a família em momentos diferentes. Pedimos para que eles tragam a criança caso ela apareça para conversarmos e ouvirmos a versão da criança. É um momento importante para sabermos se ela tem algum distúrbio psicológico ou se passou por alguma situação de violência na rua”, explica.
Cláudia esclarece que a intenção não é fazer terapia dentro da delegacia. Mas dar suporte psicológico a essas famílias. Depois das entrevistas, as famílias são encaminhadas para a rede de atendimento mais perto de onde moram. “Que pode não ser só psicológico, mas algum serviço que ajude essas pessoas de alguma forma. Pode ser uma atividade que ocupe a criança ou ajude a curar o alcoolismo do pai, por exemplo”.
A coordenadora ressalta a importância desse trabalho, pois quase 90% dos casos são de fugas, e é necessário prevenir para que não aconteçam de novo. Segundo ela, as fugas geralmente são causadas por violência doméstica, maus-tratos ou conflitos de outra ordem. Segundo Ariel de Castro, na maioria das vezes, esse quadro continua a se repetir depois que a criança volta para a casa, pois os policiais não costumam informar os casos de violência aos conselhos tutelares.
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