Autor original: Luísa Gockel
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Um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) de Pernambuco, José Bernardo Luna, foi preso no dia 2 de fevereiro, acusado de incitar o crime, invadir propriedade e danificar patrimônio particular da Usina Estreliana, na cidade de Gameleira (PE), durante uma manifestação. Outras quatro lideranças do estado também tiveram a prisão preventiva decretada, entre elas Jaime Amorim.
Em entrevista exclusiva à Rets, Amorim, principal cabeça do movimento na região Nordeste, afirma que a decisão do juiz Antônio Carlos dos Santos teve motivação política. “Como se não bastasse a violência da polícia, o poder judiciário vem agindo de forma parcial a favor do latifúndio, que é o maior inimigo do desenvolvimento econômico e social do Brasil”, critica o líder sem-terra.
Para Amorim, a usina tem sua história marcada pela utilização da violência e, segundo afirma, mantém uma prática de escravização do trabalhador e desrespeito à legislação trabalhista. "A violência é constante contra os sem-terra”, denuncia, referindo-se à decisão da Justiça Federal que autoriza a imissão de posse das terras da usina, posteriormente cancelada por um juiz de Recife (PE). Procurada pela reportagem da Rets, a direção da Usina Estreliana não mostrou interesse em responder às acusações. Seu advogado, Arnaldo Maranhão Filho, por sua vez, disse que “os sem-terra precisam saber que o Muro de Berlim já caiu”. Mas afirmou que não poderia falar pela usina.
Para pressionar as autoridades, organizações de direitos humanos elaboraram um manifesto contra as ordens de prisão e denunciaram a criminalização de integrantes do movimento em Pernambuco. No dia 8 de fevereiro, a juíza Dulceana Maciel revogou o pedido de prisão dos líderes do MST.
Rets - O que aconteceu exatamente nas terras ocupadas? Houve algum tipo de violência?
Jaime Amorim - A Usina Estreliana tem a história marcada pela violência contra seus trabalhadores e mantém uma prática de escravização do trabalhador e desrespeito à legislação trabalhista. Tentam permanentemente intimidar as famílias dos trabalhadores acampados, mesmo nas terras classificadas como improdutivas pelo Incra. A violência é constante contra os sem-terra. Principalmente após a imissão de posse concedida pelo Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e posteriormente suspensa pelo poder judiciário, militantes e dirigentes do MST têm sofrido freqüentemente atentados e ameaças contra a vida.
O poder dos usineiros no Nordeste não permite que alguém ouse desacatá-los. Mesmo assim, depois de mais de quatro anos acampadas, as famílias continuam resistindo e aguardando a decisão judicial do Supremo Tribunal de Justiça sobre a desapropriação definitiva das terras e o assentamento das 150 famílias. Bem como aguardando com ansiedade a liberdade do companheiro que está preso [José Bernardo Luna] e de nós que estamos com prisão decretada [no dia 8 de fevereiro, a juíza Dulceana Maciel acatou o parecer do Ministério Público de Pernambuco e revogou o decreto de prisão preventiva das cinco lideranças].
Rets - Como está a situação legal hoje das cinco lideranças que tiveram a prisão preventiva decretada? José Bernardo Luna está preso ainda?
Jaime Amorim - Ontem [dia 8 de fevereiro], foi realizada uma audiência pública no Ministério Público de Pernambuco com a presença de várias organizações de direitos humanos e parlamentares, que foi coordenada pelo procurador-geral Francisco Sales e teve a participação de promotores do Ministério Público. Na ocasião, o promotor Valdir Mendonça apresentou seu parecer, em que considera absurda e estranha a atitude do juiz e do promotor que decretaram as prisões. Ele disse que as decisões foram extremamente subjetivas, ou seja, eles foram mal-intencionados.
O procurador-geral e o promotor Westey Conde aproveitaram a presença da imprensa no evento pra pedir que parassem de criminalizar o MST, o que causou mal-estar entre os jornalistas. Hoje, centenas de famílias estão reunidas em Gameleira pra comemorar a liberdade dos companheiros, que vão estar todos no ato, e ao mesmo tempo anunciar para a Usina Estreliana que as prisões não vão conter o objetivo dos trabalhadores de desapropriar todas as terras da usina.
Rets - Os promotores apontaram várias falhas jurídicas no processo. Você acha que isso pode indicar que houve motivação política por parte da Justiça?
Jaime Amorim - Toda a motivação e interesses envolvidos neste caso foram políticos. Há uma decisão dos usineiros de impedir a desapropriação das terras da usina e intimidar a organização do MST na região. Infelizmente, mais uma vez, o comportamento do delegado, do promotor público e do juiz seguiu a tradição de submissão aos interesses dos poderosos donos de usinas. Esta cultura colonialista de submissão do poder político e do poder judiciário se manifesta todas as vezes que os trabalhadores passam a se organizar e lutar pelos seus direitos. Para os usineiros, trabalhadores são considerados escravos, e escravos não têm direitos, muito menos direito a se organizar e questionar os poderes constituídos.
Rets - O Incra obteve na Justiça Federal decisão autorizando a imissão de posse da área da usina, mas ela foi cancelada por uma liminar concedida pelo juiz da 7ª Vara Federal de Recife. O senhor acha que há uma resistência do Judiciário em reconhecer a legitimidade e a importância desse tipo de decisão?
Jaime Amorim - O poder judiciário tem se transformado em um dos maiores inimigos da reforma agrária, o maior empecilho do Incra para a desapropriação de imóveis improdutivos. Da mesma forma que ocorreu aqui, está acontecendo em quase todos os estados do Brasil. O poder judiciário, a Justiça comum e a Justiça Federal têm se constituído em um grande aliado dos latifundiários. Primeiro a Justiça comum concede liminares de reintegração de posse em todas as áreas ocupadas, sem levar em consideração o cumprimento da função social da terra, nem a improdutividade.
A cada ocupação, há a reintegração de posse imediata, quase que automática, a favor dos usineiros. Conseqüentemente, há violência policial contra as famílias de sem-terra. E durante todo o processo de desapropriação, mesmo a terra sendo classificada como improdutiva pelo Incra, a Justiça Federal suspende o processo e acata normalmente todos os recursos impetrados pelos donos de terras. Se não bastasse a violência do latifúndio e a violência da polícia, temos o poder judiciário que de forma parcial tem agido a favor do latifúndio, que é o maior inimigo do desenvolvimento econômico e social do Brasil.
Rets - O manifesto das organizações de direitos humanos denuncia a criminalização do MST por parte da Justiça. Essa criminalização do movimento é comum em Pernambuco?
Jaime Amorim - A burguesia trabalha freqüentemente com a idéia da criminalizaçao da luta pela terra. E conta para isso, normalmente, com a grande imprensa, que tem trabalhado com a divulgação de uma imagem violenta do MST. Através da vinculação da luta pela terra à violência e à bandidagem, tenta confundir a opinião da sociedade em relação à questão da reforma agrária e do MST. Além disso, há a tentativa histórica de nos empurrar para a ilegalidade. Principalmente através de leis, como a Medida Provisória que impede a desapropriação das terras ocupadas, que impedem a livre organização e reivindicação dos trabalhadores sem-terra.
O processo brutal de tentativa de criminalização do movimento e a tentativa de nos empurrar para a ilegalidade têm como objetivo principal a desmobilização da luta pela reforma agrária e o isolamento do MST da sociedade e de organizações e entidades aliadas ao movimento.
Rets - Você acha que podemos dizer que é uma tendência em todo o Brasil?
Jaime Amorim - É uma tendência em todo o território nacional que vem sendo orquestrada desde o início do governo de Fernando Henrique Cardoso e se aprofundou durante o seu último mandato.
Rets - Algum representante do governo federal ou do Legislativo se manifestou em relação a esse documento enviado pelas entidades ligadas a movimentos de direitos humanos?
Jaime Amorim - Inicialmente, o governo federal é um dos prejudicados neste processo porque a atitude do poder judiciário tem se constituído um detonador de violência contra os sem-terra. Tem legitimado muitas das ações de latifundiários, além de aumentar os protestos e o descontentamento dos trabalhadores. Neste sentido, a Ouvidoria Agrária tem se demonstrado atenta ao processo e estamos aguardando em breve a vinda a Pernambuco do ouvidor agrário nacional [Gercino José da Silva Filho] e do ministro de Direitos Humanos [Paulo de Tarso Vannuchi, secretário-especial de Direitos Humanos].
Rets - Acusações como "incitar o crime" e "invadir propriedade" vêm sendo utilizadas freqüentemente pela Justiça, pela mídia e por proprietários de terra como referência a ações do MST. Você acha que existe uma certa intolerância em relação às ações do MST por parte da sociedade que legitima, de certa forma, atitudes como a do juiz que decretou a prisão das lideranças do MST?
Jaime Amorim - O poder do latifúndio vem de cinco séculos. Está enraizado nas elites e atravessa todas as classes, que, por falta de conhecimento, não vislumbram um país sem latifúndio nem sem miséria. A intolerância ao movimento é fruto de um conjunto de ações que as elites têm tomado para tornar o latifúndio e todo o seu aparato intocável. Fruto daqueles que não abrem mão dos seus poderes históricos e continuam produzindo e reproduzindo uma sociedade de explorados, excluídos e miseráveis. Intolerante e intransigente é todo o poder que impede que os trabalhadores possam ser considerados cidadãos brasileiros.
Rets - Você acha que o método de reivindicação e pressão usado pelo MST é o melhor caminho para alcançar a reforma agrária?
Jaime Amorim - Infelizmente, não temos outro caminho. Ou continuamos lutando e acreditando na nossa força ou seremos mais um vez derrotados e tratados pela burguesia como sempre trataram aqueles que ousaram se rebelar contra o poder constituído. Como fizeram com Zumbi dos Palmares, Tiradentes, Sepé Tiaraju [cacique guarani que liderou a revolta de seu povo contra o exército colonial, no século XVIII], Antônio Conselheiro, com as Ligas Camponesas e todos que ousaram lutar. Sucumbiram.
A única ferramenta que temos é a nossa organização e a nossa decisão de continuar lutando. Melhor morrer lutando do que morrer de fome. Mais de 60 milhões de brasileiros passam fome no Brasil e não têm perspectiva para as gerações futuras.
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