Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
![]() | ![]() |
Para a Anistia Internacional, por exemplo, a decisão da Justiça paulista é “uma afronta aos familiares dos mortos”. E a Comissão de Direitos Humanos da Câmara divulgou nota afirmando que “nenhuma razão técnica sobre a forma do júri justifica tamanha impunidade”.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) já havia feito recomendações sobre esse e outros casos. Como o do ativista Gilson Nogueira, assassinado em 1996, na cidade de Macaíba, no Rio Grande do Norte. A morte de Nogueira foi a segunda a ser julgada pela Corte e a primeira envolvendo um defensor de direitos humanos. O ativista era advogado do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular do Rio Grande do Norte e já havia denunciado a ação no estado de um grupo de extermínio formado por policiais civis. O caso chegou à OEA devido á negligência na investigação sobre os assassinos.
Os dois episódios – de Gilson Nogueira e Ubiratan Guimarães – são comentados nesta entrevista por Carlos Gaio, diretor-adjunto da organização não-governamental Justiça Global, que acompanhou o julgamento de ambos na Corte Interamericana.
Para Gaio, embora pareça não haver vontade de fazer Justiça, o movimento de direitos humanos dá uma demonstração de força, usando mecanismos previstos nos tratados internacionais para denunciar os casos de violações.
Rets - Como a Justiça Global vê a anulação da condenação do coronel Ubiratan?
Carlos Gaio - Vemos com muita preocupação, porque passa uma mensagem muito forte de impunidade. Permite que alguém que cometeu crimes horríveis continue em liberdade. Essa decisão indica que não há vontade de fazer justiça.
Rets - Essa decisão pode influenciar o julgamento dos outros 120 policiais que serão julgados por causa do mesmo episódio?
Carlos Gaio - Com certeza, pois se o comandante da operação foi absolvido, os outros também poderão ser. A Justiça seria contraditória se absolvesse o comandante e condenasse os outros. Provavelmente ele e os outros continuarão impunes.
Rets - Já há alguma movimentação para levar mais esse caso à OEA?
Carlos Gaio - Essa é uma questão que ainda será discutida. Com essa decisão, este julgamento anula o anterior, por isso deverá haver um novo julgamento. Vamos estudar se vale a pena acionar a OEA agora ou colocar uma última esperança no novo julgamento. Embora seja muito difícil acreditar que, depois de uma decisão com a de ontem [15 de fevereiro], ainda se possa fazer justiça.
Rets - O coronel Ubiratan não será mais condenado e atualmente é deputado estadual em São Paulo. A população e a Justiça brasileiras ignoram o respeito aos direitos humanos?
Carlos Gaio - Essa é uma afirmação muito geral para se fazer e confirmar. O fato é que existem muitas pessoas que aceitam a concepção de que os que estão presos devem ser mortos, eliminados da sociedade. Essa visão leva muitas pessoas a acabarem aceitando e apoiando massacres como do Carandiru.
Rets - Em relação ao caso Gilson Nogueira, como o caso chegou à OEA? Qual foi o resultado do julgamento ocorrido semana passada?
Carlos Gaio - Após a morte de Gilson Nogueira, em 1996, o caso foi investigado e o inquérito foi arquivado. Com base nesse inquérito, o movimento brasileiro de direitos humanos assinou e enviou uma petição sobre o caso em 1997 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mencionando a violação de direitos humanos pelo Brasil. A Comissão enviou um relatório de mérito ao Brasil, dizendo que o país havia violado direitos garantidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos – por não ter protegido a vida de Gilson e não ter investigado de maneira séria seu assassinato – e fazendo recomendações. Não cumpridas as recomendações, o caso passou para o julgamento na OEA.
Rets - Se o governo é responsabilizado, qual o procedimento normal? Acatar a decisão e reconhecer o erro?
Carlos Gaio - O procedimento vai depender das medidas que a Corte ordenar, que podem ser, por exemplo: o reconhecimento público da condenação, exigir que o Brasil investigue e tente fazer justiça no caso e compensar a família pela perda. Nós temos até 10 de março para apresentar as alegações finais.
Rets - O que representa para o país ter um caso como esse levado à OEA?
Carlos Gaio - Mostra que o movimento de direitos humanos brasileiro vem crescendo e usando mecanismos contidos em tratados internacionais para denunciar os casos de violações de direitos humanos no país e pedir justiça quando esses casos não são apurados de forma séria e completa.
Rets - Os EUA não fazem parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA. Qual o atual peso dessa Corte?
Carlos Gaio - É um dos três principais tribunais internacionais permanentes de direitos humanos existentes no mundo. Os outros são a Corte Européia de Direitos Humanos e a Corte Internacional de Justiça. A Corte Interamericana tem feito um trabalho exemplar na América, promovendo a justiça em vários Estados, para que eles passem a respeitar os direitos humanos de forma integral.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer