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Solidariedade a uma população em luta

Autor original: Mariana Loiola

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Solidariedade a uma população em luta
Divulgação

Na mesma semana em que René Préval foi declarado o vencedor das eleições presidenciais haitianas, após intensas negociações, e em meio a denúncias de fraude e o temor de uma explosão de violência, diversas entidades e movimentos sociais lançaram uma Campanha de Solidariedade ao Haiti. Junto com a campanha, os integrantes da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Haiti divulgaram, no dia 14 de fevereiro, um relatório sobre a situação no país.

O Haiti enfrenta uma grave crise econômica, social e política, com a forte presença militar estrangeira em seu território e com a massiva pauperização da população. Menos de 40% do povo haitiano tem acesso a água potável. O analfabetismo alcança 45% da população; menos de uma pessoa, dentre 50, possui um emprego fixo; e a esperança de vida caiu de 52,6 anos em 2002 para 49,1 anos em 2003.

Em entrevista à Rets, Sandra Quintela, integrante da Missão Internacional de Investigação e Solidariedade ao Haiti, dirigente do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) e da Rede Jubileu Sul, entidade que trabalha pela anulação das dívidas externas dos países em desenvolvimento, comenta a intervenção militar e econômica no país mais pobre das Américas. Ela ressalta que o Haiti está situado entre Cuba e Venezuela, o chamado "eixo do mal", segundo os Estados Unidos. "O interesse é geopolítico e econômico", diz.

No relatório sobre a situação do Haiti, destaca Sandra, as organizações apontam uma forte vinculação entre a ocupação militar e ocupação econômica, no sentido de aprofundar um processo de neoescravidão.

A Campanha de Solidariedade ao Haiti tem como pontos de reivindicação principais a retirada das tropas estrangeiras do país, defendendo a anulação da dívida externa, e a não renovação do mandato da Missão de Estabilização do Haiti (Minustha) – que acabou sendo renovada no dia 15 de fevereiro, na reunião do Conselho de Segurança da ONU.

Diante da grave crise, Sandra exalta ainda a luta da população haitiana por sua soberania: "é um povo que não se cansa de lutar".

Rets - A não renovação do mandato da Missão de Estabilização do Haiti (Minustha) era um dos pontos de reivindicação da Campanha de Solidariedade ao Haiti. No entanto o mandato foi renovado no dia 15 de fevereiro, na reunião do Conselho de Segurança da ONU. O que representa a renovação desse mandato?

Sandra Quintela - Em ano eleitoral em muitos países que têm tropas no Haiti, e com o fracasso em relação aos objetivos iniciais da Missão, obviamente não havia interesse em que o mandato não fosse renovado. Sua renovação significa a continuação da intervenção militar e econômica no país mais pobre das Américas.

Rets - Outro dos principais pontos de reivindicação da campanha é a retirada das tropas estrangeiras do Haiti. Como a retirada das tropas poderia melhorar a situação do país?

Sandra Quintela - A campanha tem duas grandes reivindicações: a retirada das tropas e o cancelamento incondicional da dívida haitiana. Desde 1915, o Haiti sofre intervenções militares, além de ditaduras sangrentas apoiadas por grandes potências econômicas e militares. Como bem ouvimos de uma garota de 14 anos, durante uma das visitas feitas a uma escola de segundo grau em Porto Príncipe: se o problema do Haiti fosse militar, já estaria resolvido desde 1915. O problema do Haiti não é militar. O problema é político, social e econômico.

Rets - Qual o real interesse dos EUA no Haiti? E o que eles alegam?

Sandra Quintela - Eles não alegam nada. Eles fazem. Sua embaixada em Porto Príncipe tem mais de mil funcionários. Na semana antes das eleições, desembarcaram 800 militares ao sul da República Dominicana, na fronteira com o Haiti. Acompanham de perto a instalação da Zona Franca, com a presença de grandes empresas estadunidenses como a Levi Strauss. O interesse é geopolítico e econômico. Não devemos esquecer que o Haiti está situado entre Cuba e Venezuela, o chamado “eixo do mal”, segundo os EUA.

Rets - A Minustha poderia estar envolvida na fraude maciça denunciada pelo candidato eleito, René Preval?

Sandra Quintela - Desconheço o fato. O que vi foram os soldados atirando balas de borracha contra a população que estava nas ruas para que fosse reconhecido seu voto. Ou seja, atirando na população que estava lutando por algo que é o símbolo máximo da democracia representativa: o voto.

Rets - Quais são as chances de que a dívida externa do Haiti possa ser de fato anulada?

Sandra Quintela - As chances são proporcionais às ações que possamos realizar no sentido de sua anulação, além, é claro, da capacidade de mobilizações do povo haitiano em estar nas ruas para lutar por essa bandeira. Da nossa parte, vamos pressionar nossos governos e os organismos financeiros internacionais neste sentido.

Rets - Você poderia destacar alguns dos principais pontos do relatório sobre a atual situação do país?

Sandra Quintela - As recomendações ocupam algumas páginas de nosso relatório. Há recomendações em vários campos e de várias naturezas. Outro destaque que é muito forte no relatório é mostrar a vinculação que há entre a ocupação militar e ocupação econômica que está acontecendo no país, no sentido de aprofundar um processo de neoescravidão.

Rets - Qual é a percepção do povo haitiano sobre a situação em que se encontram?

Sandra Quintela - O que nós encontramos no Haiti foi um povo que conhece sua história e que está envolvido em uma luta interminável pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, é um povo que não se cansa de lutar. Não vamos esquecer que foi o primeiro e único povo no mundo que conquistou sua independência por uma rebelião feita pelos escravos. Enquanto no Brasil, em 1822, o próprio príncipe regente proclamava a independência, no Haiti, em 1804, a independência havia sido proclamada pelos ex-escravos. É um povo que luta permanentemente e com muita dignidade por sua soberania.

Rets - Quais serão as ações da Campanha de Solidariedade ao Haiti daqui para frente?

Sandra Quintela - Vamos continuar pressionando governos, organizações financeiras internacionais e a própria ONU para que os dois objetivos da campanha seja alcançados. Mas, principalmente, vamos continuar falando do Haiti, não deixando que o Haiti seja esquecido. Temos uma dívida histórica com o Haiti e temos que saná-la. Viva o Haiti! Viva os povos em luta no mundo inteiro!

Mariana Loiola

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