Você está aqui

A reforma do mal

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original:

Selene Peres Peres Nunes*

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 157, de 04/09/2003, de autoria do Deputado Luis Carlos Santos (PFL-SP), com co-autoria de outros 172 deputados de diferentes partidos, prevê a convocação de Assembléia de Revisão Constitucional, a partir de 1º de janeiro de 2007, com duração de 12 meses.

O objetivo, segundo o autor, seria "corrigir rumos, adequar instituições, eliminar artificialidades e pormenores, revitalizando o primado do Estado de Direito e a governabilidade do país". Em outros termos, retirar da Constituição de 1988 o que seria melhor regulado por legislação infraconstitucional. No entanto, em que pese a inconveniência do detalhismo, é forçoso reconhecer o papel proeminente da Constituição de 1988 na garantia dos direitos dos cidadãos, ao qual talvez o autor se refira como "inconvenientes, sobretudo nos Capítulos e Seções formulados com a finalidade de impor diretrizes programáticas à promoção do bem-estar social".

Os direitos que podem estar ameaçados

Na proposta original, não seriam objeto de deliberação apenas as propostas tendentes a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais. O Substitutivo do Deputado Michel Temer (PMDB-SP) incluiu nessa lista o Capítulo II do Título II (Dos Direitos Sociais) e o Substitutivo do Deputado Roberto Magalhães (PFL-PE) incluiu, ainda, os direitos sociais e os mecanismos de participação social previstos no art. 14, incisos I a III e art. 61, § 2o da Constituição.

Ressalte-se, porém, que essa proibição não impede a modificação nesses temas, pois não se confunde "abolir" com "modificar", como deixou claro o parecer do Deputado Michel Temer. Além disso, as garantias sociais estão presentes em toda a Carta - como nos trechos relativos à seguridade social e à função social da propriedade - e não apenas nos capítulos e dispositivos destacados pelos Substitutivos.

Coincidentemente, têm sido divulgadas, em artigos e matérias na mídia, várias sugestões de medidas que tenderiam a reduzir direitos sociais e cuja adoção é considerada pelos autores imprescindível ao equilíbrio das contas públicas e à governabilidade. Aqui e ali, em diferentes partidos, com diferentes matizes ideológicos, prosperam teses que, reunidas, poderiam denominar-se "A Reforma do Mal". Dentre elas, incluem-se, por exemplo, as que buscariam a geração de déficit nominal zero através de maiores superávits primários:

- nova Reforma da Previdência, desta vez atingindo direitos das mulheres, com equiparação com homens, para fins de contagem de tempo;

- desvinculação constitucional da saúde e da educação, extinguindo-se ou reduzindo-se os limites mínimos previstos;

- desvinculação do salário mínimo, para fins de reajuste de aposentadorias, pensões e benefícios da assistência social, tais como o benefício de prestação continuada previsto na LOAS;

- revogação do conceito de seguridade social, para permitir desvinculações orçamentárias permanentes;

- revisão do papel atribuído ao planejamento no processo orçamentário; dentre outras.

Por auxiliarem o equacionamento fiscal de estados e municípios, várias das propostas acima são consideradas importantes também para obter o apoio de governadores e prefeitos, viabilizando a aprovação da PEC. Alguma alteração/redistribuição tributária e/ou de competências na receita e/ou na despesa também seria útil nesse sentido.

Para gerar um clima favorável no meio empresarial, poder-se-iam incluir também:

- alguma redução/redistribuição de carga tributária, aliada a restrições para instituir novas contribuições (alteração do princípio da anterioridade);

- nova “flexibilização” das relações de trabalho, atingindo direitos dos trabalhadores. Possivelmente, para obter apoios de parlamentares, seria necessário alterar as relações entre os Poderes Executivo e Legislativo em alguns temas que têm originado atritos, tais como:

- novas restrições à edição de Medidas Provisórias;

- alguma regra de “impositividade” do orçamento;

- regras relacionadas à Reforma Política, principalmente aumento da duração de mandatos e, eventualmente, parlamentarismo.

Falta de legitimidade

Há posições contrárias à Reforma Constitucional manifestadas por parlamentares, juristas e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com base no princípio da anterioridade. Por esse princípio, o qual também tem sustentado as ADINs movidas pela OAB e pela CONAMP contra o fim da verticalização na Reforma Política, os deputados e senadores eleitos já nas eleições deste ano para a próxima legislatura não teriam a legitimidade necessária para aprovar a Reforma Constitucional, pois esse poder deveria ter-lhes sido conferido um ano antes das eleições.

Na tentativa de contornar esse tipo de crítica, o Substitutivo do Deputado Michel Temer incluiu a realização de um referendo, a ser realizado no primeiro domingo de junho de 2007. Na opinião manifestada pelo Ministro Nelson Jobim, com a exigência do referendo, até o sistema político ancorado no presidencialismo poderia ser revertido para o parlamentarismo.

A questão é polêmica. Os professores de Direito José Geraldo de Sousa Junior, da UnB, e Fábio Konder Comparato, da USP, alegam que a PEC é inconstitucional. Para Comparato, o Congresso não pode se atribuir mais poderes do que aqueles que a Constituição lhe deu, nem o referendo popular poderia convalidar a proposta de revisão constitucional, a qual precisaria ser aprovada pelo povo. Fazer a revisão seria usurpar a distribuição de poderes que foi estabelecida na Constituição, a qual estabelece um processo para reformas, que é o de emendas. Em coadunância com Comparato, para José Geraldo, ignorar a soberania popular pode ser um golpe.

A polêmica estende-se aos parlamentares. Tramita, apensada posteriormente, a PEC 447, de 2005, de autoria do Deputado Alberto Goldman (PSDB/SP), com co-autoria de outros 177 deputados de diferentes partidos, que trata de matéria análoga, porém propondo uma "Revisão Exclusiva", eleita especificamente para esse fim, em número de representantes revisores correspondente a um quarto da Câmara dos Deputados. Nesse caso, os representantes revisores seriam eleitos proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, garantido-se, no mínimo, um representante por Estado, para um mandato de dois anos, vedada a eleição para o Congresso Nacional no pleito de 2010. Essas disposições, no entanto, não foram acatadas pelo Substitutivo do Deputado Roberto Magalhães.

Há, ainda, outra questão polêmica: a do quorum necessário para aprovar a revisão. Na proposta original, a revisão seria promulgada após a aprovação unicameral em dois turnos de discussão e votação, pela maioria absoluta dos membros da Assembléia de Revisão Constitucional, constituída pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O Substitutivo do Deputado Michel Temer, além da realização de reformas constitucionais a cada dez anos, previu a redução do limite mínimo de quorum para aprovação - de três quintos do total dos parlamentares para maioria absoluta (metade mais um). Já o Substitutivo do Deputado Roberto Magalhães fez nova alteração exigindo maioria absoluta de cada Casa, em votações separadas, e dois turnos de discussão e de votação; apenas a discussão seria em sessão unicameral. O Substitutivo do Deputado Roberto Magalhães também retirou a autorização para revisões a cada dez anos, transferindo tal deliberação, se for o caso, para a própria Assembléia de Revisão.

Informações sobre a tramitação

- A PEC foi apresentada, em 04/09/2003, pelo Deputado Luis Carlos Santos (PFLSP). Sua admissibilidade foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania - CCJ, em 10/08/2005, com base em substitutivo e parecer elaborado pelo Deputado Michel Temer (PMDB-SP). Foi constituída uma Comissão Especial para analisar o mérito, sob a presidência do Deputado Michel Temer (PMDB-SP), sendo relator o Deputado Roberto Magalhães (PFL-PE). O relatório foi apresentado e o prazo para emendas na Comissão está encerrado.

- Já foram ouvidos em audiências públicas o Ministro Nelson Jobim, Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o qual manifestou-se favoravelmente à proposta, e os juristas Fábio Konder Comparato, presidente da Comissão de Defesa da Democracia e da República, e José Geraldo de Sousa Junior, da UnB, que se manifestaram contrariamente à proposta. Estão previstas, ainda, audiências públicas com o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rodrigo Collaço, e com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato.

- A discussão e votação do relatório de Roberto Magalhães estava preliminarmente agendada para o dia 8 de março, às 14h30, mas, em 21/2/2006, foi solicitada vista conjunta pelos Deputados Alceu Collares, Antonio Carlos Biscaia, Inaldo Leitão, João Alfredo, Luiz Eduardo Greenhalgh, Odair Cunha, Ricardo Barros, Vicente Arruda e Vilmar Rocha.

- A comissão especial tem o prazo de 40 sessões do Plenário para proferir parecer. Depois, a PEC deverá ser votada pelo Plenário em dois turnos, com intervalo de cinco sessões entre uma e outra votação. Para ser aprovada, precisa de pelo menos 308 votos (3/5 dos deputados) em cada uma das votações. Depois de aprovada na Câmara, a PEC segue para o Senado, onde é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e depois pelo Plenário, onde precisa ser votada novamente em dois turnos. Se o Senado aprovar o texto como o recebeu da Câmara, a emenda é promulgada pelo Congresso. Se o texto for alterado, volta para a Câmara, para ser votado novamente. A proposta vai de uma Casa para outra até que o mesmo texto seja aprovado pelas duas Casas.

* Selene Peres Peres Nunes é assessora de Política Fiscal e Orçamentária do Inesc.


Quem preferir pode fazer o download da íntegra da nota na área de Downloads desta página.





A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer