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Secos e vulneráveis

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Secos e vulneráveis
Kushal Gangopadhyay, India

Declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, 2006 tem uma extensa agenda de eventos locais, nacionais e internacionais para atrair a atenção do mundo para o problema: lançamentos de publicações, um festival de cinema em Roma, conferências, cursos etc. A intenção da ONU é sensibilizar a comunidade internacional para o avanço dos desertos, a ameaça que a desertificação representa para a humanidade, as maneiras de conservar a biodiversidade e proteger os conhecimentos e as tradições dos povos que vivem em regiões áridas. Para alcançar os principais objetivos do Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, foi formado um comitê interagencial, composto pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e o Fundo Internacional para Desenvolvimento Agrícola.

A primeira vez que a ONU alertou para a aceleração da formação de desertos foi em 1994, quando criou a Convenção da ONU para o Combate à Desertificação (UNCCD). No entanto, mesmo com o novo órgão, pouca atenção foi dada à questão, o que fez a 58ª sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 2004, decidir dedicar um ano especialmente à questão. A ONU considera que as secas e a desertificação contribuem para a insegurança alimentar, fome, pobreza e podem ser fontes de tensões sociais, econômicas e políticas.

"A desertificação é uma das formas mais alarmantes de degradação do ambiente. Ameaça a saúde e os meios de subsistência de mais de um bilhão de pessoas. E estima-se que, todos os anos, a desertificação e a seca causem uma perda da produção agrícola da ordem dos U$ 42 bilhões", diz a mensagem do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, por ocasião do Dia Mundial de Combate à Desertificação, celebrado em 17 de junho.

O continente africano é o mais afetado pela desertificação, que ameaça 41% do território mundial. No Brasil, o fenômeno é verificado em cerca de 1.400 municípios, principalmente no Nordeste, onde vivem 32 milhões de pessoas (18% da população nacional).

As razões da ocorrência desse fenômeno são múltiplas e complexas, de acordo com Cristina Montenegro, coordenadora do escritório do Pnuma no Brasil. “De forma sumária, pode-se citar a inadequada distribuição fundiária do país e a expansão urbana desordenada, que estão aliadas à destruição da cobertura florestal, ao manejo inadequado de recursos florestais, ao uso de práticas agrícolas e pecuárias inapropriadas e aos efeitos socioeconômicos da variabilidade climática. Esses fatores incidem sobre áreas bastante vulneráveis à ação humana, o que resulta na degradação ou na desertificação”, explica.

Experiência brasileira

O Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação é uma oportunidade para ampliar a visibilidade às ações da sociedade civil que promovem a recuperação de áreas em processo de desertificação e fazem um trabalho de prevenção, acredita Valquíria Lima, presidente da Associação Programa 1 Milhão de Cisternas, da Articulação do Semi-Árido (ASA), um fórum de organizações da sociedade civil que reúne cerca de 750 entidades.

A sociedade civil organizada brasileira está há um bom tempo a par da amplitude e da urgência do problema. Sua experiência tem servido não só como referência para políticas públicas, como também para projetos de combate à desertificação em outros países. Representantes da ASA estiveram, juntamente com membros do governo, na Conferência da ONU para o Combate à Desertificação (COP-7), realizada em outubro passado, em Nairóbi, no Quênia, para apresentar o Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil) e o processo de participação da sociedade civil na elaboração e na implementação do programa. [A Rets contou com uma enviada especial na COP-7, no Quênia. A cobertura completa pode ser lida nos links "Controvérsia em tema árido" e "Cobertura diária da COP-7", ao lado].

Construído em conjunto com a sociedade civil, o PAN reúne as diretrizes e as principais ações para o combate ao fenômeno da desertificação no Brasil. O programa foi elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente de acordo com as diretrizes da UNCCD, da Agenda 21, da Declaração do Semi-Árido (elaborada pela ASA), da 1ª Conferência Nacional do Meio Ambiente (2003) e do Plano Plurianual 2004-2007. Um dos desafios do programa, segundo José Roberto de Lima, coordenador técnico do PAN-Brasil, é promover uma maior integração entre diversas políticas do governo e os ministérios para reverter os processos de desertificação.

A luta pela recuperação de regiões como o semi-árido brasileiro é essencial, pois são lugares onde o processo de desertificação ainda é reversível. “No Brasil não temos desertos. Temos semi-áridos e subúmidos secos, que merecem uma maior atenção. Nos desertos, onde a sobrevivência humana é muito difícil, ao contrário, pouco se tem a fazer”, explica Lima.

Para Silvia Picchioni, da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (Aspan) - uma das organizações integrantes da ASA -, todo o Brasil deveria estar preocupado com o problema. “Outras regiões teriam muito a aprender com a experiência no semi-árido, principalmente num momento em que começamos a sofrer as conseqüências das mudanças climáticas e do aquecimento global”, destaca Picchioni, que é também ponto focal da sociedade civil subregional do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Brasil) para o tema da desertificação.

É o caso dos longos períodos de estiagem que ocorrem há quase cinco anos na região Sul do Brasil. Para o engenheiro agrônomo Gert Roland Fischer, estudioso do clima laureado pela ONU com o prêmio Global 500, está em formação um deserto na região. “Os agricultores estão puxando água do Aqüífero Guarani sem técnica e sem controle. Muitos não estão mais plantando e estão abandonando algumas regiões”, alerta Fischer. No entanto, o que ocorre na região sul não pode ser caracterizado como desertificação, enfatiza José Roberto de Lima. “É um processo de arenização e degradação ambiental, mas não desertificação”, distingüe.

Valquíria diz que, no Brasil, o governo federal está atento ao problema e aberto a diálogos com a sociedade civil, mas ainda é preciso haver um empenho maior para envolver os governos dos estados. Segundo ela, alguns pontos polêmicos dificultam a adoção do PAN pelos estados, entre eles, a necessidade de conter a expansão das monoculturas do eucalipto e da soja. “Essas monoculturas expulsam os agricultores e favorecem a desertificação. Mas o governo ainda é favorável a essa política”, critica.

Participação na convenção sobre biodiversidade

Diversas organizações da sociedade civil pretendem aproveitar a 8ª Conferência das Partes da Convenção de Diversidade Biológica (CoP-8 CDB), que acontecerá em Curitiba, de 20 a 31 de março, para intensificar a discussão sobre a necessidade de sinergia na implementação dos compromissos adotados nas convenções das Nações Unidas voltadas para os três maiores problemas ambientais enfrentados pela humanidade - biodiversidade, mudanças climáticas e desertificação. Essa necessidade de sinergia também foi assinalada durante a conferência sobre desertificação, no Quênia, em outubro.

“Processos de desertificação estão estreitamente relacionados a mudanças climáticas, como variações no nível de precipitação, gerando impactos na biodiversidade”, diz Cristina Montenegro. O trabalho de combate à desertificação no Pnuma busca justamente a unificação entre os tratados internacionais que dizem respeito ao assunto.

Além da sinergia, espera-se também que haja um aumento do volume de recursos destinado pelos organismos internacionais para projetos de combate à desertificação. Das três convenções, a da desertificação é a que recebe menos recursos. Como o problema atinge principalmente as regiões mais pobres, e, por isso, associa-se ao combate à pobreza, a UNCCD é chamada por muitos de "convenção dos pobres".

O que pouca gente sabe, segundo as organizações que trabalham com esse tema, é que 25% da produção mundial de alimentos procedem de zonas áridas e semi-áridas, que estão em risco de desertificação. Segundo dados das Nações Unidas, o processo de desertificação vem colocando fora de produção, anualmente, cerca de 6 milhões de hectares devido ao sobrepastoreio, à salinização dos solos por irrigação e a processos de uso intensivo e sem manejo adequado na agricultura. “Essas áreas têm um enorme potencial produtivo. Só que, para manter esse potencial, é necessário preservar os recursos naturais”, enfatiza Silvia Picchioni.

Mariana Loiola

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