Autor original: Luísa Gockel
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Criada através da Medida Provisória 103, no primeiro dia do governo Lula, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) foi recebida com otimismo pelos movimentos sociais. A médica e professora universitária Nilcéa Freire foi designada para capitanear o desafio. Acostumada ao pioneirismo – foi a primeira mulher a comandar a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a primeira brasileira a presidir a Comissão Interamericana de Mulheres da Organização dos Estados Americanos (OEA) -, a ministra reconhece a importância da iniciativa, mas teme pela sua continuidade. “Esse é sempre um risco porque infelizmente, no Brasil, as coisas são marcadas pelas conjunturas políticas”, afirma, em entrevista concedida à Rets no Dia Internacional da Mulher.
Antes da entrevista, Nilcéa Freire foi homenageada pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) numa sessão solene em comemoração ao dia 8 de março. Em seu discurso no plenário da Alerj, a ministra lembrou a importância da luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas e apresentou a Medida Provisória 284, publicada esta semana no Diário Oficial da União, que incentiva a formalização da atividade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 6,5 milhões de trabalhadoras domésticas, mas apenas 1,7 milhão têm carteira assinada. A ministra encerrou seu discurso destacando a importância da eleição no Chile da primeira mulher para a presidência de um país da América Latina, a também médica Michelle Bachelet.
Apesar dos avanços legais apresentados por Nilcéa, ela defende a necessidade de uma mudança cultural na sociedade e nos políticos. Assuntos polêmicos, como a aprovação do projeto que prevê a descriminalização do aborto, ainda encontram fortes resistências no Legislativo. E admite que em ano eleitoral não há cenário fértil para esse tipo de debate. “No início da próxima legislatura teremos melhores condições de discutir do que nesse momento”, limita-se a dizer. A defesa do tema, que não encontra unanimidade dentro do governo, foi um dos episódios mais difíceis na breve história da secretaria, que enfrentou resistência de setores mais conservadores do governo e da sociedade, mas acabou encaminhando à Câmara uma proposta de revisão da legislação.
Segundo a ministra, o aumento da escolaridade das mulheres é o que deve ser comemorado pelas brasileiras no dia 8 de março. Por outro lado, a tímida participação das mulheres na política ainda mostra o quanto o Brasil precisa avançar no campo da igualdade entre os gêneros. Nilcéa deposita sua esperança na Reforma Política. “Nós mulheres temos de fazer uma mobilização para que na Reforma Política tenhamos efetivamente igualdade de oportunidades para exercer mandatos políticos nesse país”. A ministra cita a pesquisa divulgada pela organização internacional União Inter-Parlamentar que aponta o Brasil como o 107º no ranking de participação das mulheres nas Câmaras de todo o mundo. O país ficou com a modesta marca de 8,6% de mulheres nesses cargos.
Rets – Uma pesquisa divulgada recentemente aponta que o Brasil tem uma baixíssima participação feminina em cargos políticos. A senhora acha que isso é uma amostra de que ainda somos um país extremamente sexista?
Nilcéa Freire – Cada passo que a gente dá é no sentido de aumentar a consciência e a cidadania das mulheres. Isso é básico para que possamos entrar na política brasileira e disputar os espaços na sociedade. Porque nenhum governo determina isso. É preciso que as mulheres se sintam com poder de disputar esses espaços.
No Brasil, existe uma lei de cotas que é insuficiente. Os partidos precisam destinar recursos do fundo partidário para a formação política das mulheres. É preciso que destinem recursos para as campanhas eleitorais de candidatas. A secretaria está empenhada nisso. A partir da próxima legislatura será discutida mais profundamente a Reforma Política, e nós mulheres temos de fazer uma mobilização como a que foi feita na época da Constituinte. Temos de fazer com que na Reforma Política tenhamos efetivamente igualdade de oportunidades para exercer mandatos políticos nesse país.
Rets – A senhora acha que existe também preconceito na hora do voto?
Nilcéa Freire - Quando temos candidatas que têm alcance, divulgação e formação política, elas se elegem. Costumo dizer que só vamos ter efetivamente igualdade quando não tivermos no âmbito do Congresso e das Assembléias Legislativas só mulheres excepcionais. Mas tivermos mulheres comuns, assim como há vários homens comuns que conseguem se eleger.
Rets – O descontinuísmo é uma marca na política brasileira. A senhora acredita que na próxima gestão, se entrar outro governo, a secretaria pode ser extinta?
Nilcéa Freire - Esse é sempre um risco que corremos porque infelizmente no Brasil as coisas são marcadas pelas conjunturas políticas. É evidente que temos essa preocupação. É uma secretaria nova, não tem a estabilidade de um Ministério da Saúde ou da Educação. Mas eu tenho certeza que o movimento social do nosso país e essas mulheres que já conseguiram tanta coisa nesse período não vão deixar que isso aconteça.
Rets – A senhora ainda tem esperança de que o Projeto de Lei que prevê a descriminalização do aborto seja votado ainda em 2006, um ano eleitoral?
Nilcéa Freire - Eu tenho clareza que o projeto, que está na Comissão de Seguridade e Família, deve ser retomado no início da próxima legislatura. Acho que neste ano não há mais tempo. No início da próxima legislatura teremos melhores condições de discutir. Mas é uma questão polêmica, ainda temos que trabalhar muito com a sociedade.
Rets – Que tema a senhora destacaria como um avanço importante no campo da luta pela igualdade entre os gêneros?
Nilcéa Freire - O Brasil pode comemorar o aumento da participação das mulheres na educação. Esse é um avanço importantíssimo. Hoje, 63% dos concluintes do curso superior são mulheres; no ensino médio, somos 53%. Isso vai ter um reflexo importante daqui a alguns anos no mercado de trabalho e na política.
Rets – E onde avançamos pouco?
Nilcéa Freire - Ainda falta o reflexo desse aumento da escolaridade no mercado de trabalho. As mulheres ainda são discriminadas, ganham salários menores e ainda ocupam as posições mais precárias e informais. Isso tem de ser o foco central nas nossas políticas de governo.
Rets – A senhora acha que a sociedade civil vem desempenhando papel importante nessas conquistas?
Nilcéa Freire - Não só parabenizo o movimento de mulheres como digo que o papel que desempenham é absolutamente fundamental. Quem está nos espaços do governo muitas vezes tem limites que a sociedade civil organizada não tem e nos empurra para alargar esses limites impostos. É um papel de controle social. No caso da secretaria, porque ainda não temos uma capilaridade no território nacional o movimento social de mulheres tem sido fundamental para cobrar do governo o cumprimento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres.
Rets – Há o que comemorar nesse Dia Internacional da Mulher?
Nilcéa Freire - É importante que as mulheres se sintam absolutamente à vontade para celebrar as suas conquistas. Somos responsáveis pela produção e reprodução da vida. E que também seja um momento de reflexão para contabilizarmos os ganhos e o quanto falta para ganhar. A nossa luta é todos os dias e o nosso compromisso com os direitos das mulheres tem de ser cotidiano.
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