Autor original: Luísa Gockel
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O Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) lançou esta semana a publicação “O Progresso das Mulheres no Brasil”. Coordenada pela ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia) e com apoio da Fundação Ford, o livro tem o objetivo de fazer um apanhado multidisciplinar dos avanços e dificuldades das mulheres brasileiras na última década. De acordo com a publicação, “é inegável que aconteceram progressos consideráveis em relação aos direitos das mulheres e à igualdade de gênero e raça no país”. Jacqueline Pitanguy, diretora do Cepia e uma das coordenadoras da publicação, credita muitos destes avanços às pressões do movimento organizado de mulheres.
Apesar dos avanços, Jacqueline chama a atenção para o problema da desigualdade entre as mulheres. “As distâncias entre as mulheres brancas, negras e indígenas ainda são muito expressivas”, diz o estudo. Para a coordenadora, é preciso trabalhar para que as mulheres pobres tenham mais acesso à saúde no Brasil. “A mortalidade materna é muito alta. E as melhorias não dependem de grandes investimentos tecnológicos”, defende, chamando a atenção para o fato de termos um índice de mortalidade muito maior que muitos países da América Latina.
A violência contra as mulheres também recebe destaque na publicação. No capítulo “A violência contra as mulheres no Brasil e a Convenção de Belém do Pará dez anos depois”, a advogada Leila Linhares Barsted, também coordenadora da pesquisa, faz um levantamento histórico das conquistas através da várias convenções internacionais de direitos humanos e das mulheres. A autora destaca um dado do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que coloca o Brasil como o país da América Latina que mais sofre com o problema da violência, perdendo 10,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) ou U$ 84 bilhões anuais.
Sobre esse aspecto, Jacqueline Pitanguy critica a legislação atual e tem esperanças que o projeto de lei que coíbe a violência doméstica seja aprovado em breve. “A lei considerava a violência doméstica como um crime de menor poder ofensivo. A mulher precisa de muita coragem para denunciar porque a violência se dá num círculo de cunho íntimo. É uma falha total do Judiciário”, reclama.
Rets – Como surgiu a idéia de fazer a publicação?
Jacqueline Pitanguy - O projeto faz parte de um projeto maior do Unifem, que procurou a Cepia para fazermos uma publicação específica sobre o Brasil. Foi um desafio porque o tempo era reduzido. Juntamos uma equipe muito boa para produzir um projeto de qualidade. Na Cepia, fizemos os capítulos sobre direitos humanos e violência.
Rets – A publicação começa com um grande levantamento histórico da questão da mulher e dos direitos humanos.
Jacqueline Pitanguy - Estabelecemos como marco a Constituição de 1988, pois considerava o parâmetro de igualdade entre homens e mulheres no Brasil e os princípios dos direitos humanos. Não dá para entender o presente sem voltar ao passado. A Conferência de Viena marca a violência doméstica como violação dos direitos humanos e chama os países a agir. No Brasil, a Constituição de 1988 antecipa a idéia de o Estado coibir a violência doméstica. Antes disso, o que acontecia entre indivíduos no âmbito privado não era objeto de interesse dos direitos humanos.
Rets – Que tema da publicação chamou mais a sua atenção?
Jacqueline Pitanguy - O que mais me chamou a atenção foi a dependência das mulheres que vivem no meio rural em relação às medidas de de cunho sócio-econômico. O seu bem-estar depende muito de melhorias, como a implementação de uma rede de saneamento, por exemplo. Outra coisa que merece destaque é o número de horas dedicadas pela mulher rural ao trabalho doméstico. A média de trabalho semanal é bem superior às 36 horas gastas pelas mulheres urbanas. Isso acontece porque elas não têm acesso a aparelhos domésticos e existe um traço cultural muito forte que impõe que os homens não se metem nas coisas da casa. No meio urbano, esse tempo dedicado às tarefas de casa aumenta se consideramos as mulheres negras e na medida que cai o nível sócio-econômico.
Rets – E a escolaridade da mulher do campo?
Jacqueline Pitanguy - A escolaridade é menor do que a das mulheres do meio urbano, mas ainda é maior que a dos homens. De uma maneira geral, o nível educacional da mulher brasileira é maior que o dos homens.
Rets – E por que ainda há tanta desigualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho?
Jacqueline Pitanguy - Certamente em longo prazo, à medida que a mulher se qualifica mais, deve passar a ocupar melhores posições no mercado de trabalho. Mas sabemos que não basta mudar só o nível educacional. Precisamos de mais mudanças culturais. As mulheres também têm mudado a sua visão de mundo e sua atitude.
Rets – Na publicação vocês dedicaram um capítulo só para tratar da violência. Apesar dos avanços legais, esse tipo de prática ainda é muito recorrente...
Jacqueline Pitanguy - A gente está avançando nas medidas contra a violência. A lei considerava a violência doméstica como um crime de menor poder ofensivo. A mulher vai ao juizado especial, faz a sua queixa e lá há a audiência de conciliação, que geralmente termina com o juiz mandando que o marido pague uma cesta básica. A mulher precisa de muita coragem para denunciar porque a violência se dá num círculo de cunho íntimo. É uma falha total do Judiciário. A violência doméstica não é de menor potencial ofensivo. O projeto de lei que coíbe a violência doméstica deve ser votado em breve. Além disso, muita coisa vem sendo feita. Há campanhas e o reconhecimento do papel do Estado. E em relação a esse assunto ninguém pode se colocar contra, nem a Igreja.
Rets – Em quais áreas avançamos menos?
Jacqueline Pitanguy - A grande questão é a desigualdade entre as mulheres. Precisamos ampliar o acesso das mulheres pobres à saúde no Brasil. A mortalidade materna é muito alta. Os índices de morte variam entre 76 e 130 mortes para cada 100 mil gestações. Países da América Latina como Chile, Colômbia e Argentina, têm índices entre 15 a 25 pra cada 100 mil. E essas melhorias não dependem de grandes investimentos tecnológicos. Precisamos diminuir a gravidez não desejada através do fornecimento de contraceptivos e proporcionar um pré-natal bem-feito. É um conjunto de fatores fáceis de lidar. É uma questão muito mais de organização de recursos.
Além disso, continuamos com uma participação vergonhosa das mulheres na Câmara: só 8%. É um ranço de machismo presente na esfera política. Isso nos envergonha ainda.
Rets – E do que as brasileiras podem se orgulhar?
Jacqueline Pitanguy - A presença da mulher nas universidades, a invasão de espaços antes tidos como masculinos, o começo da presença das mulheres em cargos executivos mais altos. Podemos destacar também o fato de a organização das mulheres negras vir fazendo efeito nas políticas públicas. A organização das mulheres no campo também nos dá mais esperança nos anos 2000.
*Matéria atualizada em 13 de março em 2006.
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