Autor original: Luísa Gockel
Seção original:
![]() | ![]() |
Mais de 180 lideranças dos povos Ticuna, Caixana, Cocama e Cambeba ocupam desde o dia 3 de março a sede da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), em Tabatinga, no Amazonas, de acordo com informações da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). Segundo um dos líderes da ação e membro do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT), Jonas Bastos, a ocupação é em protesto contra o rompimento do convênio que a Funasa mantinha com a organização. Diretamente da sede ocupada, Jonas explicou, em entrevista por telefone à Rets, que o convênio prevê que o CGTT administre o pagamento de vários profissionais, entre eles os de saúde, do Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Solimões (Dsei-AS), que tem uma população de 47 mil pessoas.
Funcionários e profissionais de saúde contratados pela CGTT não recebem salários há cerca de seis meses. A Funasa suspendeu os repasses, alegando que a organização precisa prestar contas da última parcela. Jonas afirma que, além disso, a entidade solicitou suplementação orçamentária de mais de R$ 3 milhões e só recebeu R$ 100 mil. Mesmo com a liberação de um valor que cobria apenas uma pequena parte das despesas, os coordenadores da CGTT entregaram a prestação de contas e esperam posição da Funasa em relação ao repasse do restante do recurso.
Além do problema da verba, de acordo com informações da Coiab, fator determinante para a ocupação da sede da Funasa foi a notícia de que a organização indígena seria substituída na coordenação do Dsei-AS pela ONG Instituto de Desenvolvimento de Atividades de Auto-Sustentação das Populações Indígenas (Indaspi). “Não queremos uma organização que não conhecemos, que não é daqui, responsável pela saúde do nosso povo”, critica Jonas.
O coordenador da CGTT, o líder ticuna Nino Fernandes, exigiu que o coordenador da Funasa no Amazonas, Francisco Aires, visite a área indígena para explicar os motivos pelos quais quer o rompimento do convênio da CGTT com a Funasa. “Senão ficará evidente que o CGTT sairá do convênio por pura pressão política de pessoas interessadas. Contudo o Conselho exercerá controle social, exigindo atendimento digno à população indígena da região do Alto Solimões”, declarou à Coiab.
A situação ficou ainda mais tensa quando, no dia 13 de março, lideranças indígenas ocuparam a sede da Funasa em Manaus. O motivo também foi a precariedade da saúde em aldeias por causa do não repasse de recursos por parte da Funasa. Em Tabatinga, Jonas garante que estão dispostos a resistir até que suas exigências sejam cumpridas. “Permaneceremos aqui por tempo indeterminado”, garantiu o líder ticuna.
Em nota divulgada no dia 14 de março, a Funasa informou que autorizou o pagamento de parcela no valor de R$ 1.885.375,12 à Coiab e que o recurso deve estar disponível na conta da conveniada no dia 16, devido aos prazos de compensação do sistema financeiro brasileiro.
Rets – Como vocês receberam a notícia de que o convênio com a Funasa seria suspenso?
Jonas Bastos – O Nino Fernandes, coordenador do CGTT, viajou a Brasília para uma reunião e lá foi informado de que não haveria mais repasse. Isso aconteceu no dia 23 de fevereiro e causou muita revolta na gente. Disseram que o cancelamento tinha sido por causa de pressões do coordenador regional do Amazonas, Francisco Aires. Inclusive encontramos aqui, nos arquivos da Funasa, o documento que nos acusa de desvio de verbas.
Rets – Mas existiu algum tipo de investigação?
Jonas Bastos – Até agora não provaram nada. Porque, se tivessem, já teríamos recebido relatório dos auditores que foram lá em outubro. São acusações muito sérias, que estavam correndo sem que a gente soubesse. Segundo o documento, os Ticuna tinham decidido pela interrupção do convênio. Como 39 mil Ticunas decidiram isso, se não houve nenhuma consulta? A intenção era a de entregar o convênio para outra organização.
Rets – Mas vocês sabem que organização é essa?
Jonas Bastos – Sabemos que é a Indaspi, de Manaus. Queremos que uma organização indígena local assuma, ou então que continue do jeito que estava.
Rets – Vocês receberam algum tipo de treinamento para realizar essa tarefa administrativa?
Jonas Bastos – A Funasa dizia que queria trabalhar em parceria, mas isso nunca aconteceu. Sempre fomos obrigados a cumprir as determinações de Brasília. Esperávamos uma capacitação para podermos administrar. Os profissionais de saúde recebem, mas nós não. Além disso, as nossas decisões não vêm sendo aceitas pelo Dsei. E é um problema sério, porque as lideranças começaram a se dividir.
Rets – Por que vocês decidiram fazer a ocupação da sede?
Jonas Bastos – Esperamos seis meses pelo pagamento. Se fizéssemos a manifestação depois, o convênio teria sido firmado com outra organização. Estamos em contato com a diretoria da Funasa, mas sem comunicação com a coordenação de Manaus. Queremos resolver logo este impasse, porque estamos nos sentindo traídos. Ocupamos para ver se alguém olha para a nossa situação e vê que existe um povo esquecido aqui.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer