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Ocupação reforça debate sobre segurança pública

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor

Ignacio Cano: "Temos de desmontar a hostilidade mútua entre polícia e juventude"


O sociólogo Ignacio Cano, professor e membro do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), condenou energicamente a presença do Exército em comunidades do Rio de Janeiro. Segundo ele, a ação promove uma falsa sensação de segurança, sentida, provavelmente, por pessoas que não passaram perto dos locais de conflito. Para o professor, situações como esta mostram o maior ponto fraco da política de segurança pública brasileira: sua excessiva militarização. “Operações de ocupação geram insegurança, tiroteio e não melhoram nada”, afirma.


As queixas de membros das comunidades ocupadas em relação a abordagens agressivas e violações de direitos humanos por parte do Exército, segundo o sociólogo, também são freqüentes em relação à polícia. Cano defende a necessidade de a prática do uso da força ser substituída por um policiamento constante e comunitário. “Temos de desmontar esta hostilidade mútua entre a polícia e a juventude”, acredita, ressaltando que pouco vem sendo feito em relação a isso.

Rets - Você acha que a ocupação de comunidades no Rio de Janeiro pelo Exército foi uma ação positiva ou reativa?

Ignacio Cano - Foi absolutamente reativa. O objetivo era recuperar os fuzis roubados e desencorajar novos roubos. A estratégia era causar prejuízos econômicos ao tráfico.

Rets - Por que muitas pessoas, sobretudo a classe média, alegaram que sentiram sensação de segurança enquanto o Exército estava nas comunidades?

Ignacio Cano - Há muita gente que defende o papel do Exército na política de segurança pública. Essas mesmas pessoas deveriam defender a redução do contingente militar e a ampliação da polícia. As pessoas que sentiram essa sensação provavelmente não passaram perto das comunidades onde ocorreram os conflitos.

Existe uma sensação de insegurança muito grande, e muita gente vê o Exército como a solução numa situação de crise. Ou seja, se foge ao controle, é preciso chamá-lo. É uma pseudo-solução, pois não vai mudar o quadro de insegurança. É uma sensação ilusória e de curto prazo, que não vai resolver os problemas de segurança pública. Se o Exército fosse incorporado à política de segurança, essa situação provavelmente causaria um grande desgaste no Exército e levaria ao aumento dos níveis de corrupção.

Rets - Então o senhor acha esse tipo de ação traz prejuízos ao Exército?

Ignacio Cano - O próprio Exército é reticente em participar desse tipo de ação. Nesse caso específico do roubo das armas, existia uma agenda institucional interna de dar uma resposta aos criminosos. Na visão deles, era um motivo que justificava a ação. Nós temos de separar a presença do Exército em eventos específicos, como a proteção em caso de eleições, o que acontece em várias partes do mundo, e em operações corriqueiras de segurança.

Rets - Partindo da experiência de outras ocupações feitas pelo Exército no passado, o senhor acha que há algum tipo de melhoria?

Ignacio Cano - Em operações corriqueiras, já vimos que não melhora nada e desgasta muito o Exército. Numa catástrofe natural, por exemplo, existe a atuação de órgãos civis, do governo, e o Exército pode ser chamado nesse caso. Mas no caso da ocupação de uma comunidade, existe o grande risco do uso excessivo da força. Por que colocar um tanque apontado para uma comunidade?

Rets - Existem muitas reclamações por parte de membros das comunidades ocupadas a respeito de violações dos direitos humanos...

Ignacio Cano - As reclamações também existem em relação à abordagem da polícia. A nossa política de segurança é muito militarizada. Esse, sem dúvida, é um ponto fraco. Operações de ocupação geram insegurança, tiroteio e não melhoram nada. Reconheço que essa foi uma situação excepcional. Mas no caso de chamar o Exército para resolver o problema de segurança pública, sou contra.

Rets - Qual seria a solução melhor para o problema da segurança pública?

Ignacio Cano - A princípio, mudar o modelo de policiamento nas favelas. Temos projetos com modelos de policiamento comunitário que vêm funcionando. Se mudássemos para um policiamento permanente, teríamos um impacto grande nessa sensação de insegurança.

A médio e a longo prazos, precisamos mudar o paradigma de criminalização das drogas. Este deve ser tratado como um problema de saúde pública. Não digo que com isso as instâncias criminosas iriam desaparecer, mas a clandestinidade dificulta as políticas de prevenção. Deveríamos tratar esta questão como tratamos as drogas legais.

Rets - E o senhor acha que, por ter sido aprovado por parte da população, esse tipo de ação pode se tornar uma política pública?

Ignacio Cano - Há o risco permanente de começarem a chamar o Exército para fazer operações corriqueiras. Acredito que os aparatos de inteligência do Exército devem ser repassados para a polícia, mas, fora isso, não vejo a necessidade da sua participação na política de segurança pública.

Rets - Existe alguma coisa que possa ser feita de imediato para melhorar essa situação?

Ignacio Cano - Fizemos há dois anos, na Rocinha, uma pesquisa que mostrou o antagonismo entre a juventude e a polícia. Temos de desmontar esta hostilidade mútua. A polícia deve proteger aquele espaço e as pessoas daquele território. Existem pequenos programas de policiamento comunitário, mas temos dado passos tímidos nessa direção.

Luísa Gockel



Jailson de Souza: "A lógica da guerra às drogas tem como instrumento fundamental a violência"

Para o coordenador do Observatório de Favelas e fundador do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), Jaílson de Souza e Silva, houve muito marketing para a operação militar – de olho, inclusive, nas próximas eleições. Segundo ele, o Exército deveria recuperar as armas com investigação, sem recorrer à tática do "não levo desaforo pra casa", e adotar providências efetivas para proteger melhor seu arsenal. Ações como essa, alerta, podem favorecer o fortalecimento do clima de guerra e a idéia de que os moradores das favelas são “a população civil do exército inimigo”.

Rets - Por que a ação do Exército se esgota no resgate das armas? Por que não continua como política pública de segurança ou não se deu antes, se muitos a consideraram positiva?

Jailson de Souza e Silva - O Exército não pode atuar na área da segurança urbana, a não ser que seja solicitado pelo governo do estado ou que o governo federal decrete intervenção. Além disso, cabe salientar quem está dizendo que é uma ação positiva. Eu, por exemplo, a acho um horror: reativa, sem inteligência, colocando em risco milhares de pessoas, reforçando a lógica belicista com os grupos varejistas do tráfico. Resumindo: ela não passa de mais do mesmo e tem muito pouco impacto efetivo sobre a organização dos grupos criminosos armados que dominam territórios na cidade, inclusive os que não são vinculados ao tráfico de drogas, tais como as “mineiras” [grupos que fazem uma segurança informal] da região de Jacarepaguá.

Rets - O roubo das armas teria sido uma provocação dos traficantes ao Exército? Seria pior se o Exército não tivesse reagido?

Jailson de Souza e Silva - Há muitos anos, as armas das forças armadas são desviadas. Os especialistas dizem que em torno de 10% das armas ilegais são oriundas dos arsenais militares. Assim, não foi provocação, mas o uso de uma via de acesso a armas já estabelecida. O Exército tinha que recuperar as armas, mas deveria fazer isso com investigação, sem uso da truculência machista – do tipo “não levo desaforo para casa” – e, principalmente, tomando providências efetivas para proteger melhor seu arsenal.

Rets - Que conseqüências poderia ter um possível confronto entre tráfico e Exército?

Jailson de Souza e Silva - O pior que pode acontecer no Rio é começarem a morrer soldados do Exército no embate com os jovens do tráfico, ou eles assumirem a mesma lógica, dominada pela corrupção, de uma parcela considerável da Polícia Militar.

Rets - A intervenção militar deve fazer parte de uma política de segurança pública? Ajudaria a reduzir efetivamente a criminalidade?

Jailson de Souza e Silva - O eixo de uma boa política de segurança urbana é prevenir o crime e a violência. No caso brasileiro, e em particular no Rio, isso não ocorre: a lógica da guerra às drogas que estrutura a política de segurança tem como instrumento fundamental o uso da violência. E é justamente por isso que ela não pára de crescer, ao contrário do que acreditam os setores conservadores, que só falam em mais gente armada na rua, transformando a cidade em uma praça de guerra. Desarmar, portanto, os grupos criminosos e recuperar a soberania do estado em toda a cidade, respeitando os direitos de todos os cidadãos, são aspectos fundamentais numa nova política de segurança do cidadão.

Rets - Quais são os reflexos dessa ação para as comunidades?

Jailson de Souza e Silva - O fortalecimento do clima de guerra e o reconhecimento, cada vez mais consolidado, de que os moradores das favelas são “a população civil do exército inimigo”, como costumo dizer. Logo, as perdas humanas, nesse caso, seriam inevitáveis, desde que ocorressem na favela e com seus moradores.

Mariana Loiola

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