Você está aqui

Os ministérios e a polêmica da rotulagem

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião






Os ministérios e a polêmica da rotulagem
Fotomontagem: Fernanda Webler
Jean Marc van der Weid*

A ministra Marina Silva anunciou a posição brasileira para as negociações da MOP-3, parte da Convenção da Biodiversidade conhecida como Protocolo de Cartagena, relativo ao tema de biossegurança. A reação do lobby dos transgênicos foi de espanto e fúria e a de algumas entidades da sociedade civil foi de aplausos para a ministra. O ministro Roberto Rodrigues se disse derrotado e prognosticou sombrios dias para as exportações brasileiras de soja com os supostos aumentos de custos oriundos das exigências do Protocolo.

Esta postura "ambientalista" do governo Lula é tão inusitada que cabe aplicar o ditado popular: quando a esmola é muita, o santo desconfia.

Afinal, o que o governo está defendendo na reunião da MOP-3? O grande conflito ocorrido no ano passado na MOP-2, em Montreal, entre as delegações do Brasil e da Nova Zelândia e perto de 130 outras de todo o mundo era sobre a adoção de novas regras para identificar o conteúdo de cargas exportadas. A fórmula, provisória, vigente desde a adoção do protocolo em 2000 era simplesmente indicar que uma determinada carga, por exemplo, de soja, "pode conter transgênicos", sem indicar quais deles podem ser encontrados na carga. O que a quase totalidade dos signatários do protocolo queria e quer é que as cargas tenham uma clara indicação do conteúdo transgênico, isto é, o tipo ou os tipos de transgênicos nela contidos.

A razão desta identificação é bastante óbvia: permitir que um importador saiba o que está trazendo para seu território para que possa tomar as medidas de segurança que achar cabíveis, tanto para o meio ambiente como para a saúde dos consumidores. Estas medidas podem ser desde a recusa da carga em questão até a livre importação, passando por medidas rigorosas para impedir a germinação ou para dirigir o consumo apenas para animais.

Não deveria ser discutível este direito do "consumidor", seja ele um indivíduo, empresa ou país, de saber o que está comprando, mas o lobby pró-transgênicos está batalhando exatamente para impedir o exercício deste direito, sob os mais variados pretextos, desde dizer, contra todas as evidências, que os transgênicos não implicam qualquer risco, até aterrorizar os governantes menos informados com ameaças de ruína de suas exportações.

A posição do governo brasileiro é um aparente meio termo. O governo afirma categoricamente que é a favor do "contém transgênicos", com todas as especificações necessárias, mas sugerindo um prazo de quatro anos para a entrada em vigor desta fórmula. Por enquanto fica o status quo, "pode conter". Vitória dos ambientalistas sobre a indústria? Só aparentemente. Acontece que já foram permitidos mais de sete anos para que a cadeia dos transgênicos se ajuste a esta necessidade de identificação das cargas exportadas, e ela continua dizendo que não está preparada. A ministra caiu nesta esparrela e disse que o Brasil precisa deste tempo para adaptar-se. Mas adaptar-se a que, exatamente?

O que o protocolo pede é apenas que as cargas contenham indicações do seu conteúdo em transgênicos. O lobby dos transgênicos inundou o governo e a imprensa com estudos indicando que aceitar as exigências do protocolo criaria novos custos de exportação que variam, segundo as diferentes declarações e artigos de quatro vezes a 10% a mais do que os custos atuais. Justificaram estes cálculos com uma confusão intencional, indicando que esta identificação de cargas implicaria a segregação dos produtos contendo ou não transgênicos. Isto é absolutamente falso. O protocolo apenas cobra a identificação de quais transgênicos estão contidos nas cargas exportadas. Isto significa que a única operação de identificação a ser feita é aquela no porto, após o embarque da carga.

Quanto custa analisar a carga de um navio para identificar seu conteúdo em transgênicos? Tomemos a soja como exemplo, até porque é o único que nos interessa, já que não exportamos os outros transgênicos que também entram no mercado internacional: milho, canola e algodão.

Os navios graneleiros mais comuns carregam 25 mil toneladas de soja, em porões de 5 mil toneladas cada um. De cada porão terá que ser retirada uma amostra que passará por um processo de homogeneização e análise. O custo total deste processo é de 240 dólares, segundo informações disponibilizadas pela empresa de certificação Genescan. Para analisar todo o navio teremos um custo de 1.200 dólares. O tempo gasto nesta análise é de um dia e meio, mas o navio não precisa esperar, pois pode receber a informação em viagem e a documentação pode ser dirigida ao porto de desembarque. No caso brasileiro, apenas um "evento" de modificação genética é encontrado, a soja RR, da Monsanto e, portanto, apenas uma análise de identificação será necessária. Se outros eventos forem liberados, outras análises serão necessárias. O custo imediato para identificar as cargas de soja que exportarmos será de 4,8 centavos de dólar por tonelada. Isto representa apenas 0,023% do valor da tonelada de soja atualmente, longe de representar um "peso terrível" para as nossas exportações desta commodity. Aplicando este custo extra para toda a exportação brasileira de soja o preço a pagar seria de pouco mais de 1 milhão de dólares. Problema muito maior são as perdas nos transportes de caminhão, que chegam a até 20% das cargas. Admitindo uma perda conservadora global da ordem de 10% da safra nesta operação de transporte rodoviário, chegaríamos a um valor de 460 milhões de dólares.

A gritaria do lobby é, então, só paranóia e desinformação? Não parece que estes senhores sejam tão desinformados como se mostraram a ministra Marina e o presidente Lula. O lobby pró-transgênicos tem uma estratégia consciente de impedir qualquer tipo de identificação de seus produtos, pois é a única maneira pela qual podem vencer a resistência crescente de consumidores e empresas alimentares em todo o mundo. A estratégia da contaminação indiscriminada de alimentos e campos cultivados fará com que, dentro de algum tempo, não seja mais possível isolar transgênicos de não-transgênicos para dar opção aos consumidores. Neste ponto estaremos todos entregues nas mãos deste lobby, hoje composto de não mais do que quatro empresas, sendo que apenas uma já responde por quase 90% dos transgênicos cultivados no mundo, a americana Monsanto.

O lobby não está tão insatisfeito assim, pois está ganhando mais quatro anos de contaminação indiscriminada, sobretudo nos países mais pobres do terceiro mundo, que não têm condições de impor as restrições colocadas pelos importadores europeus, bem mais rígidas do que as exigências do protocolo. O governo brasileiro caiu no conto do vigário da "falta de condições" para fazer a identificação, aceitando a balela de que identificar cargas é o mesmo que segregar produtos transgênicos de não-transgênicos.

* Jean Marc van der Weid é economista e coordenador do Programa de Políticas Públicas da AS-PTA (www.aspta.org.br).






A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer