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Mulheres aqui, sim!

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Mulheres aqui, sim!
Divulgação: renascecompanheira.org.br

“Mulheres aqui, não!”. Esta foi a mensagem deixada em julho de 2005 na sede da Casa da Mulher Renasce Companheira, após terem roubado e destruído seus equipamentos. Um mês antes, a organização, localizada na cidade de João Pessoa (PB), encontrou em sua porta um bilhete ameaçando a vida de todas as suas integrantes, caso não fosse entregue a quantia de mil reais.

Até hoje, os culpados pelo vandalismo não foram punidos e a organização ainda busca meios de garantir maior segurança para suas integrantes. Segundo Roseane Barreto, uma das coordenadoras da Casa, esse tipo de ação reflete a mentalidade machista que muitas pessoas ainda nutrem em Jardim Veneza, bairro da periferia da capital paraibana onde a organização se encontra.

A comunidade, com aproximadamente 20 mil habitantes, enfrenta muitos problemas estruturais, como falta de saneamento, escolas e ruas asfaltadas. Mas a razão principal que motivou oito mulheres a se reunirem em 1993 foi o grande número de casos de violência doméstica contra a mulher. Roseane conta que tudo começou com um grupo de amigas dispostas a dividir seus problemas e ajudar umas as outras. A busca era por um espaço onde pudessem expressar seus sentimentos e opiniões livremente.

“Nosso trabalho agrada a uns; a outros, não. Para algumas pessoas, quanto mais leiga a mulher, melhor. Elas defendem a idéia de que a mulher deve ficar dentro de casa, cuidando do marido e dos filhos. Para elas, o trabalho da nossa organização é inútil, coisa de quem não tem mais o que fazer. Mas sabemos que é porque nossa atuação tem mudado a postura de muitas mulheres, e isso pertuba, é claro”.

Orientação nos casos de violência doméstica

Apesar do incômodo que representa para muitos, a Casa da Mulher tem conseguido orientar e ajudar diversas mulheres e adolescentes que chegam perdidas e carentes à entidade. Roseane acredita que a Casa da Mulher é vital para Jardim Veneza.

“Muitas mulheres chegam desestruturadas e precisando de apoio, após terem sido vítimas de violência física ou psicológica dentro e fora de suas casas. Hoje essas mulheres conhecem a Delegacia da Mulher e sabem da existência de outras entidades que, assim como a gente, buscam garantir seus direitos em João Pessoa”.

Assim como Roseane, Maria Valdenice, outra coordenadora da Casa, também observou, ao longo da atuação da ONG, uma diminuição da violência praticada contra a mulher no bairro. O fortalecimento tanto da auto-estima quanto da própria cidadania das moradoras de Jardim Veneza é a principal meta da Casa da Mulher. Para isso, são realizadas oficinas com temas que variam de doenças sexualmente transmissíveis, aborto e aids até saúde mental e violência de gênero. Além disso, palestras e seminários também são outras formas utilizadas pela organização para orientar mulheres e adolescentes da comunidade.

As oficinas têm duração de uma semana e abordam aspectos importantes para a promoção da cidadania e da auto-estima das moradoras de Jardim Veneza. Além das mulheres, a ONG atende também jovens de ambos os gêneros. Segundo Roseane, muitos cursos oferecidos na organização incomodam porque trabalham temas importantes para o fortalecimento das mulheres. Foi o caso dos cursos de jurista popular e de orientação para separação legal.

Mais informadas e fortalecidas, algumas mulheres estão voltando a estudar ou buscando novos trabalhos. É o caso de Lúcia Silva do Nascimento, de 51 anos, que começou como aluna em 2003 e hoje já ensina nas oficinas oferecidas pela Casa da Mulher.

“Comecei com as aulas de pintura em tecido e fiz até, durante um ano, um curso de teatro que discutia a temática da violência contra a mulher. Cheguei aqui e gostei, a minha forma de pensar e enxergar o mundo se transformou. Antes não tinha vontade de sair, não tinha vaidade. Hoje é diferente”.

A ONG paraibana foi umas das 40 organizações participantes do projeto Ação Digital Nordeste (ADN), promovido pela Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits) em parceria com a Interamerican Foundation e a International Business Machines (IBM). A iniciativa buscou fortalecer pequenas organizações nordestinas através de provisão de equipamentos e capacitação no uso de tecnologias de informação e comunicação. De acordo com Roseane, o uso da internet e do computador possibilitou um crescimento da instituição, aumentando sua rede de contatos e facilitando a realização de muitas tarefas. Como a máquina foi roubado durante a ação dos bandidos no ano passado, a Rits doou um novo computador à entidade, acreditando na importância dessa tecnologia para a atuação da ONG em Jardim Veneza.

Apesar do papel estratégico da organização na comunidade, a Casa da Mulher enfrenta, além do preconceito, muitos problemas financeiros e estruturais. Atualmente, conta apenas com o apoio de uma organização holandesa que doa R$ 150. No entanto essa quantia, desabafa Roseane, muitas vezes não dá conta sequer das despesas telefônicas. Assim, para arrecadar recursos, a Casa realiza rifas e cobra taxas de inscrição em suas oficinas, o que acaba prejudicando a participação dos moradores do bairro – em sua maioria, muito pobres.

Há, enfim, outros caminhos além do trabalho doméstico. É isso o que a instituição busca mostrar às mulheres e jovens de Jardim Veneza. Um sinal de esperança para mulheres acostumadas a viver em um ambiente machista e opressor. Uma prova de que elas têm o direito de ser autônomas e buscar seus objetivos, seja onde for, e de que nada ou ninguém, a não ser elas mesmas, pode determinar o seu lugar.

Joana Moscatelli

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