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Telecentros: integração e conhecimento

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Telecentros: integração e conhecimento

Eles estão cada vez mais presentes nas áreas de baixa renda das grandes cidades e também nas áreas rurais mais afastadas do país. Os telecentros, espaços com computadores conectados à internet e de acesso gratuito, já fazem parte da paisagem das periferias brasileiras e estão ajudando quem não tem meios para comprar uma máquina e navegar pela rede mundial de computadores. Além da possibilidade de uso e aprendizado de novas tecnologias, os usuários ainda se organizam e produzem conteúdos voltados para a própria comunidade.

As salas dos telecentros geralmente possuem entre dez e 20 computadores, todos ligados à internet. Qualquer pessoa pode usá-los a qualquer hora do dia – em geral, as salas ficam abertas todos os dias da semana. O sistema operacional e os programas são todos de código aberto por razões de custo e filosofia. Também é possível fazer cursos e oficinas voltados para informática básica, por exemplo.

“É um projeto de uso intensivo da tecnologia da informação para ampliar a cidadania e combater a pobreza, visando a garantir privacidade e segurança digital do cidadão, sua inserção na sociedade da informação e o fortalecimento do desenvolvimento local”, define o governo federal no seu portal de inclusão digital.

Não se sabe ao certo quantos telecentros existem no país, nem os oriundos de políticas públicas nem os implementados por organizações não-governamentais, associações de moradores etc. Todas as instâncias governamentais possuem programas de inclusão digital nos quais os telecentros têm papel de destaque. Prefeituras como a de São Paulo e de Porto Alegre levam adiante iniciativas desse tipo há anos, assim como o governo do Rio de Janeiro e do Paraná. No âmbito federal, o governo pulverizou as ações entre diversos ministérios, entre eles o da Cultura, o das Comunicações e o do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (este último tem atividades voltadas para pequenas empresas). Há ainda iniciativas de organizações como o Coletivo Digital, de São Paulo, e o Projeto Saúde e Alegria, no Pará.

No portal de inclusão digital do Ministério das Comunicações calcula-se que existam 3.200 pontos públicos de acesso à internet ligados ao programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), mas o número não é confirmado por estar desatualizado. A Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), vinculada ao Ministério do Planejamento, está juntando esses dados no Observatório Nacional de Inclusão Digital (Onid), criado há mais de um ano. “Até o fim de 2006 devemos ter todos os números tabulados”, afirma Rodrigo Assumpção, secretário-adjunto da SLTI. A meta do plano plurianual do governo era instalar 6 mil telecentros até o fim deste ano, mas o próprio Assumpção reconhece a dificuldade em alcançá-la, apesar de lembrar os avanços obtidos na área.

O programa Gesac, ligado ao Ministério das Comunicações, tem como meta fazer com que todos os municípios brasileiros tenham ao menos um ponto de acesso à internet até o fim do ano – objetivo próximo de ser alcançado, de acordo com o secretário-adjunto. “Sem acesso à inclusão digital, não há acesso à cidadania”, lembra Assumpção.

A mesma opinião tem a pesquisadora Rosa Maria Porcaro, doutora em Ciências da Informação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. No texto “Tecnologia da Comunicação e Informação e Desenvolvimento: políticas e estratégias de inclusão digital no Brasil”, feito para o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ela afirma que o país, ao implementar políticas públicas de inclusão digital, está de acordo com a busca dos Objetivos do Milênio. A inclusão digital, avalia, “é considerada uma prioridade para o governo brasileiro, por sua possibilidade de ajudar na promoção da inclusão social e por desempenhar papel fundamental no combate à pobreza ao permitir ao cidadão acesso à informação e ao conhecimento”.

Organização

De uma maneira geral, todos os telecentros operam em salas localizadas em áreas de baixa renda, onde os moradores não têm como pagar conexão via telefone e comprar um computador. A idéia, de acordo com quem está no meio dessas ações, não é concorrer com provedores de internet, mas dar oportunidade a quem não é o público-alvo dessas empresas de se beneficiar das possibilidades das tecnologias de informação e comunicação.

Sendo assim, cada unidade possui ao menos dez máquinas (a quantidade varia de acordo com o tamanho da comunidade e os recursos disponíveis), com acesso livre. Para utilizar um computador, basta preencher um cadastro simples para que os monitores tenham controle de quantas pessoas freqüentam o espaço e seu perfil sócio-econômico. Após essa etapa, as pessoas podem acessar a internet da maneira que quiserem, sem qualquer restrição em relação ao uso que faz. Ou seja, quem quiser ler notícias é tão bem-vindo quanto quem quiser apenas jogar. “Isso é algo que tivemos que discutir bastante nos telecentros”, afirma Beatriz Tibiriçá, a Beá, ex-coordenadora do projeto de telecentros da prefeitura de São Paulo. “Por que um garoto da comunidade não pode ficar jogando se o filho da classe média pode? Jogos online também são uma forma de apropriação e aprendizado de tecnologias”, justifica.

A palavra final em relação a assuntos como esse, no entanto, sempre é dada pelo comitê gestor de cada telecentro, formado pelos próprios usuários para administrar desde o horário de funcionamento das salas até a limpeza das mesmas. O comitê funciona também para fortalecer a organização comunitária e envolver a população na gestão das unidades. “Isso impediu fechamentos e mudanças em muitas delas”, afirma Beá. Para reforçar esse processo, os monitores - pessoas capacitadas para darem aulas e esclarecerem dúvidas de usuários - são escolhidos nas próprias comunidades. A idéia é sempre trazer mais pessoas para o telecentro.

Outro ponto importante da organização desses espaços é a tecnologia utilizada. Na maioria das políticas, o sistema operacional utilizado é o Linux, de código aberto e livre, assim como os programas. A escolha foi feita por motivos econômicos - o não pagamento de licenças de uso poupou à prefeitura de São Paulo, por exemplo, cerca de R$ 15 milhões - e de filosofia. Os gestores acreditam que o uso de programas de código aberto estimula os jovens a se interessarem por programação, por exemplo.

Esse interesse, no entanto, precisa ser fundamentado com aulas de informática. Todas as unidades oferecem cursos básicos, voltados para pessoas cuja experiência com programas de edição de texto, uso de email e navegação pela internet é próxima a zero.

É o caso da dona-de-casa Rosilene dos Santos, 35, que aprendeu a mexer com computadores no telecentro patrocinado pela Petrobrás em Mesquita, na Baixada Fluminense. “Comecei há dois meses, aprendendo a ligar e desligar o computador, conhecendo o que é o mouse, o teclado etc.", diz. “É uma coisa que sempre quis fazer, mas nunca fiz pois era caro. E percebi que é bem menos complicado do que pensava". Santos agora está cursando o módulo avançado do curso. “Estou aprendendo a escrever e enviar email, usar a internet, entrar nos sites...”.

E nisso tem a companhia da filha Isabela, de nove anos. “Fico lá aprendendo a desenhar no computador. Já estou mais ou menos conseguindo escrever coisas", comemora.

A pequena Isabela pode, um dia, ser uma técnica em informática como seu vizinho Jéferson de Falles, que hoje, cinco anos depois do primeiro contato com software livre, fora do telecentro, tornou-se implementador técnico de oito unidades do convênio existente entre a Petrobras, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) e a Rits [ver a matéria "Rits implementa telecentros em parceria com ITI e Petrobras", no alto à direita]. É ele quem instala e faz manutenção dos softwares livres como o Sacix - sistema operacional baseado em Linux – nas máquinas. Começou como monitor e rapidamente passou a implementador. Hoje recebe salário para isso - prova de que os telecentros, além de gerar conhecimento, geram renda para a comunidade.

Em algumas unidades ainda são montadas equipes de comunicação comunitária para produzir informações sobre o cotidiano da comunidade, coisa difícil de encontrar na grande mídia.

Iniciativas

A primeira grande experiência de política pública voltada para a implementação de telecentros aconteceu em São Paulo. Um projeto piloto foi instalado na Cidade Tiradentes, bairro da zona leste paulistana conhecido pela violência e pobreza, que ganhou em 2001 uma dezena de computadores, instalados numa sala pouco utilizada. A partir daí, sem muita divulgação, as máquinas começaram a ser utilizadas e principalmente os jovens aumentaram seu interesse em usar as novas tecnologias. “O projeto de Cidade Tiradentes demonstrou a viabilidade de se fazer da inclusão digital uma política pública”, lembra Beatriz Tibiriçá, que trabalhava no projeto na época.

A partir daquela experiência, a prefeitura paulistana embarcou na idéia e tocou o projeto Telecentros SP, que seria o maior do gênero na América Latina. Em cinco anos de existência, a iniciativa cadastrou 550 mil usuários em diversas áreas da periferia da capital. As localidades foram escolhidas de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) - quanto mais baixo, mais cedo receberiam as máquinas e a capacitação necessária para utilizá-las. Dessa forma, os bairros centrais de São Paulo foram os últimos a receber telecentros.

Hoje são 118 unidades, nas quais 130 mil pessoas já fizeram cursos básicos. A maior parte dos usuários é de adolescentes de até 18 anos, seguidos por jovens e pessoas de terceira idade. O uso feito varia de acordo com a faixa etária. Não há dados sobre isso, mas percebe-se que os mais novos usam em grande escala programas de mensagens instantâneas e sites de comunidades de relacionamento. Já os jovens, além de fazer isso, também buscam empregos, enquanto pessoas de terceira idade fazem pesquisas mais específicas sobre assuntos diretamente relacionados às suas vidas. Se vão viajar, buscam informações sobre o destino, por exemplo.

Apesar do sucesso da iniciativa, o atual coordenador de inclusão digital da prefeitura paulistana, Elcio Figueiredo, não acredita que o modelo possa ser replicado facilmente. “É necessário analisar os casos, individualmente, visando adequar a realidade da comunidade a ser atingida com os recursos disponíveis”.

Os telecentros também são utilizados para gerar negócios. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, por exemplo, está implementando telecentros de informação e negócios, voltados para pequenas empresas. Eles dão cursos de gestão e de como utilizar a internet para movimentar os negócios e assim aumentar a competitividade das microempresas nacionais. Já são mais de 200 unidades inauguradas. Atualmente há diversas ONGs voltadas para dar apoio aos telecentros. Entre elas, a Rits, o Coletivo Digital, o Comitê pela Democratização da Informática (CDI) e o Projeto Saúde e Alegria, que levou internet a comunidades amazônicas.

Marcelo Medeiros

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