Autor original: Marcelo Medeiros
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O FBO está concluindo o texto de um projeto de lei (PL) que será discutido no Fórum Social Brasileiro, marcado para Recife (PE), de 21 a 23 de abril. Após finalizá-lo, os integrantes do grupo de discussão do orçamento pretendem apresentar o PL a parlamentares no dia 4 de maio, aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com isso, pretendem chamar atenção de governo e sociedade para a dívida social do país. “Queremos colocar um S na lei, ou seja, fazer uma equivalência entre o fiscal e o social”, diz a secretária-executiva do FBO, Gilda Cabral, que também integra a organização não-governamental Cfemea.
O segredo para fazer com que o pagamento do débito social seja considerado tão importante quanto o financeiro, garante a ativista, é o envolvimento de toda a sociedade no tema. Essa atitude viria acompanhada de mais informações sobre o orçamento de cada cidade e estado, além da União. Isso ajudaria, até mesmo, a diminuir um grande problema da execução orçamentária: o desvio de recursos. “A melhor vacina contra a corrupção é a mobilização”, afirma nesta entrevista.
Rets - Por que uma lei de responsabilidade social?
Gilda Cabral - O que nós propomos, e inclusive redigimos um manifesto em relação a isso, é alterar a lei de responsabilidade fiscal para que ela se torne uma lei de responsabilidade fiscal e social. Queremos colocar um S na lei, ou seja, fazer uma equivalência entre o fiscal e o social.
A dívida brasileira não é apenas financeira, mas também social, e queremos que ela também seja paga. Para isso, precisamos disputar o orçamento como ele é feito hoje em relação aos problemas fiscais.
Rets - Qual seria o impacto de uma lei desse tipo no Orçamento?
Gilda Cabral - O Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes e Bases e a Lei Orçamentária Anual definiriam os gastos sociais, mas precisamos criar também sistemas públicos de monitoramento de execução. Poderíamos contar com o Tribunal de Contas da União e com o Ministério Público em cada cidade, estado e mesmo no governo federal.
É necessário que a sociedade monitore como os recursos estão sendo gastos e pressione por mudanças nas leis para que as metas sociais sejam alcançadas, tanto as específicas quanto as globais. Quanto maior a organização, melhores os resultados alcançados. Na verdade, precisamos operacionalizar o título oito da Constituição, que garante todos os direitos sociais.
Rets - Se a lei de responsabilidade social é descumprida em diversas cidades e estados, o que garantiria o cumprimento de uma lei de responsabilidade social?
Gilda Cabral - É bom esclarecer que não queremos outra lei, mas uma alteração na lei de responsabilidade fiscal. Quanto ao cumprimento da lei, propomos que haja, no âmbito municipal e estadual, um sistema público de monitoramento. Como ele funcionaria, caberia a cada cidade ou estado decidir.
Um sistema de punição já existe em todas as esferas. Isso não mudaria, até porque não queremos punir a sociedade pela má administração e sim o administrador. Mas tudo isso depende da mobilização social.
Rets - Como funcionaria esse sistema público de monitoramento, mais especificamente?
Gilda Cabral - Queremos que ele seja um espaço ocupado apenas por representantes da sociedade civil, oriundos dos conselhos já existentes, como o da Infância e da Adolescência. Além disso, o Ministério Público e o Tribunal de Contas atuariam na fiscalização, tarefa que já lhes cabe.
A elaboração do orçamento é tarefa do Executivo, mas ele também tem que colaborar com a fiscalização. É necessário publicar orçamentos compreensíveis por qualquer um, não só por economistas. Precisamos de transparência na divulgação de informações.
Rets - Como você falou, o cumprimento de uma lei de responsabilidade social depende de mobilização. Como conseguir isso?
Gilda Cabral - Depende do empenho de todos nós. Movimentos sociais, prefeituras, governos e intelectuais precisam começar a discutir formas de reorganizar o orçamento levando em conta a dívida social. Afinal de contas, ninguém empodera ninguém, isso só acontece com ação. Só poderemos avaliar um orçamento se houver mobilização. O capítulo um da Constituição afirma que todo poder emana do povo, logo precisamos exercê-lo.
Esse não é um discurso panfletário. Quero opinar sobre todos os assuntos. Só porque trabalho com a questão de gênero, isso não significa que não possa analisar outros temas. Todos têm que fazer isso, pois a melhor vacina contra a corrupção é a mobilização.
Sonho ver um prefeito pendurar sua proposta de orçamento na porta da prefeitura de forma legível, discuti-la com a população e assim definir as prioridades, apontando na Lei de Diretrizes e Bases a origem dos recursos.
Rets - Já há algum projeto de lei em tramitação que proponha alteração na Lei de Responsabilidade Fiscal, para que ela tenha um caráter mais social?
Gilda Cabral - Há diversos projetos de lei e propostas de emenda constitucional. O fórum está elaborando uma proposta, mas ainda precisamos deixar alguns pontos mais precisos. Assim que ele estiver pronto, o colocaremos no site para que seja alvo de críticas e colaborações. Queremos que o projeto seja construído coletivamente. Nossa previsão é entregá-lo no Fórum Social Brasileiro, que acontece em abril, em Recife.
Rets - Já há algum grupo de parlamentares mobilizado para aprovar o projeto? Quem o apresentará?
Gilda Cabral - Ainda estamos trabalhando no projeto e nossa idéia é apresentá-lo ao Congresso no dia 4 de maio, aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal (aliás, a única lei que ganha bolo e vela de comemoração todo ano). A forma como o projeto será apresentado ainda não foi discutida, mas já contamos com apoio de parlamentares de algumas frentes.
Rets - Com essa mudança na equipe econômica do governo, a vertente social poderia ganhar mais força no orçamento deste ano, que ainda não foi votado?
Gilda Cabral - O Guido Mantega disse que o governo precisava aumentar seus gastos sociais, mas todos sabemos que ele gosta de um superávit primário. Há coisas incompreensíveis nesse governo, como não gastar recursos vinculados para dar credibilidade perante credores.
Rets - O fórum propõe a construção de indicadores de responsabilidade social. Quais seriam eles?
Gilda Cabral - É outro assunto ainda em discussão, mas sabemos que precisamos de dados qualitativos oficiais para avaliar as políticas. Alguns órgãos possuem esses indicadores, mas não os revelam. Estamos discutindo também a construção de um Índice de Responsabilidade Fiscal.
Rets - De quanto seria o investimento social mínimo?
Gilda Cabral - Significativamente maior do que o atual, mas não sei precisar um valor. Temos que inverter prioridades e lembrar que os números possuem sexo e cor. Por isso precisamos garantir que eles cheguem a todos e saber como foram aproveitados.
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