Você está aqui

Sistema penitenciário encena diálogo com seus atores

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Sistema penitenciário encena diálogo com seus atores
Divulgação

Método teatral internacionalmente conhecido, o Teatro do Oprimido, criado por Augusto Boal, chegou às prisões brasileiras tendo como objetivo estimular o diálogo entre os diversos atores do sistema penitenciário. São colocados em cena os principais problemas do dia-a-dia nas prisões, promovendo o debate e a troca de idéias, sempre sob a ótica dos direitos humanos.

A experiência do Centro do Teatro do Oprimido (CTO) nas prisões brasileiras começou em 1998, mas só em 2002 o projeto passou a contar com a parceria do Ministério da Justiça, através do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). A iniciativa já atendeu 156 mil pessoas e, atualmente, atinge em torno de cem prisões brasileiras localizadas nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Piauí, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Bárbara Santos, coordenadora do projeto, conta que a intenção não é solucionar os problemas vividos nas prisões, mas fazer com que, através do teatro, os próprios presos e os profissionais que atuam nas penitenciárias busquem alternativas. Uma vez solicitado por um governo estadual, o CTO oferece dois cursos de capacitação para os servidores do sistema penitenciário. E eles mesmos levam às prisões a técnica do Teatro do Oprimido.

Nesse primeiro momento, explica Fábio Silva, coordenador geral de ensino do Depen, a principal preocupação do projeto é saber como inserir a arte cênica na realidade dos presídios. Ele ressalta que, em muitos casos, o teatro pode suscitar críticas e denúncias que não seriam bem aceitas por alguns setores do sistema. “É preciso ter sensibilidade para atuar nas prisões, pois alguns temas podem gerar retaliações, em vez de solucionar os problemas. Por isso é preciso entender como lidar com cada questão, para não haver incompreensão”.

No primeiro curso, os servidores aprendem técnicas, jogos e exercícios do Teatro do Oprimido e elaboram projetos de atuação junto aos presos e profissionais das prisões estaduais. Logo depois, eles passam a desenvolver as atividades planejadas, contando com a supervisão da equipe do CTO.

Nas prisões, os grupos teatrais montam espetáculos que abordam temas variados, como saúde, educação e condições de trabalho, entre outros. A intenção é promover um debate sobre os problemas existentes e propor meios para lidar com eles. Para isso é utilizada a técnica do Teatro Fórum, que consiste na apresentação de um problema real como espetáculo teatral.

Além de promover o diálogo interno nas prisões, o projeto busca estimular a interação com a sociedade, através da encenação pública de seus espetáculos. Esses eventos são uma forma de levar os problemas locais até autoridades e representantes da sociedade civil.

Para Bárbara Santos, o Teatro do Oprimido está ajudando a mudar a realidade nos presídios. Segundo ela, o diálogo é o meio mais eficaz para buscar alternativas. “A partir das apresentações, podem ser geradas propostas para a solução de problemas simples, como a construção de uma rampa em determinado lugar, ou contribuir para transformações mais complexas, como a mudança da legislação sobre o tema, por exemplo”.

Além disso, Fábio Silva acredita que essa é uma forma de estimular a participação da sociedade civil na formulação de políticas públicas eficientes para lidar com o sistema penitenciário. “Essa é uma maneira de fazer com que presos e agentes penitenciários se expressem. Além de ser também um meio para que a sociedade tenha consciência da dimensão das dificuldades existentes nos presídios brasileiros”.

Bárbara Santos defende ainda que o teatro pode ser um meio importante para que presos e profissionais se reconheçam como atores sociais capazes de mudar sua realidade. “O sistema penitenciário se caracteriza pela pouca troca de idéias. Tanto presos como agentes possuem discursos prontos e fechados ao diálogo. Nossa intenção é fazer com que presos e agentes se reconheçam como atores sociais e dialoguem entre si e com a sociedade civil para poderem resolver questões que os preocupam”.

A princípio, ela prossegue, detentos e servidores receberam o projeto com desconfiança, pois não se achavam capazes de se expressar como atores, nem imaginavam que o teatro poderia ajudá-los. No entanto, desde sua implantação, o projeto vem trazendo resultados positivos e gerando repercussão até mesmo no exterior.

“Por ser um projeto que enfoca arte e direitos humanos, ele acaba chamando muita atenção", diz Fábio Sá. "Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, os sistemas prisionais são carentes de políticas públicas eficientes e de uma maior participação da sociedade. No caso da Argentina, apresentamos o projeto no ano passado, durante um Festival sobre Artes e Direitos Humanos. Em Portugal, a iniciativa foi discutida durante o seminário 'Direitos Humanos nas Prisões', no qual uma das principais preocupações era como estimular a participação da sociedade civil nas questões relacionadas às prisões”. 

E em São Paulo a técnica do Teatro do Oprimido foi incluída no curso de formação de agentes penitenciários como uma maneira de discutir os direitos humanos nos presídios. A avaliação dos primeiros impactos do projeto nos estados será feita em agosto. Haverá uma reunião entre representantes do Ministério da Justiça e equipes de cada estado. O evento será realizado em Brasília (DF) e também buscará propor medidas para conservar esse espaço de discussão e debate no dia-a-dia das instituições prisionais.

Ainda em agosto, a fim de aprofundar a discussão sobre o sistema penitenciário brasileiro, o Centro do Teatro do Oprimido realiza o Festival Nacional de Teatro, que vai debater temas como direitos humanos dos presos (como saúde, educação e trabalho) e a segurança dos agentes penitenciários.

Joana Moscatelli

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer