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Rebelião juvenil européia: exigindo o possível

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Rebelião juvenil européia: exigindo o possível
Foto: Thierry Bordas / EPA

Marcel Bursztyn*

A recente insurreição juvenil na Europa, com epicentro na periferia de Paris, é o retrato do mal-estar social deste inicio de século. Fenômeno absolutamente previsível – dada a situação dos cinturões de exclusão social que se formam em torno das ricas cidades do continente – eclode de forma surpreendente e deixa todos perplexos e sem explicação. Os políticos buscam improvisar soluções, que vão do toque de recolher a paliativos de iniciativas sociais. Os sociólogos tentam entender, mas as teorias sempre chegam depois dos fatos. A mídia abre amplo espaço, em matérias de primeira página, mas as notícias não vão além da narrativa, sem explicação.

Alguns procuram uma analogia com a rebelião estudantil de maio de 1968. Mas além das vitrines quebradas, muros pichados e veículos incendiados, pouco há em comum.

O ano de 1968 é sempre evocado como marco de rupturas. O mundo vivia o apogeu de um longo período de prosperidade econômica, que os acadêmicos chamaram de “os 30 anos gloriosos”, iniciados logo após a Segunda Guerra Mundial e encerrados abruptamente com a crise do petróleo, em meados da década de 1970. A tônica de 1968 era a ruptura com padrões comportamentais atrasados, que não mais condiziam com os novos tempos. A pílula anticoncepcional trazia as mulheres para a arena da participação na sociedade e lançava a liberdade sexual como tema da ordem do dia. A Guerra do Vietnam evidenciava a estupidez das agressões internacionais e do uso de jovens conscritos como bucha de canhão. Nos EUA, em particular, os negros se levantavam contra a ancestral discriminação que sofriam. O conservadorismo das instituições educacionais já não condizia com a expectativa dos jovens universitários, que repetiam o refrão de Che Guevara: “sejamos razoáveis: exijamos o impossível”. Aqui, Caetano lançava É Proibido Proibir.

Em 1968, o Brasil lutava contra a ditadura militar. Os estudantes combatiam nas ruas e operários se mobilizavam para suas batalhas. Fenômeno similar acontecia na Argentina, México, Alemanha, Califórnia, França. Não era, portanto, apenas uma luta contra um regime político. Era uma reação contra um estado de coisas. Havia, em toda parte, uma certa ordem nas diferentes manifestações rebeldes: a recusa ao modo de vida e às regras do jogo que o capitalismo impunha. Por trás das manifestações estava um sonho, uma utopia. Foram momentos de explosão coletiva, em busca de saídas coletivas, de construir um mundo melhor.

A atual rebelião dos jovens europeus é diferente. Não é uma reação aos costumes. É uma explosão de raiva, um extravasar de sentimentos contidos. Eles não pedem uma nova sociedade; querem ser aceitos e respeitados nessa. Estão fartos de serem estrangeiros em sua própria terra. Filhos de emigrantes, mas nascidos na Europa, sofrem a dura exclusão de serem muçulmanos, negros, mestiços.

Quando a razão econômica conduziu mesmo os países mais ricos a uma paradoxal situação em que o avanço tecnológico permite uma desconcertante convivência do crescimento com o aumento do desemprego, esses jovens foram os primeiros a ficar de fora. Estão fora do mercado de trabalho, como sempre estiveram fora da aceitação como cidadãos de fato. Diferentemente de seus pais, que migraram para a Europa quando havia trabalho em abundância e faltava mão-de-obra, os que agora incendeiam carros são vítimas de uma crise de identidade: não têm vínculos culturais com a terra dos pais e não são aceitos no país onde nasceram e se criaram. Como assinalou Cristovam Buarque (Os Instrangeiros – a aventura da opinião na fronteira dos séculos, Ed. Garamond, Rio, 2002) estes são os estrangeiros em seu próprio país. A analogia com a imagem de “instrangeiros” é inevitável. No caso brasileiro, são os nordestinos, que migram para as grandes cidades, mas são sempre os que vivem em piores condições, trabalham de forma mais precária e são identificados como população-problema. Desterrados, são vítimas de todos os estigmas negativos.

A atual rebelião juvenil européia é mais do que apenas expressão de vandalismo. É ao mesmo tempo um pedido de socorro, de atenção, e uma demonstração de recusa. Recusa à fatalidade da exclusão social, que os condena à condição de desnecessários e indesejáveis. Mas não parece estar alicerçada em um projeto de utopia. Diferentemente de 1968, quando os jovens expressaram sua recusa em entrar para o establishment, os que promovem a revolta de agora não querem mudar o mundo; apenas pedem para entrar. É uma exigência razoável; afinal, não estão querendo o impossível.

* Marcel Bursztyn é doutor em Desenvolvimento Econômico e Social, com pós-doutorado nas áreas de Análise Institucional, Estado e Governo, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas, Desenvolvimento Sustentável, Economia dos Programas de Bem-Estar Social. Também é diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB), em cujo site este artigo foi publicado originalmente.





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