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Abril Indígena

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Abril Indígena
Foto: Reuters

Esta semana, mais de 500 lideranças indígenas de todo o Brasil se reuniram em Brasília (DF), na Esplanada dos Ministérios, para discutir formas de garantir os direitos dos povos indígenas. O encontro, batizado de Acampamento Terra Livre, marcou o início das manifestações que integram a programação do terceiro Abril Indígena, o mais importante evento de articulação e expressão política dos povos e organizações indígenas do Brasil. Organizadas pelo Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as manifestações têm como objetivo fazer um balanço das políticas e ações do governo Lula, reafirmar as reivindicações do Acampamento Terra Livre de 2005 no contexto do Estatuto dos Povos Indígenas e rediscutir princípios, estratégias de luta e reivindicações do movimento indígena no momento político atual. O acampamento deste ano, de 4 a 6 de abril, elaborou um documento de avaliação que foi apresentado no Senado Federal, em audiência pública.

Durante o acampamento, indígenas e indigenistas realizaram uma análise de conjuntura focada na política indigenista do governo brasileiro e na situação das terras indígenas no Brasil, sobretudo no que se refere ao acesso, à proteção e à gestão dos territórios. Outros pontos da pauta foram o atendimento à saúde, a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, a ser realizada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), em Brasília, de 12 a 19 de abril, e a recém criada Comissão Nacional de Política Indigenista – conquista resultante das mobilizações de 2005. “O acampamento é um espaço de interlocução de povos indígenas de todo o país, onde listamos as demanda dos povos indígenas”, explica Uiton Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), que faz parte da Apib.

Segundo a avaliação das organizações, é preciso desenvolver uma política indigenista. “O governo Lula manteve uma política indigenista retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão indigenista com a política indigenista”, afirma a Carta da Mobilização Nacional Terra Livre - Abril Indígena 2006.

Além do Acampamento Terra Livre, o calendário do Abril Indígena terá uma série de atividades e manifestações por todo Brasil: comemoração de um ano da homologação da terra Raposa Serra do Sol, em Roraima, no dia 15; Semana dos Povos Indígenas (mobilizações nos estados planejadas durante o Acampamento Terra Livre), no dia 19; participação no Fórum Social Brasileiro, em Recife (PE), de 20 a 23 de abril; e a Assembléia da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), em Roraima, de 21 a 26 de abril.

Saldo negativo

O ano de 2006 começou mal para a luta do movimento indígena. A declaração do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, de que haveria “terra demais para pouco índio” no Brasil, no fim de janeiro, foi recebida com indignação pelo movimento indígena. Em carta aberta, divulgada em fevereiro, o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) afirmou que “o saldo da política indigenista do atual governo é negativo”, com flagrantes de violações dos direitos consagrados dos povos indígenas, a exemplo da invasão e agressão da Polícia Federal aos Tupiniquins, em Aracruz (ES), da expulsão dos Guaranis de suas terras, em Nhanderu Marangatu (MS), e o descaso generalizado com a saúde dos povos indígenas em distintas regiões do país. A carta denunciou ainda o alinhamento do Governo Federal com os setores antiindígenas da sociedade, ligados ao agronegócio, e reiterou todas as reivindicações apresentadas na mobilização do Abril Indígena de 2005, especialmente para que sejam retomados e concluídos os processos administrativos para a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas.

“Não existe uma política definida do governo. Os setores antiindigenistas têm crescido e a questão fundiária tem sofrido um grande retrocesso”, enfatiza Uiton Tuxá.

A Carta da Mobilização Nacional Terra Livre, produzida no Abril Indígena de 2005, destacou que “o tratamento vacilante da Funai e do Ministério da Justiça na garantia dos direitos territoriais indígenas tem resultado em obstruções aos procedimentos de regularização de terras indígenas e lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias Declaratórias [que estabelecem os limites de uma terra indígena e determinam o início da demarcação]”. Demonstrou ainda preocupação com o tratamento dado à regularização de terras indígenas nos estados de Santa Catarina, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, “onde pressões políticas tem se sobreposto aos direitos indígenas”.

Mesmo com as mobilizações, o quadro foi dramático para os povos indígenas no ano passado, com a intensificação da violência e das agressões contra seus territórios. O ano terminou com 38 assassinatos de líderes indígenas, maior número dos últimos 11 anos. Nos três anos de mandato do governo atual, ocorreram 108 assassinatos, uma média de 36 por ano. A violência também cresceu com o aumento do número de invasões de terras indígenas e da depredação de seus recursos naturais, ações promovidas pelo agronegócio e por mineradoras.

A lentidão do processo das demarcações, segundo o movimento, é uma das principais causas do crescimento do número de conflitos pela posse da terra indígena e dos assassinatos de indígenas. “O governo não tem dado importância à homologação. Assim, são os indígenas que fazem a proteção das suas terras. Eles enfrentam a pistolagem, contratada por latifundiários e, às vezes, até a polícia local”, diz Uiton Tuxá.

No que se refere à quantidade de terras declaradas, isto é, que tiveram sua Portaria Declaratória publicada pelo Ministério da Justiça no Diário Oficial, o resultado foi frustrante para os indígenas: das 14 terras paradas no Ministério da Justiça, apenas uma foi declarada.

Obstáculos

De acordo com a assessoria de imprensa da Funai, o processo de demarcação de terras indígenas no Brasil é prejudicado pelos obstáculos judiciais: “A situação de Mato Grosso do Sul é paradigmática: a terra indígena Nhanderu Marangatu, por exemplo, foi homologada pelo presidente Lula em março de 2005, mas teve seu efeito suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro do ano passado; outras terras no Estado, como Cachoeirinha, Yvy-Katu, Jatayvary e Guyraroká, todas já identificadas pela Funai, estão com seus processos administrativos paralisados pela Justiça federal”.

A Funai, no entanto, garante que está empenhada na regularização das terras indígenas. “A demarcação de terras Guarani em Mato Grosso do Sul, por exemplo, é ação prioritária da atual gestão da Funai. Entre 2004 e 2005, foram concluídas cinco identificações de terras (Arroio-Korá, Guyraroká, Yvy-Katu, Jatayvary e Taquara), com extensão média de 9 mil hectares. Neste ano, serão concluídos os estudos de identificação de outras três terras Guarani no estado”, informou a assessoria.

Sobre as declarações do presidente da Funai, em fevereiro, a assessoria de imprensa diz que estas foram descontextualizadas, o que propiciou um mal-entendido: “Em nenhum momento da entrevista na Reuters ou em qualquer outra ocasião, Mércio Pereira Gomes questionou o direito dos índios a terras tradicionalmente ocupadas por eles, equívoco que chegou a ser propagado em razão de interpretações sensacionalistas”.

O movimento, por outro lado, acusa a Funai de não abrir espaços de diálogo para os indígenas e não considerar os seus direitos. “A Funai é um órgão criado durante a ditadura militar, essa é uma marca forte da instituição. Na época, os indígenas eram considerados uma categoria transitória. De acordo com o Estatuto do Índio (Lei 6001, de 1973), a idéia era integrar os índios à comunidade nacional, para que eles ‘deixassem de ser índios’ e se tornassem ‘civilizados’. A Funai sofre hoje influência direta de grupos políticos e econômicos”, diz Saulo Feitosa vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma das entidades que integram o FDDI.

Perspectivas

A atuação do atual governo é uma grande frustração para as organizações indígenas, segundo Gilberto Azanha, do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), entidade que faz parte do FDDI. “Os indígenas votaram em massa nesse governo, que deveria ser mais próximo dos movimentos sociais”, diz. Gilberto não acredita que haja muitos avanços na política indigenista este ano, em razão das campanhas eleitorais. “Os compromissos eleitorais de campanha e as alianças podem a piorar situação. Provavelmente vai haver uma pressão para que não se mexa na questão de terra”, prevê.

Apesar de as perspectivas não serem muito boas, os indígenas têm agora uma maior possibilidade de influenciar as políticas indigenistas. Trata-se da criação de um canal de diálogo com o governo, principal conquista do Abril Indígena de 2005. A proposta era a criação de um Conselho Nacional de Política Indigenista, composto por representantes dos povos indígenas, das entidades de apoio à causa indígena e do Governo Federal, com competência deliberativa para coordenar as políticas e ações governamentais dos vários ministérios voltadas para os povos indígenas. Após meses de negociações com o Governo Federal para criação desse Conselho, as lideranças indígenas concordaram com a constituição, por decreto, de uma Comissão Nacional de Política Indigenista, no âmbito do Ministério da Justiça. A Comissão foi criada no dia 22 de março. “É a primeira vez que indígenas participam de um órgão interno do governo”, ressalta Saulo Feitosa.

Mariana Loiola

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