Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
Saudamos a todos os povos indígenas do Brasil, os aqui representados e os ausentes, todos unidos em coração e consciência na luta por uma terra livre de opressão e injustiça. Nos alegramos por esse encontro onde celebramos a luta pela vida, por uma vida com dignidade e paz.
Com essa motivação que nós, as mais de 550 lideranças indígenas abaixo assinadas, representantes de 86 povos indígenas de todo o Brasil, reunidos em Brasília no Acampamento Terra Livre, entre os dias 4 e 6 de abril de 2006, consolidamos neste III Acampamento Terra Livre a Mobilização do Abril Indígena como o mais importante evento de articulação e expressão política dos povos e organizações indígenas do Brasil.
A presente mobilização reforçou a aliança nacional entre dezenas de povos com a consolidação da Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), com o objetivo comum de defender e garantir a efetividade dos direitos indígenas no Brasil.
O balanço da política indigenista do Governo Lula para nós é negativo. Os poucos avanços foram conquistas arrancadas por nossos povos e organizações com muita pressão e luta, inclusive com sacrifícios de vidas de parentes nossos.
Frente a esta realidade, vimos apresentar à sociedade brasileira, ao Governo Federal, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário os resultados das reuniões plenárias e audiências com autoridades realizadas durante esta mobilização nacional, em respeito aos quatro grandes eixos por nós reivindicados.
1. Nova Política Indigenista
- o Governo Lula manteve uma política indigenista retrógrada, tutelar e oficialista, confundindo os interesses dos povos indígenas com os interesses da Funai, confundindo o órgão indigenista com a política indigenista.
- à nossa reivindicação para a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, vinculado à Presidência da República, com competência deliberativa e criado por Lei, o Governo Federal respondeu com a criação, em 23 de março último, de uma Comissão Nacional de Política Indigenista, por decreto e vinculada ao Ministério da Justiça;
- ainda que atendendo em parte o nosso pedido, manifestamos a nossa preocupação com relação às reais condições que serão oferecidas pelo Ministério da Justiça para sua instalação no prazo estabelecido no Decreto e seu pleno funcionamento operacional, garantindo a periodicidade estabelecida, bem como a participação efetiva dos representantes dos povos indígenas e suas organizações e das entidades de apoio à causa indígena.
2. Terras Indígenas
- a marca tutelar do atual governo contaminou a demarcação das terras indígenas que vem sendo gerida como benefício e não como direito, sendo objeto de manipulações técnico/administrativas e barganhas políticas;
- como reflexo dessa perspectiva, a Funai e o Ministério da Justiça permitiram obstruções deliberadas nos procedimentos de regularização de terras indígenas e lentidão na constituição de GTs de identificação, na publicação de resumos de relatórios e principalmente na expedição de Portarias Declaratórias;
- das 14 terras paradas no Ministério da Justiça e levadas ao Ministro da Justiça e ao presidente da Funai para dar solução no Abril Indígena de 2005, apenas uma terra teve Portaria Declaratória publicada;
- as pressões políticas de setores antiiindígenas continuam se sobrepondo aos direitos territoriais indígenas, principalmente nos estados de Santa Catarina, Mato Grosso, Bahia e Mato Grosso do Sul;
- as desintrusões das terras indígenas não acontecem, permitindo o agravamento das ameaças, intimidações e atos de violência contra os povos indígenas, como na TI Raposa Serra do Sol e Caramuru-Paraguassu, do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe;
- exigimos do Governo Federal a retomada do ritmo normal no processo de regularização das Terras Indígenas.
- reiteramos a nossa exigência de revogação da determinação do presidente da Funai em não iniciar os estudos para a revisão de limites de terras indígenas cujas demarcações excluíram indevidamente partes do território tradicional;
- o presidente do Incra assumiu, no Abril Indígena de 2005, o compromisso de realizar uma análise das 74 áreas de conflito envolvendo povos indígenas e pequenos agricultores, com o objetivo de reassentar os pequenos agricultores fora dos territórios indígenas; não tivemos qualquer notícia sobre esta análise.
3. Ameaças aos direitos indígenas no Congresso Nacional
- é grande o volume de proposições legislativas que hoje tramitam no Congresso Nacional contra os direitos indígenas assegurados na Constituição Federal, especialmente os territoriais (destaques: PEC 38/99; PEC 03/04; PLS 188/04);
- face a esta situação, exigimos que os direitos indígenas não devem ser tratados isoladamente, mas de forma articulada dentro do Estatuto dos Povos Indígenas;
- o deputado Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados, comprometeu-se em criar uma Comissão Permanente de Assuntos Indígenas naquela Casa, para discutir e encaminhar todas as demandas relacionadas com a garantia dos direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal.
4. Gestão territorial e sustentabilidade das Terras Indígenas
- continuamos preocupados com a possível desvirtuação, no âmbito da Casa Civil, do Anteprojeto de Lei de acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados saído do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) e elaborado com participação das organizações indígenas e da sociedade civil organizada;
- reivindicamos a participação indígena no CGEN com direito a voto;
- repudiamos o projeto de transposição do rio São Francisco e apoiamos um programa de revitalização do rio;
- repudiamos a determinação do Governo Federal em construir empreendimentos hidreléticos que afetam Terras Indígenas, como Belo Monte, Estreito e os do Rio Madeira.
- reivindicamos que o governo federal assuma como prioridade a criação e implementação de uma Política e Programa Nacional de Gestão Territorial e Proteção da Biodiversidade em Terras Indígenas, com participação dos povos e organizações indígenas, garantindo os recursos necessários para a sua execução;
- reivindicamos que o governo conclua em 2006 o processo de finalização do Projeto Nacional de Gestão Territorial e Proteção da Biodiversidade em Terras Indígenas para encaminhar para aprovação do Fundo Global do Meio Ambiente (GEF);
- Solicitamos a revogação de todos os decretos que criaram unidades de conservação sobrepostas às Terras Indígenas, conforme deliberado na Primeira Conferencia Nacional de Meio Ambiente.
- O Ministério do Meio Ambiente comprometeu-se também, em 2005, em reunir e articular as várias ações e projetos para os povos indígenas dentro do ministério para integrá-las; isto também não foi cumprido.
5 - Saúde Indígena
- Constatamos uma piora acentuada, de 2005 para cá, no atendimento à saúde dos povos indígenas; faltou a capacitação para os indígenas que integram os Conselhos Distritais; os recursos continuam incompatíveis com as demandas dos DSEIs; a falta de autonomia administrativa e financeira dos DSEIs também prosseguiu;
- rechaçamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena visando o uso político-eleitoral da estrutura da Funasa e seu descaso para com uma prestação de serviços de saúde compatível com a realidade dos povos indígenas;
- exigimos que a Funasa se estruture para assumir de fato suas responsabilidades na gestão da saúde indígena, garantindo sua federalização;
- reivindicamos a capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para a fiscalização da aplicação dos recursos e das ações da Funasa;
- exigimos que se garanta a autonomia administrativa e financeira dos DSEIs.
- exigimos a formulação e implementação, pela Funasa, de um plano diferenciado de atenção à saúde da mulher indígena, que inclua ações preventivas efetivas e promoção da saúde da mulher indígena bem como o apoio às iniciativas das organizações das mulheres indígenas e garantia da sua participação em todas instâncias de discussão da saúde da mulher indígena.
- exigimos o reconhecimento e apoio às parteiras, pajés e agentes indígenas de saúde, com a respectiva valorização da medicina tradicional.
- o Ministério da Saúde comprometeu-se, em 2005, em analisar e implementar regras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a Funasa e com o reconhecimento profissional dos agentes indígenas de saúde; isto não foi cumprido.
6 - Educação
- continuamos entendendo que a transferência da execução das ações da educação escolar indígena para os estados – e destes para os municípios – é o principal problema para a implantação de uma educação escolar indígena diferenciada e de qualidade;
- continuamos a exigir do MEC a convocação de uma Conferência Nacional de Educação Indígena e que o Governo Federal estude formas de obrigar aos estados e municípios a cumprirem com as exigências impostas pela Constituição e normais legais que nos asseguram uma educação escolar específica, diferenciada e de qualidade;
- continuamos a exigir a ampliação dos convênios com as universidades públicas federais e estaduais nas regiões e não só com a Universidade de Brasília;
- exigimos do MEC a definição de uma política para os povos indígenas de ensino superior.
- continuamos a exigir do MEC que implemente junto aos estados a abertura dos cursos de ensino médio nas aldeias;
- o MEC se comprometeu, em 2005, a implementar o que chama de “assistência estudantil” – uma bolsa de estudos para manter os estudantes indígenas nas universidades; isto não foi cumprido.
- o MEC se comprometeu, em 2005, em pressionar os estados para garantir a presença indígena nos Conselhos Locais e Nacional do Fundef e em aumentar o orçamento para a educação escolar indígena em 2006; isto também não foi cumprido.
Ressaltamos que o Acampamento Terra Livre é a expressão da vontade de união dos povos indígenas do Brasil entre si e com seus aliados. Apesar das forças contrárias, continuamos determinados a lutar para garantir o irrestrito respeito aos nossos direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Renovamos a nossa esperança na conquista de dias melhores.
Brasília, 6 de abril de 2006
Assinam todos os participantes do III Acampamento Terra Livre
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