Autor original: Mariana Hansen
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
![]() | ![]() |
De acordo com a coordenadora educativa Lívia Duarte, “já era uma tradição no município as crianças tirarem um som em latas e panelas”. Ainda em 1993, já havia bandas de lata no estilo das fanfarras, mas que acabaram por falta de incentivo. Em 98, motivado por um grupo de 12 meninos que queriam aprender percussão, Guiguio, músico profissional na época, montou a Banda de Lata. “Vi nos meninos que me incentivaram a força de vontade, a vontade de ser alguém na vida”, conta.
No mesmo ano, com instrumentos feitos de material reciclado, o grupo fez sua primeira apresentação durante o “Grito dos Excluídos”, a convite da Igreja local, e virou o Boca de Lata. O novo nome veio casado com o figurino. Como as crianças não tinham dinheiro para comprar roupas para as apresentações, foram incentivadas a fabricar seus figurinos a partir de latas recicladas – nesse caso, utilizando as bocas das latas de alumínio de cerveja e refrigerante.
Com o tempo, os ensaios se mostravam insuficientes para ajudar os jovens participantes do Boca de Lata. Veio a preocupação com “o que eles faziam longe dos ensaios. Então resolvemos impor que só ficariam aqueles que estivessem estudando”, conta Lívia. “Os 12 meninos criaram uma curiosidade nos demais”, acrescenta Guiguio. A banda virou projeto e, além dos ensaios, passou a oferecer oficinas de música, teatro, artesanato com material reciclado, ações sócio-educativas, educação ambiental e informática.
Durante as atividades sócio-educativas são abordados temas como identidade, auto-estima e cidadania. Profissionais de fora também são convidados a trabalhar outras questões, como sexualidade e empreendedorismo, em oficinas realizadas mensalmente. Nas oficinas de criação foram desenvolvidos novos instrumentos com qualidade de som melhor. “Os meninos participam de toda a criação. Até eu mesmo estou aprendendo, é uma coisa autodidata”, conta Guiguio. Juntamente com essas ações, também é oferecido um acompanhamento escolar, médico e familiar.
Integrante do grupo desde a primeira formação – a atual é a sexta –, Roni Xisto, de 19 anos, conta que “só de estar no projeto outras portas no mundo se abrem pra gente”. Roni, que hoje é compositor e aprendeu a tocar vários instrumentos, acredita que a iniciativa proporciona oportunidades melhores para seus participantes. “Já entramos até em estúdio”, anima-se. Na busca de reconhecimento, sucesso e uma vida melhor, ele conclui que “o Boca de Lata transforma vidas”.
Com o objetivo de educar pela arte e transformar esses jovens em protagonistas, o projeto luta pelo reconhecimento da sociedade local. “As pessoas pensam que só porque esses meninos são carentes, são marginais e não merecem esse apoio”, protesta Lívia. Ela também lamenta a falta de suporte financeiro para que se ofereça aos beneficiados tudo que se pretende e que eles precisam. “Pra gente, que está desde o começo, a expectativa é sempre conseguir coisas melhores”, observa Roni. “Nós temos uma certeza: a de que este esforço contribui pra inserção dos meninos no mercado de trabalho. Muitos já estão inseridos nele. A gente sabe que contribuiu para que fossem respeitados e tivessem uma consciência de mundo”, ressalta Lívia.
"Abrigue o Boca de Lata"
O projeto, que já chegou a atender cerca de 80 crianças e adolescentes, hoje luta por uma sede própria para dar continuidade às suas atividades. Guiguio conta que, em 2001, “o projeto foi oficializado e nos tornamos uma associação, com toda papelada certinha”. A partir de então, a prefeitura passou a apoiar o projeto e alugou uma casa para a entidade desenvolver seu trabalho. Mas em meados de 2002, o pagamento do aluguel da casa foi suspenso e o grupo teve que deixar o espaço. “Com a perda da sede, também perdemos muitos alunos. O número caiu pela metade”, lamenta Lívia.
Apenas no ano passado, com a nova gestão municipal, eles retomaram o apoio e puderam alugar um novo espaço. Até então, as atividades foram realizadas em lugares emprestados. Com a perda da sede, o grupo chegou a ficar com somente 25 participantes – agora esse número subiu pra 40. “Sabe como é jovem... tem que ver para crer, tem que ser palpável”, comenta Guiguio. Porém a proprietária da nova casa deseja vendê-la e deu um ano para o Boca da Lata juntar o dinheiro para o negócio, no valor de R$ 40 mil. Diante do impasse, foi lançada a campanha “Abrigue o Boca de Lata”, com o objetivo de angariar fundos para aquisição do imóvel.
“A nossa preocupação é passar pelas mesmas dificuldades de novo, perder o espaço e os meninos. Queremos comprar o nosso espaço, para não ficarmos mais na dependência de um apoio externo, nem corrermos o risco de não conseguirmos continuar com o trabalho”, ressalta Lívia. Com a compra do espaço, eles pretendem montar um estúdio para a banda, montar uma biblioteca, uma sala de informática e salas de oficina, construir um anfiteatro na lateral do terreno e uma horta comunitária nos fundos. Esta última empreitada ficaria sob a responsabilidade dos jovens, servindo como fonte de renda extra para eles.
Lívia acredita que com a solução do problema da sede o número de participantes cresça ainda mais e que aqueles que abandonaram as atividades devido ao problema acabem voltando. “Queremos a liberdade para fazer a casa com a nossa cara. A compra da casa seria a maior conquista nesses primeiros quase dez anos de Boca de Lata”, sonha Guiguio.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer