Autor original: Joana Moscatelli
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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Região rica em recursos naturais, a Amazônia é palco de muitos conflitos sociais, econômicos e ambientais. Problemas como grilagem, invasões, queimadas e desmatamento das florestas fazem parte da realidade local e ameaçam não só a biodiversidade existente ali como a própria sobrevivência das comunidades tradicionais. Identificar o que está acontecendo em cada estado da região é o que propõe a Nova Cartografia Social da Amazônia, projeto do antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida em parceria com universidades e movimentos sociais locais, como o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
A experiência teve início em 2005, com o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), e aos poucos foi se expandindo para comunidades ribeirinhas que vivem na Ilha de Marajó e na bacia do rio Jaú, no estado do Amazonas. Mas a idéia, de acordo com o GTA, é transformar essa cartografia em um instrumento científico e social para toda a Amazônia Brasileira. Atualmente, o projeto tem entre seus parceiros o Movimento dos Ribeirinhos e Riberinhas do Amazonas, o Movimento das Mulheres Ribeirinhas, o Movimento das Mulheres Indígenas Ribeirinhas de Barcelos, a Coordenação Nacional Quilombola (Conaq), o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara, o Movimento Indígena da Região Metropolitana de Belém, a Associação dos Quilombolas do Maranhão (Aconeruq) e a Associação das Artesãs de Novo Airão (Aana).
O projeto consiste no levantamento de dados sobre todos os movimentos, conflitos e comunidades existentes na região. A proposta é utilizar o conhecimento dos movimentos sociais para mapear as diferentes situações de uso dos recursos naturais. Maria de Araújo Aquino, coordenadora do GTA, explica que o objetivo desse mapeamento é visualizar a real situação da Amazônia e oferecer um subsídio claro para a elaboração de políticas públicas que visem à resolução dos conflitos locais.
“O propósito é criar condições para que cada comunidade tradicional possa se autocartografar, levando em conta o que de fato é relevante para elas, o que consideram essencial na natureza e na vida cotidiana”, explica o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida .
Com uma metodologia participativa que estimula a atuação das comunidades, a Cartografia pretende levantar todos os tipos de problemas que assolam a região, desde os conflitos de terra até a situação social das pessoas que vivem ali. São realizadas oficinas de mapas, que consistem em reuniões livres, abertas a toda comunidade, onde se discutem temas importantes sobre a realidade local. De acordo com Maria de Araújo Aquino, as próximas regiões a serem mapeadas serão as áreas de extrativismo do Acre, do Amapá e da região Santarém BR-163, onde existem conflitos sociais e agrários.
Até o momento, além da produção de mapas, o projeto, que recebe apoio financeiro da Fundação Ford, produziu o documento “Movimentos sociais, identidade coletiva e conflitos”. São 12 volumes que abordam a situação das quebradeiras e dos quilombolas de vários estados da região, além da realidade das mulheres do Arumã, no Baixo Rio Negro. Além disso, foram produzidos outros três fascículos que retratam a vida dos índios e quilombolas nas cidades. Também foi elaborada uma coleção de livros intitulada "Tradição e ordenamento jurídico".
De acordo com dados do GTA, tanto a situação das artesãs do cipó arumã como a das quebradeiras do babaçu geram questionamentos sobre a validade das políticas ambientais vigentes. O site da organização chega a levantar a seguinte pergunta: “Será que a política ambiental está estruturada apenas para impedir o acesso dos povos tradicionais aos recursos naturais, enquanto interesses empresariais se beneficiam com a devastação de florestas das áreas protegidas?”.
As quebradeiras de babaçu: primeiro caso mapeado
Para Maria Adelina Chagas, coordenadora do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), o grande problema da Amazônia é a “privatização dos recursos naturais”. Ela denuncia que a maioria das palmeiras de babaçu está dentro de propriedades privadas, gerando muitos conflitos. Segundo Adelina, a cada dia a situação piora, e a devastação dos recursos florestais e hídricos coloca em risco a atividade das quebradeiras de coco. Enquanto as quebradeiras utilizam o babaçu para a produção de farinha e sabonete, as empresas siderúrgicas o utilizam apenas para produzir carvão vegetal.
No caso das quebradeiras de coco, foram elaborados 25 mapas que estão disponíveis em cada regional do MIQCB. Além dos mapas, foram preparadas cartilhas e um livro com o nome “Guerra ecológica dos babuçais”. As cartilhas tratam da situação específica de cada regional dos estados onde atua o MIQCB (Maranhão, Piauí, Tocantis e Pará). Os mapas e o livro tratam de uma situação mais geral do movimento das quebradeiras.
O livro cataloga 12 situações recentes que colocam em risco a integridade física das quebradeiras de coco, incluindo ameaças de morte, surras e estupro. De acordo com a publicação, políticas públicas inadequadas e interesses econômicos estão ameaçando a vida de 300 mil mulheres que vivem da extração dos produtos da palmeira do babaçu. Além disso, estão destruindo as florestas das áreas de transição entre Amazônia e Cerrado. De acordo com o MIQCB, porém, foram criadas leis municipais de babaçu livre, que reuniram simultaneamente a preservação dos bosques em terras particulares com a garantia de acesso das quebradeiras para seu uso sustentável. No entanto é preciso lutar para que essas leis sejam de fato aplicadas.
Entre os principais pontos levantados no livro estão a queima de coco inteiro nos quatro estados de atuação do MIQCB; a derrubada, o desmatamento e o envenenamento de palmeiras; o aparecimento da figura do "catador" remunerado a serviço de empresas; a presença de cercas elétricas e de búfalos na Baixada Maranhense e o surgimento do "barracão", com a venda do coco inteiro.
Durante a assembléia geral da Rede GTA, em março de 2005, o professor Alfredo Wagner denunciou o modelo econômico existente na Amazônia. Segundo ele, o agronegócio e o modelo de plantation [monocultura para exportação], ainda muito presente na região, são atrasados e prejudiciais não só ao meio ambiente, como para as comunidades. O antropólogo alerta ainda para as ameaças de assassinatos e estratégias beligerantes contra as comunidades locais por parte “de madeireiras, guzeiras, pecuaristas, mineradoras, indústrias de papel e celulose, carvoarias”.
Identificar os problemas existentes na Amazônia pode ser o primeiro passo para resolvê-los. Maria de Araújo Aquino como Adelina Chagas concordam que esse mapeamento proposto pela Cartografia Social da Amazônia é fundamental para orientar a elaboração de políticas públicas para a região.
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