Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Artigos de opinião
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Nos últimos dias, temos vivenciado no Rio de Janeiro situações que, não fossem escandalosas, seriam bizarras. Estas envolvem o ex-governador do estado, Anthony Garotinho, e a relação do atual governo com ONGs, utilização de entidades-laranja, desvio de dinheiro público e práticas políticas em relação às quais a sociedade vem tendo postura bastante crítica.
Antes de entrar no mérito dos temas, a Abong gostaria de parabenizar a mídia escrita e televisiva pelo trabalho incansável de investigação, denúncia e exposição dos mecanismos de corrupção e desvio de dinheiro público. Gostaríamos de nos pronunciar quanto a alguns elementos desse debate os quais precisam ser considerados.
O primeiro refere-se à forma com que historicamente lida-se com dinheiro público neste país. A naturalização da corrupção, da apropriação indébita de recursos públicos para o fortalecimento de projetos particulares, partidários ou mesmo de enriquecimento pessoal tem se constituído em forte tônica da nossa sociedade, parecendo basear-se na premissa segundo a qual o que é público não pertence a ninguém. Não é preciso repetir a ladainha do quanto a corrupção do colarinho branco contribui para o aprofundamento das mazelas sociais. Mas há também outro elemento atingido no coração com tal perfil de ação: a democracia – ferida, inclusive, no que se refere ao direito de associar-se livremente para a construção de um projeto de sociedade.
As ONGs são organizações que existem desde a antiga República, tendo sido regulamentadas como organizações sem fins lucrativos no primeiro Código Civil, da década de 30, e posteriormente, nos anos de 1980, tendo recebido a denominação de organizações não-governamentais – ONGs.
A população tem pouca informação sobre o que são esses agentes, quais os seus projetos e papel sociais. Ao longo dos anos, diversas organizações, reunidas na Associação Brasileira de ONGs (Abong) e de outros campos, têm se esforçado em dar visibilidade ao seu trabalho, explicitando o que essas organizações são, quem está por trás delas, o que e como fazem. Mesmo com todo esse esforço, a democracia é sempre algo em construção. Na realidade, mesmo o marco regulatório das ONGs ainda tem pouco contribuído para a definição pública de sua identidade, e esse tem sido um dos focos de atuação da Abong para que a regulamentação jurídica expresse a real natureza das entidades desse universo. Mas, de fato, ainda é preciso melhorar a comunicação entre essas organizações e a sociedade.
No entanto entidades como a Abong, a qual aglutina nacionalmente cerca de 300 organizações historicamente ligadas às lutas por direitos humanos e democratização do Estado brasileiro, tem como um de seus principais objetivos contribuir para definir a identidade das ONGs, disputando abertamente o preenchimento do conceito de não-governamental. Essa disputa se faz em torno de assegurar um perfil ético, coerente e transparente das nossas ações. Alguns exemplos são dados ao publicarmos os balancetes das organizações em nossos sites, ao defendermos uma legislação própria para as ONGs, bem como publicarmos o perfil das associadas.
A Abong não é uma organização corporativa, a qual a priori defende toda e qualquer ONG existente em território brasileiro. Por isso, sabemos que as manchetes não nos afetam diretamente, pois somos antagônicos a esse tipo de prática. No entanto em muito nos incomoda o uso perverso desse formato de associação, embora saibamos que desvio de recursos pode acontecer através de qualquer tipo de organização – empresarial, sindical, clubes, entre outros.
Nossa preocupação, que não passa por defender interesses corporativos, articula-se centralmente ao fortalecimento da democracia e, inevitavelmente, à garantia de transparência, visibilidade e prestação de contas públicas de como e o que fazem as ONGs. Embora organizações privadas, muitas delas utilizam, legitimamente, em sua maioria, recursos de fundos públicos e têm práticas voltadas para o fortalecimento de esferas públicas. Para garantir sua idoneidade, faz-se necessário: (a) ter uma sociedade atenta e vigilante às formas de gestão do Estado, com controle social sobre recursos e investimentos públicos; (b) ter regulação clara e precisa sobre natureza das organizações, formas de prestação de contas, bem como critérios rígidos e democráticos de acesso a fundos públicos e mecanismos de fiscalização e punição de infratores; (c) que as ONGs tenham clareza sobre o seu papel e o compromisso ético com prestação de contas e gestão de dinheiro público.
Somos um campo político o qual aglutina organizações éticas, comprometidas com a formação crítica da sociedade para a cidadania e com a construção de um Estado brasileiro democrático e universal na concessão de direitos. Nosso compromisso prioritário é com o processo democrático, com a garantia de direitos e com o combate às desigualdades sociais. A politicagem, a malversação de recursos públicos e a corrupção são elementos incompatíveis com a construção de um Estado transparente e democrático. Fere também a crença da sociedade e de gestores éticos na relação com organizações não-governamentais, em sua maioria comprometidas com trabalhos sérios. Consideramos fundamental a apuração rigorosa – e com punições cabíveis – por parte do Ministério Público, da própria Assembléia Legislativa, com acompanhamento permanente da mídia, sobre a relação promíscua de um determinado perfil de ONGs na relação com o governo estadual para desvio de recursos públicos, visando esclarecer a todos o que realmente ocorreu – e para que fins.
* Tatiana Dahmer Pereira (tdahmer@fase.org.br) e Ricardo Ferreira de Mello (ricardomello@cedacnet.org.br) são diretores da Regional Sudeste da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), www.abong.org.br.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.
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