Autor original: Luísa Gockel
Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor
Em artigo intitulado “Crime ambiental e erro histórico”, publicado no jornal O Globo em fevereiro de 2005, o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, critica o reconhecimento da comunidade da ilha da Marambaia como remanescente de quilombolas. No texto, ele afirma que “é um erro supor que teriam existido quilombos numa área como aquela, com as características comerciais citadas, e onde a impossível mobilidade e a arriscada proximidade certamente impediriam que as fugas produzissem quilombos”.
Em meio a várias críticas à comunidade, como a de que estaria degradando o meio ambiente e seria formada por invasores, o prefeito criticou o decreto 4.887, de novembro de 2003, que determinava que os descendentes dos quilombolas da Marambaia teriam direito sobre o solo, e o classificou como “ingênuo”. Em texto publicado na época, em resposta ao artigo do prefeito, o coordenador do Observatório Quilombola, José Maurício Arruti, afirmou que ele estaria sendo preconceituoso e desinformado, fazendo confusão entre os termos.
Segundo Arruti, Maia "usa um conceito equivocado de 'remanescentes de quilombos' e sobrepõe os debates sobre a Marambaia e sobre o decreto presidencial como se fossem um só”. Ele explicou ainda que a utilização do conceito de quilombolas apenas como escravos que fugiram e se organizaram em quilombos já foi superada. “Se na historiografia o quilombo era a designação atribuída a um grupo de escravos fugidos e se na mitologia criada em torno do tema isso remete a uma comunidade tipicamente africana, isso não se aplica ao conteúdo do artigo 68”, diz, referindo-se ao artigo da Constituição que reconhece os direitos dos quilombolas.
Arruti explicou que os debates travados entre movimentos sociais, parlamentares e acadêmicos desde 1992 chegaram a um consenso em torno da ressemantização do termo quilombos, no contexto do artigo constitucional. E concluiu: “O artigo lança mão dessa figura histórica e ideológica, por meio da expressão 'remanescentes de quilombos', para contemplar aquelas comunidades que, tendo ligações históricas com a população africana escravizada no Brasil, se mantiveram relativamente distintas dos outros setores da sociedade brasileira por perseverarem em uma determinada organização social, sustentada no parentesco, na memória e na posse de um território comum”.
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