Autor original: Joana Moscatelli
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Entre 2004 e 2005, mais de 2 mil pessoas assistiram ao espetáculo “Reconstruindo a palavra” em São Paulo (SP). “Para muitos, aquilo foi uma lição de vida”, conta, entusiasmado, Saliba Filho, diretor da peça e atual diretor executivo da ONG Ser em Cena. No elenco, pacientes vítimas de afasia - déficit geral da linguagem decorrente de uma lesão no hemisfério esquerdo do cérebro – que declamam poesias, atuam com mímicas e jograis e brincam com o tema da palavra.
“Emocionado”. Assim Nichollas Wahba, fundador da ONG e atualmente assistente de direção do trabalho teatral desenvolvido pela entidade, define a reação do público que foi assistir à peça no Teatro Bibi Ferreira, em São Paulo. A peça foi o primeiro trabalho do grupo teatral que se formou em 2002 e que deu origem, dois anos depois, à ONG Ser em Cena. Desde então, a iniciativa vem buscando reabilitar pessoas com dificuldades de comunicação, principalmente aquelas acometidas pela afasia.
Para Saliba Filho, o teatro “cria uma comunhão entre as pessoas” e permite uma maior compreensão da realidade à sua volta, podendo assim promover sua integração na sociedade. Muitas pessoas vítimas de afasia, explica o professor, podem perder a capacidade de compreensão e linguagem bem como ter partes do corpo comprometidas.
Foi o caso de Wahba, que em 1988 sofreu um acidente de carro e teve o lado esquerdo do cérebro comprometido. Seguindo uma indicação de seu médico, procurou a fonoaudióloga Fernanda Papaterra Limongi e logo depois, por interesse próprio, entrou em um grupo de teatro amador de São Paulo.
Ele conta que a inspiração para o Ser em Cena veio do Canadá, quando Fernanda Papaterra participou de um congresso de fonoaudiologia cuja apresentação final foi do grupo teatral de afásicos, Le Théâtre Aphasique. Papaterra, que já tinha trabalhado com Wahba e conhecia sua trajetória no teatro, propôs, então, fazer algo semelhante no Brasil.
Além de reabilitar os pacientes, a organização busca também, através da arte dramática, divulgar e sensibilizar as autoridades e a população sobre a realidade vivida por essas pessoas. “Além de buscar sensibilizar, fazemos um trabalho de socialização no qual as pessoas com afasia possam trocar experiências e idéias. A partir daí, desenvolvemos o trabalho teatral com jogos dramáticos, aulas de música e canto, técnicas de mímica e clown, ioga, tai chi chuan ...”, enumera Saliba Filho.
Atualmente, são atendidas cerca de 30 pessoas em duas turmas diferentes, mas ainda existem 40 vagas disponíveis para quem tiver interesse. Além do grupo que se formou em 2002, há uma segunda turma que há dois anos tem aula no Serviço Social do Comércio (SESC) localizado no bairro da Consolação, na capital paulista. Para participar, explica Saliba Filho, é preciso apenas ter uma certa independência e estar consciente: “Cada caso é um caso, mas em geral todos aqueles que possuem consciência de seus atos podem participar”.
O tratamento oferecido pela organização busca melhorar a comunicação oral dos pacientes, oferecendo um espaço onde possam trocar experiências e idéias. O trabalho de arte dramática e fonoaudiologia é desenvolvido aos poucos, de acordo com as particularidades de cada aluno. São promovidas atividades que trabalham ritmo, equilíbrio, postura, mímica, jogos dramáticos, leitura de textos, improvisação, interpretação, entre outros pontos. Além disso, é oferecido suporte psicológico aos pacientes e orientação aos familiares.
“Os pacientes chegam inseguros, receosos, e o que tentamos fazer é respeitar o tempo deles, as necessidades específicas de cada um. Assim, em nossas aulas entramos em outro tempo. O primeiro grupo foi formado em 2002, com oito pessoas vítimas da afasia e até hoje não houve nenhuma desistência. Os participantes desse grupo têm hoje muito mais facilidade de entender o que acontece ao seu redor do que antes, a relação com a família também melhorou e passaram a ser mais independentes”, comemora Saliba Filho.
Entre os resultados positivos, a organização destaca a melhora na comunicação verbal e expressiva de todos os alunos. O teatro deu auto-estima, segurança e motivação aos pacientes. “O teatro dá ânimo às pessoas, obriga a pessoa a falar e andar de acordo com seus limites, desenvolve a expressão da voz e do corpo e melhora, assim, a comunicação”, explica Wahba.
Além do Teatro Bibi Ferreira, a peça “Reconstruindo a palavra” foi apresentada na Universidade Bandeirante (Uniban) em São Paulo para fonoaudiólogos, estudantes de fonoaudiologia e pacientes afásicos. As próximas apresentações serão feitas de 26 a 28 de maio no Clube Alto dos Pinheiros, em São Paulo. Os ingressos podem ser comprados pelo telefone (11) 3801-8166.
Além do trabalho teatral, são realizados encontros semanais onde se discutem temas como saúde, acidente vascular cerebral (AVC) e afasia. São palestras geralmente ministradas pelos profissionais da organização e ex-portadores de afasia, como Wahba. Em 2004, a organização também realizou oficinas teatrais específicas para um grupo de 25 pessoas com Doença de Parkinson, em parceria com a Associação Brasil Parkinson (ABP).
De acordo com dados da ONG, existem no Brasil aproximadamente 160 mil pessoas com afasia, considerando apenas os casos causados por acidentes vasculares cerebrais (AVC). A intenção da organização é se tornar, no futuro, um centro de referência para o tema, oferecendo um vasto acervo de informação. Além disso, a ONG pretende aumentar para 105 o número de pessoas atendidas e ampliar a divulgação de seu trabalho em universidades, escolas, hospitais, congressos e seminários.
A matéria foi alterada no dia 18 de maio de 2006.
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