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Para o público ver

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor






Para o público ver

Duas publicações lançadas esta semana atendem a uma antiga reivindicação da sociedade civil: o aumento do número de informações sobre as atividades do poder público. A primeira é o livro “Diretrizes políticas para o desenvolvimento e promoção da informação governamental de domínio público”, editado pela Unesco em português pela primeira vez. Ele traz esclarecimentos sobre a importância de disponibilizar informações de governo e formas de fazer isso acontecer. A versão brasileira está sendo vendida por R$ 20 na página da instituição internacional (www.unesco.org.br). O texto também está disponível para download em inglês, francês e espanhol no mesmo endereço.

Já a segunda publicação é um exemplo do que sugere a primeira, apesar de as duas não possuírem nenhum tipo de relação. A Câmara dos Deputados lançou na última quarta-feira, 10 de maio, seu primeiro anuário estatístico, referente a 2005. O documento, disponível na página da Câmara [ver link ao lado], traz tabelas sobre o trabalho da casa durante o ano passado, como a quantidade de projetos de lei votados, medidas provisórias aprovadas entre outras tarefas que cabem ao legislativo.

“Esse tipo de publicação é fundamental para a democracia”, afirma Maria Inês Bastos, coordenadora de comunicação e informação da Unesco no Brasil, referindo-se ao livro que sua entidade está lançando. “E o documento da Câmara só prova isso”.

Já o deputado Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados, afirma que com a publicação do anuário a Câmara está cumprindo o artigo 37 da Constituição, cujo objetivo é garantir o princípio da publicidade da administração. “É da natureza do Poder Legislativo ser o mais transparente dos poderes da República”, escreve na introdução do livro de 256 páginas, cujo download é gratuito.

Diretrizes

O livro da Unesco mostra formas de estabelecimento de um sistema de informação pública eficiente e capaz de dar mais transparência à administração democrática. Além disso, tira dúvidas sobre questões como o risco de disponibilizar documentos e informações na Internet -principal meio de divulgação, segundo ela - e não ferir direitos autorais e questões de segurança.

A autoria é de Paul Uhlir, norte-americano diretor de Programas Internacionais de Informação em Ciência e Tecnologia da Academia Nacional de Ciências dos EUA e um dos maiores especialistas em direito autoral do mundo.

“A Unesco tem mandato internacional sobre a questão da informação. Nossa missão é promover o livre trânsito de dados e por isso percebemos a demanda por uma publicação que orientasse políticos e organizações sobre como colocar suas informações à disposição dos cidadãos”, afirma Bastos.

O livro possui dois capítulos principais. Um explica a importância de tornar públicas as atividades dos governos; o outro, maneiras de se conseguir isso.

“Para a informação produzida por governos, um dos principais valores não-econômicos que resultam de colocar a informação oficial em domínio público é a transparência da administração e a promoção dos ideais democráticos: igualdade, democracia, abertura. Quanto maior for a informação posta abertamente à disposição do público pelo governo e sobre o governo, menor será a probabilidade de que esse governo possa ocultar atos ilícitos, corrupção e má gestão. Ao contrário, o segredo excessivo engendra a tirania”, afirma o primeiro capítulo.

Se o primeiro capítulo é mais teórico, com explanações sobre a importância de aumentar a transparência do Estado, o segundo, por sua vez, pretende orientar o governante a tornar essa teoria uma prática. Esta, por sinal, traria diversas vantagens. “Muitos desses benefícios não são quantificáveis e transcendem amplamente a mera esfera econômica para incluir os âmbitos do bem-estar social, a educação, a cultura e o exercício do governo, ou seja, valores que contribuem para alcançar os objetivos nacionais em termos de desenvolvimento”, escreve Paul Uhlir.

Em primeiro lugar, afirma o documento, é necessário construir uma “política nacional de informação”. Suas bases devem estar de acordo com as necessidades de cada país e com o respeito aos direitos de privacidade e de autoria dos documentos a serem disponibilizados ao público. Outro ponto a ser verificado pelos governantes no momento da implementação de um programa de difusão de informações públicas é a segurança, tanto política quanto econômica.

O documento admite que nem todo dado deve ser divulgado, sob pena de gerar danos ao quadro político nacional e mesmo internacional, além de prejudicar os negócios. Por outro lado, garante, isso não deve ser transformado em desculpa para que muitas informações importantes, como as despesas de uma administração, não sejam divulgadas.

Por isso Uhlir sugere a criação de um órgão governamental especializado na divulgação de informações, pois isso facilitaria o trabalho de coleta de dados. “A supervisão e coordenação da política de informação de domínio público para o país exige uma autoridade firme e, ao mesmo tempo, uma redução da burocracia e ineficiência administrativa”, escreve o autor. Estariam em sintonia com esse órgão subdivisões de cada pasta governamental responsável pela administração dos dados de sua unidade.

A forma mais barata e eficiente de divulgação, diz o especialista, é a internet. Daí sugere a criação de páginas eletrônicas onde todas as informações possam ser obtidas. A iniciativa também estimularia a organização de dados em cada ministério e secretaria em formato eletrônico, diminuindo custos e facilitando sua busca.

O terceiro capítulo aborda a importância de garantir o exercício dos direitos de propriedade intelectual sobre as obras disponibilizadas.

Anuário

Um exemplo de como pode funcionar a transparência de informações é o anuário estatístico lançado pela Câmara. Fácil de ler, a publicação faz um apanhado geral sobre o que foi feito na casa no ano passado. Assim, podemos saber que em 2005 foram votadas 46 Medidas Provisórias, quatro a mais que o número de projetos de lei. Também é possível saber que houve 27 votações de propostas de emendas constitucionais, para não falar nas demais proposições, como destaques e emendas.

O estudo traz ainda informações sobre o trabalho das 20 Comissões Permanentes da Câmara. Se por um lado não é possível saber, pelo documento, o que foi discutido em cada reunião, por outro quem quiser pode verificar quando e quantas vezes cada comissão se reuniu e a presença média de seus membros em cada encontro. Ou seja, os dados são mais quantitativos do que qualitativos, mas mesmo assim trata-se de um retrato do trabalho parlamentar.

A fotografia também é tirada em relação aos temas das proposições apresentadas ao Congresso. Sabe-se, por exemplo, que a comunicação é o tema mais comum nos debates. Ao todo, passaram pela Câmara 585 pedidos relacionados ao assunto, a maioria vinda de comissões. Os deputados, por sua vez, parecem mais preocupados com a organização política do Estado, pois foi esse o tópico sobre o qual mais apresentaram proposições -350. O segundo tema mais popular entre os representantes é a administração pública, com 316 preposições.

Quando o foco são os partidos, percebe-se bastante a divisão parlamentar. Os dois partidos mais atuantes, ao menos no que se refere à apresentação de proposições, estão em campos opostos. O PT lidera o “ranking” com 450 iniciativas, seguido pelo PFL, com 416. A maior preocupação dos dois partidos, pelo menos na quantidade de proposições apresentadas, é a organização política. O segundo item mais relevante, de acordo com esse critério, para o partido governista, é o trabalho, enquanto o oposicionista se concentra em assuntos econômicos e administração pública e a organização política.

A administração do Estado é mesmo o assunto mais votado na Câmara. Das 128 “normas jurídicas” criadas pelos parlamentares, ou seja, leis e alterações em leis ou na Constituição, 13 eram específicas da gestão do governo. “Economia e finanças”, com 11, e “organização política”, com 10, vêm em seguida.

Também é possível pesquisar a quantidade de proposições apresentadas por cada deputado.

Outras iniciativas

Além do anuário estatística da Câmara, há outras formas de se obter informações sobre a administração pública. Nem todas, porém, são abertas ao público. O portal do Sistema de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi - www.tesouro.fazenda.gov.br/siafi), por exemplo, não disponibiliza todas as informações. Nele estão todos os contratos do governo e os valores gastos. Por outro lado, quem tiver interesse nos gastos pode acessar a página da organização Contas Abertas (www.contasabertas.org.br). Ela destrincha o orçamento da União e de alguns estados, além de oferecer notícias sobre os gastos do governo.

A Transparência Brasil, por sua vez, possui um mecanismo de busca de informações sobre políticos nos principais jornais do país. Chamado “multibusca”, o sistema permite fazer pesquisas sobre a relação entre empresas e deputados, desde que ela já tenha sido noticiada. E quem quiser conferir como foram financiadas as campanhas de 2004, pode acessar a página do projeto "Às claras" (www.asclaras.org.br), também da Transparência.

Marcelo Medeiros

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