Autor original: Mariana Loiola
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A luta contra o trabalho infantil no mundo continua a ser um desafio enorme, mas este Relatório Global apresenta provas de que podemos estar prestes a conseguir uma virada significativa. Começamos a perceber uma encorajadora redução do trabalho infantil – notadamente nas suas piores formas – em muitas áreas do mundo. Sabemos hoje que com a vontade política, os recursos e as decisões políticas acertadas podemos por um fim em definitivo a este flagelo que afeta as vidas de tantas famílias em todo o mundo.
Há quatro anos, a OIT apresentou uma série de dados estatísticos que nos permitiram avaliar de forma confiável a dimensão do problema. Utilizando a mesma metodologia, as estatísticas neste relatório mostram agora que a nossa ação coletiva tem alcançado resultados positivos. O número de crianças trabalhadoras em todo o mundo caiu 11 por cento ao longo dos últimos quatro anos. É particularmente relevante que esse decréscimo tenha ocorrido mais acentuadamente nos trabalhos perigosos realizados por crianças: quanto mais perigoso o trabalho e mais vulneráveis as crianças envolvidas, mais rápida tem sido a queda. O número de crianças em trabalhos perigosos diminuiu 26 por cento em geral, e 33 por cento na faixa etária de 5 a 14 anos.
Como é que isto aconteceu?
Ainda no final dos anos 80 do século XX, as reações ao trabalho infantil no mundo iam da resignação à negação, passando pela indiferença. Nesse meio tempo, pesquisas da OIT traziam à luz do dia as diferentes dimensões do problema, gerando uma maior conscientização em nível global. Nesses anos, a OIT promoveu um ambiente mais receptivo à necessidade de uma ação concertada contra o trabalho infantil.
Quando as Nações Unidas adotaram a importante Convenção dos Direitos da Criança, em 1989, a OIT responsabilizou-se por prestar assistência direta aos países no combate ao trabalho infantil. Com o apoio financeiro da República Federal da Alemanha, o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) foi lançado em 1992. Os seis países signatários que subscreveram o programa nessa altura – Brasil, Índia, Indonésia, Quênia, Turquia e Tailândia – estavam dispostos a aventurar-se por um território desconhecido e a trabalhar com a OIT experimentando abordagens na luta contra o trabalho infantil. O IPEC tornou-se rapidamente o maior programa mundial exclusivamente centrado no trabalho infantil.
Atualmente, tem cerca de 30 financiadores (os Estados Unidos e, mais recentemente, a Comissão Européia são os maiores) e 86 países onde o programa é adotado. É também o maior programa de cooperação técnica da OIT. Duas lideranças políticas foram fundamentais: o Ministro Norbert Blüm da Alemanha, que confiou na OIT para lançar o IPEC, e o Senador Tom Harkin, que é hoje o maior defensor no Congresso dos Estados Unidos da atividade da OIT contra o trabalho infantil.
Outro ímpeto na luta contra o trabalho infantil veio da Cúpula Social de Copenhagen, em 1995, a cujo Comitê Preparatório tive a honra de presidir. A Cúpula convocou os países a cumprirem os direitos expressos nas Convenções fundamentais da OIT, incluindo os que se referem ao trabalho infantil. E, em 1998, foi adotada a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. Ela incluía a eliminação do trabalho infantil como um dos quatro princípios fundamentais que os membros da OIT se comprometeram a respeitar, independentemente de terem ou não ratificado as Convenções relevantes. Em 1999, os membros da OIT adotaram a Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil (N.º 182), a qual obteve um índice de ratificações extremamente rápido – levando atrás de si a Convenção da Idade Mínima de Admissão ao Emprego de 1973 (N.º 138). Atualmente, a Convenção N.º 182 tem 158 ratificações, enquanto o número de ratificações da Convenção N.º 138 duplicou, com 77 novas ratificações desde 1999. Não restam dúvidas que isso reflete um significativo consenso político sobre a necessidade de se tomarem medidas urgentes contra o trabalho infantil.
Esse progresso não foi automático. Foi necessária uma mobilização política e ações práticas da parte dos nossos parceiros tripartites. Foi resultado de iniciativas de vários níveis. Atingimos muita gente, organizações não-governamentais, autoridades locais, incluindo parlamentares, consumidores e opinião pública em geral. O nosso próprio trabalho beneficiou-se do movimento global contra o trabalho infantil, ao mesmo tempo que o apoiou. E, em 2002, a Sessão Especial da Assembléia Geral das Nações Unidas sobre as Crianças, realizada em Nova Iorque, ajudou a manter a atenção voltada para a construção de um mundo justo para as crianças.
O apoio político internacional foi essencial. A eliminação do trabalho infantil não foi explicitamente incluída nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) estabelecidos no ano 2000, mas a educação primária universal, sim. Além disso, um dos ODMs contém um chamado ao desenvolvimento de trabalho decente e produtivo para os jovens. Ambos são elementos importantes de qualquer estratégia para se eliminar o trabalho infantil. O compromisso em nível global para enfrentar esses desafios de forma integrada foi ampliado em Setembro de 2005, quando a Cúpula Mundial com mais de 150 chefes de Estado e de Governo afirmou nas Nações Unidas:
Apoiamos veementemente uma globalização justa e decidimos fazer das metas de emprego produtivo e trabalho decente. para todos, incluindo as mulheres e os jovens, um objetivo central das nossas políticas nacionais e internacionais relevantes, bem como das nossas estratégias nacionais de desenvolvimento, incluindo as estratégias de redução da pobreza, como parte dos nossos esforços para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Estas medidas deverão também abranger a eliminação das piores formas de trabalho infantil, tal como foram definidas pela Convenção N.º 182 da OIT, e do trabalho forçado. Decidimos também assegurar o respeito integral pelos princípios e direitos fundamentais no trabalho.
Obtivemos progressos substanciais na associação da luta contra o trabalho infantil à educação. As instituições financeiras internacionais e outras agências das Nações Unidas procuram conhecer a relação entre o trabalho infantil, a redução da pobreza e a Educação para Todos. Após a Cúpula de 2005, a relação com o emprego deve, agora, tornar-se uma prioridade muito mais comum.
Em suma, testemunhamos uma mudança de tendência no processo de conscientização sobre o trabalho infantil em todo o mundo, e nota-se um consenso geral quanto à urgência em erradicar este flagelo. Os países estão aceitando o desafio e agora com um consenso acerca das ferramentas necessárias para vencê-lo. As normas de trabalho e o aconselhamento político da OIT foram cruciais nesse processo, na medida em que orientaram a sensibilização e as ações práticas. É necessário dar seguimento a essa evolução positiva com a plena consciência de que a tarefa que temos pela frente ainda é enorme.
Gostaria de partilhar alguns pontos que surgiram da nossa experiência.
O crescimento econômico é importante, e os progressos têm sido mais lentos nos países onde o desenvolvimento econômico está mais atrasado. Mas o crescimento econômico, per se, não basta – os países têm de combiná-lo a dose certa de políticas, com enfoque na igualdade, direitos humanos, trabalho decente para todos os adultos e educação das crianças. A eliminação do trabalho infantil não pode ser alcançada isoladamente. As melhorias referidas no Relatório reforçam esta mensagem. Assim, ao delinear as estratégias futuras, é preciso ter em mente que as políticas econômicas e sociais têm de seguir a mesma direção com vista a assegurar trabalho sustentável e decente para os pais, e, para os filhos, educação pelo menos até à idade mínima de admissão ao emprego.
As organizações de empregadores e de trabalhadores têm um papel decisivo na luta contra o trabalho infantil. O seu empenho e envolvimento constantes continua a ser essencial.
Durante o período em análise, as organizações de empregadores focalizaram particularmente no fortalecimento da capacidade de seus membros para combater o trabalho infantil na agricultura. Muitas empresas atribuíram elevada prioridade à resolução dos problemas de trabalho infantil, e verificou-se como as ações contra o trabalho infantil também podem estimular ações noutras dimensões do trabalho decente em nível empresarial.
Em termos globais, os sindicatos têm sido a força motriz na luta contra o trabalho infantil. Em nível local, vêm mobilizando e organizando os trabalhadores na economia informal relativamente à temática do trabalho infantil. Isso é importante para estimular ações diretas contra o trabalho infantil. Os sindicatos têm sido particularmente úteis na identificação de focos de trabalho infantil que fogem do controle oficial em certos setores.
A defesa política da causa e as ações em vários níveis têm levado a progressos. Um movimento em nível mundial foi fundamental para que o trabalho infantil se mantivesse na agenda global. A experiência da OIT ao longo dos anos confirma também que as ações em nível nacional e comunitário são cruciais. As autoridades locais estão próximas do dia-a-dia das pessoas nas suas comunidades. Através das autoridades locais e dos municípios, é possível: chegar às pequenas e médias empresas que oferecem a maior parte do postos de trabalho; chegar às crianças na economia informal; e aplicar abordagens integradas na comunidade para retirar as crianças do trabalho e colocá-las na escola.
O estabelecimento de princípios, apoiados em uma abordagem promocional, incidência política e cooperação técnica, tem-se mostrado eficaz. A defesa política da causa compensa – refletindo-se na elevada taxa de ratificação das Convenções sobre o trabalho infantil. Para implementá-las, trabalhamos com países no desenvolvimento de estratégias adequadas às suas necessidades e circunstâncias, criando relações de confiança e parcerias que são essenciais para ações sustentáveis.
Tal como vimos, os países estão dispostos a assumir a responsabilidade de acabar com o trabalho infantil. A comunidade internacional tem de dar todo o apoio aos esforços nacionais. Numa fase em que começamos a ver resultados, não podemos descansar. A OIT tem um papel catalisador que é fundamental. O nosso trabalho tem sido muito dependente dos recursos extra-orçamentários. Apelamos aos nossos parceiros financiadores que nos possibilitem continuar a prestação de assistência de que os países precisam para sustentar seu progresso ou promovê-lo onde este tem demorado mais tempo a aparecer.
Neste relatório, propomos o objetivo ambicioso, mas possível, de eliminar as piores formas de trabalho infantil nos próximos dez anos. Os dados empíricos sugerem que este objetivo é viável se conseguirmos manter a taxa de redução verificada ao longo dos últimos quatro anos e se o necessário apoio à cooperação técnica estiver disponível. Este objetivo foi adotado por muitos Estados – mais de 30 já estabeleceram calendários com datas limites semelhantes, ou mesmo anteriores, para eliminar as piores formas de trabalho infantil. Esses países continuarão a precisar de apoio, mesmo que a natureza da nossa assistência mude. Há muito trabalho de fundo a ser feito para que os países se sintam capazes de se comprometerem com a erradicação das piores formas de trabalho infantil, dentro de um prazo limite.
À medida em que estudamos este Relatório, olhamos para frente e planejamos nossas ações futuras, vamo-nos lembrar da mensagem de esperança que ele traz: está ao nosso alcance livrar o mundo do trabalho infantil. Estamos no caminho certo. Podemos acabar com as suas piores formas numa década, sem perder de vista o objetivo final que é acabar com todo o trabalho infantil. Sem dúvida que ainda há muito por fazer, e nenhum de nós pode fazê-lo sozinho – cada um de nós tem de continuar a investir na luta pela dignidade de todas as crianças do mundo.
*Este é o prefácio escrito por Juan Somavia, diretor geral da OIT, para o relatório. A íntegra do documento está disponível na área de Downloads desta página, no alto, à direita.
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