Autor original: Mariana Loiola
Seção original: Artigos de opinião
![]() Rio Xingu | Foto: Dida Sampaio/AE | ![]() |
Wilson Cabral de Sousa Júnior*
O Brasil explora seu potencial hidrelétrico como fonte principal de geração de energia elétrica. O modelo adotado foi estabelecido a partir de projetos de grandes barramentos e construção de extensas linhas de transmissão, vindo a se consolidar no final dos anos 80. No entanto, diante da necessidade de adequação dos conceitos de energia “limpa e renovável” a indicadores de sustentabilidade mais atualizados, há que se rediscutir a matriz energética do país e estabelecer novas estratégias para o desenvolvimento do setor energético.
A última grande crise do setor de energia, em 2001, deveria ter tido efeito didático mais contundente, porquanto foi na tentativa de solucionar tempestivamente o problema que se lançou mão de um dos mais eficientes mecanismos de gestão de demanda de que se tem notícia no país: a sobretaxação do consumo abusivo, de maneira progressiva, e o incentivo à racionalização por meio de bonificação por economia de energia. Infelizmente, após superada a possibilidade de “apagão”, tal mecanismo foi abandonado. Na esteira das medidas paliativas, para ampliação da oferta, consolidou-se o acordo Brasil-Bolívia para o aproveitamento do gás natural em termelétricas, as quais teriam um processo de licenciamento ambiental precário, dada a suposta demanda emergencial a ser suprida. Hoje, com o aceno de um rompimento de contratos por parte da Bolívia, tal opção se mostra – como já vinha se mostrando – uma peça mal-colocada no quebra-cabeças da gestão energética do país.
É certo que o uso de mecanismos de gestão de demanda – de maneira mais efetiva do que os não menos importantes programas de racionalização de energia, como o Procel – poderia resolver boa parte dos nossos problemas de oferta energética, sem constranger o desenvolvimento econômico. Por outro lado, a ampliação da oferta de energia por fontes ditas “alternativas” – num cenário ampliado, bem mais contundente do que as tímidas metas atuais do setor – completaria o nosso suprimento energético de maneira mais próxima da sustentabilidade.
A construção do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, no rio Xingu, se insere neste contexto de indagação diante do nosso modelo energético, especialmente do setor elétrico. Trata-se de um projeto que, sem dúvida alguma, avançou em termos de redução de impactos socioambientais ao longo de seus mais de 20 anos. No entanto tais melhorias não “resolveram” completamente os impactos e, mais ainda, não se mostram suficientes sequer para garantir a viabilidade econômica do empreendimento.
Um estudo que acabamos de realizar, lançado no dia 17 de maio, em Altamira (PA), aponta que, a se confirmar a projeção de um modelo otimizado de simulação hidroenergética (o modelo Hydrosim, desenvolvido na Unicamp), o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte teria uma probabilidade de viabilidade entre 2,28%, no cenário de maior risco, e 39,11%, num cenário mais favorável ao empreendimento. As variáveis que mais influenciaram esta análise de sensibilidade e risco foram o prazo de construção, a energia firme a ser gerada e seu valor de venda no mercado e o custo de obras associadas, como as linhas de transmissão, necessárias para a distribuição da energia produzida.
Estas simulações indicam que a única forma de garantir minimamente a viabilidade do projeto, ainda que com probabilidades de sucesso inferiores a 40%, seria eliminando os riscos de gastos imprevistos, atraso e subprodução simultaneamente, o que representa uma situação pouco comum no caso das usinas hidrelétricas de grande porte.
Os resultados nos conduzem a uma conclusão inevitável: o Complexo Hidrelétrico Belo Monte irá criar uma enorme pressão para a construção de mais barragens a montante. Esta capacidade ociosa representa uma “crise planejada” e deve estimular permanentemente a execução de outros projetos de regularização de vazão do rio Xingu. Em função disto, parece muito pouco realista o cenário de um CHE Belo Monte “sustentável”: uma única represa, extremamente produtiva e rentável, que impacte uma área reduzida e já bastante alterada. O valor das externalidades ambientais é de, no mínimo, US$ 190 milhões (em valor presente), sendo importante salientar que tais externalidades são parciais, uma vez que, diante da ausência de valores que pudessem contemplar a biodiversidade, a funcionalidade ecossistêmica e a própria existência de áreas preservadas – que seriam inundadas permanentemente –, optou-se por não considerá-los, tornando a análise subestimada neste aspecto.
Diante destes resultados, e sabendo de antemão que a geração de energia se dá sobre o uso de recursos naturais e propicia impactos ambientais, de alguma forma ou de outra, é necessário ampliar a discussão sobre nosso modelo energético e, em especial, o do setor elétrico. Apontamos a seguir alguns questionamentos que poderiam orientar esta discussão: a) é possível o investimento em mecanismos de gestão de demanda num ambiente que privilegia o consumo como pilar do desenvolvimento?; b) a sociedade estaria disposta a uma contribuição neste sentido, de racionalização energética?; c) é possível, dadas as atuais condicionantes do setor energético brasileiro, uma ampliação significativa dos investimentos em energias de fontes como a solar, eólica e de biomassa, além da tecnologia de hidrogênio, em detrimento dos investimentos energéticos tradicionais?; d) estariam o poder público, e os eventuais empreendedores do CHE Belo Monte, dispostos a assinar um termo em que garantissem a não realização de novos empreendimentos no rio Xingu, assumindo totalmente o risco sócio-ambiental e financeiro de um empreendimento único na bacia?
Enfim, a resposta a estes e outros questionamentos poderia esclarecer melhor os objetivos e os riscos associados à construção do CHE Belo Monte e outros megaprojetos de geração elétrica no Brasil, contribuindo para a formulação de políticas que apontem para o estabelecimento de um plano energético sustentável para o país. O desafio é grande e seus possíveis resultados podem parecer utópicos. No entanto tais reflexões e mudanças poderiam guindar o país a um patamar de liderança num mundo ainda carente de soluções efetivas para o desenvolvimento sustentável.
*Wilson Cabral de Sousa Júnior é professor de Engenharia Ambiental do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e um dos autores do estudo Custos e Benefícios do Complexo Hidrelétrico Belo Monte: uma Abordagem Econômico-Ambiental, coordenado pela ONG Conservação Estratégica (CSF-Brasil).
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