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Maré, um patrimônio preservado

Autor original: Joana Moscatelli

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






Maré, um patrimônio preservado


“Todo dia o sol da manhã vem e lhes desafia, traz do sonho pro mundo quem já não queria. Palafitas, trapiches, farrapos, filhos da mesma agonia". O trecho da música, sucesso do grupo Paralamas do Sucesso nos anos 80, reflete a imagem generalizada que se faz do Complexo da Maré, ligada à violência e à pobreza. Mas em 2006, quando o Brasil comemora o Ano Nacional dos Museus, a Maré inaugura o primeiro museu do país localizado em uma favela e mostra que é muito mais do que diz a canção.

O Museu da Maré nasceu da própria mobilização dos moradores da comunidade, que fica próxima à Av. Brasil e à Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro (RJ), através do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm). Com um acervo formado por objetos, fotos, maquetes e documentos antigos de seus moradores, o museu expõe a diversidade cultural, religiosa e ambiental da Maré e pretende resgatar a identidade e a cidadania das pessoas que vivem ali.

A proposta do museu, resultado de uma parceria com o Ministério da Cultura viabilizada pelo projeto Ponto de Cultura, é ser interativo e se atualizar de acordo com a contribuição da comunidade para o acervo.

A iniciativa tem origem em um longo trabalho realizado pelo projeto Rede de Memória, do Ceasm, que reúne dados históricos, sócio-econômicos e culturais sobre as favelas que fazem parte do Complexo da Maré. Além de fotos e documentos, o projeto colheu depoimentos de diversos moradores antigos sobre o passado e a história da comunidade. Todo esse material foi incorporado ao Museu da Maré, dividido em várias áreas temáticas que abordam os diferentes aspectos do cotidiano local, como o meio ambiente, a moradia, a religião, o lazer, os medos, a infância e o futuro. Uma das coisas que chamam atenção é a reprodução em tamanho natural de uma palafita, antigo tipo de habitação comum na Maré até a década de 80.

A inauguração do museu também marcou a abertura da Semana Nacional dos Museus, de 15 a 21 de maio, que teve como tema a relação com o público jovem. Para Luiz Antonio, do Ceasm, foi uma tentativa de aproximação entre os espaços de produção de cultura popular e erudita. “É interessante essa iniciativa por unir o popular e o erudito e estimular a comunicação entre os diversos setores do museu, que tradicionalmente não estão abertos ao diálogo".

Segundo Luiz Antonio, a intenção do museu é recuperar todo um processo histórico de lutas e conquistas. “O objetivo é fazer com que o morador valorize a história da sua comunidade, que não é pior nem melhor do que as outras, mas tão importante quanto qualquer uma. Não é questão de glamourizar a favela, como muitos criticam, mas valorizar o que aconteceu ali, como as lutas por mudanças e melhorias”, explica.

Seu Atanásio, que mora há 50 anos na favela Baixa do Sapateiro, contribuiu com o acervo do museu com seu depoimento, já que acompanhou o desenvolvimento da Maré. Ele vê com bons olhos a construção do museu e acredita que essa é uma forma de reconhecimento.

Luiz Antonio defende a idéia de que o museu pode contribuir para que o morador passe a se identificar com a Maré, aumentando sua auto-estima e fortalecendo sua própria identidade. Segundo ele, é necessário acabar com o estigma negativo que a comunidade tem, mas isso dependeria não só da Maré como de toda a sociedade. “Atualmente, para arranjar um trabalho, as pessoas escondem que moram na Maré, porque sabem que ela tem uma imagem negativa, vinculada à violência e à pobreza. Se por um lado o próprio morador da Maré deve resgatar sua auto-estima, de outro o restante da sociedade também tem de estar aberto a mudar e reconhecer que a Maré não se restringe a violência e pobreza”, adverte Luiz Antonio.

Maior complexo de favelas do Rio de Janeiro, a Maré possui em torno de 130 mil habitantes que agora contam com um espaço que, além de apresentar todo o processo histórico de sua formação, representa o que é a Maré hoje e o que os moradores esperam para o futuro. Uma das áreas temáticas do museu aborda justamente aquilo que seria necessário para melhorar as condições de vida dos moradores.

No entanto, mais do que isso, o museu representa  a tentativa de preservação do patrimônio cultural de favelas, subúrbios e periferias das cidades. “Nunca se valorizou o patrimônio cultural das favelas, mas agora, através da própria voz dos moradores, estamos resgatando todo o processo histórico, social e cultural da Maré”, conta Luiz Antonio.

Joana Moscatelli

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