Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Nos últimos dias, os paulistas enfrentaram momentos de tensão e violência. Foram mais de 200 ataques a policiais e prédios públicos, que tiveram início na madrugada de 12 para 13 de maio e até agora estão acontecendo, embora em menor número. Houve ainda dezenas de rebeliões em presídios do estado. A resposta da polícia, pega de surpresa e despreparada, foi enérgica. Mais de cem pessoas (107 até a manhã de sexta-feira) foram mortas para vingar o assassinato de 30 policiais. Os comandantes das forças de segurança prometem apertar ainda mais o cerco a suspeitos de envolvimento nas ações, comandadas por presos participantes da facção criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC).
Diante desse quadro, as organizações da sociedade civil sempre relembram a necessidade de combater a violência respeitando os direitos humanos. O problema é que boa parte da população, assustada com os acontecimentos, começa a ver a defesa de princípios básicos de cidadania, entre eles o próprio respeito à vida, como uma forma de proteção dos responsáveis pelos tiros e bombas que impuseram terror à maior cidade do país. Na grande imprensa, e mesmo em veículos alternativos como a Rets, leitores mostram sua insatisfação perguntando por que nenhuma entidade se manifesta em favor dos policiais mortos e seus familiares e por que não há apoio a uma reação à altura.
A omissão das organizações de direitos humanos não é verdadeira. No sábado, primeiro dia dos ataques, o Sou da Paz, grupo paulistano de combate à violência, publicou uma carta em que prestava total solidariedade às famílias dos mortos e enfatizava sua contribuição com a Polícia Militar por meio de programas de treinamento e de premiações para os policiais que menos matam. E a Pastoral Carcerária, entidade religiosa que trabalha com presidiários, publicou nota no domingo condenando o ataque e qualquer tipo de violência.
“Repudiamos veementemente estes atos atrozes que tomaram conta do estado [de São Paulo] nos ataques contra a polícia e nas rebeliões em diversas unidades prisionais, que atingem funcionários do estado e familiares de presos. Lamentamos profundamente as vidas perdidas e nos solidarizamos com as vítimas e seus familiares. Baseados em nossa história de defesa e preservação do dom divino da vida, queremos enfatizar que de maneira alguma apoiamos qualquer ato de violência, seja ele praticado por criminosos ou por agentes do governo do Estado”, afirma a Pastoral.
As duas entidades participaram do ato ecumênico realizado na Catedral da Sé, no centro da capital, na segunda-feira. Nela, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo, José Gregori, declarou que o evento era importante para demonstrar que “os que defendem direitos humanos estão preocupados com a vida de todos, inclusive a dos agentes do Estado que foram covardemente atacados neste final de semana”.
Para Roseana Queiroz, coordenadora do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), os direitos valem para todos, independentemente de profissão ou ato cometido. “A dignidade está acima de tudo, por isso brigamos pelo exercício da lei. Se matou, precisa ser preso e julgado o mais rápido possível”, lembra.
Reação
Apesar da solidariedade às famílias e da ênfase na necessidade de Justiça, todas as organizações temiam pela resposta das forças paulistas de segurança. Os policiais, já no fim de semana, deram início a buscas por participantes das ações. Acusados e suspeitos foram executados, segundo testemunhas e jornalistas que tiveram acesso aos corpos no Instituto Médico Legal (IML). Muitos tinham marcas de tiros na cabeça.
As declarações do diretor da Associação dos Oficiais da PM, major Sérgio Olímpio Gomes, ao jornal O Globo na quarta-feira (17 de maio) mostram a disposição da PM: “Vai morrer uma média de dez a 15 bandidos por dia em São Paulo a partir de agora. Metralharam um prédio onde moram só policiais na Zona Norte de São Paulo. Vamos revidar. Vai ser pau puro”.
O governo do estado já disse que não vai divulgar o nome dos mortos antes de realizar uma triagem, pois existe o temor – não anunciado – de que haja inocentes entre eles.
Mesmo dizendo apoiar a busca pelos envolvidos nas ações criminosas, as ONGs dizem não ser possível para a polícia ter o mesmo comportamento dos bandidos e se negam a apoiar o endurecimento da legislação penal. “Policial não é bandido. Se marginais matam, a PM não pode responder na mesma moeda, senão vira bandido também. É preciso aplicar as leis existentes. Quem acusa os defensores dos direitos humanos de proteger bandido, na verdade, quer autorização para passar por cima da legislação e matar sem critério”, critica Roseana Queirós.
Segundo as organizações, é preciso que o Estado assuma responsabilidade diante do caso e passe a tomar medidas preventivas e não repressivas, como tanto se fala. “Os ataques ocorridos em São Paulo representam uma confluência entre a incompetência das autoridades do Estado, do poder judiciário e da própria polícia, conjugada com a ação de um grupo criminoso organizado que há muitos anos vem se articulando e se fortalecendo dentro e fora dos presídios”, afirma em comunicado a Justiça Global.
Para a entidade, é inadmissível que o governo estadual possuísse informações sobre a possibilidade de uma ação vir a acontecer e nem ao menos ter avisado à tropa. “As autoridades de São Paulo foram incompetentes, ineficientes e, pior, negligentes. Para além da violência inaceitável do PCC. A omissão resultou em mais de cem mortes. E como resposta para a opinião pública, a polícia mais uma vez abre mão da investigação dos ataques criminosos e parte para a matança, com um forte componente de vingança pelas mortes de seus colegas”, diz.
Soluções
As organizações dão a receita de sempre para acabar com esse tipo de ação: mais investimentos sociais, maior distribuição de renda, mais investigação e menos repressão. O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Cézar Roberto Bitencourt concorda: “Endurecimento de penas, criação de prisão perpétua, pena de morte e prisões de segurança máxima não resolvem”, declarou em evento da OAB.
A declaração do advogado foi feita na segunda-feira, mas já mirava a possibilidade de aprovação de projetos de lei que endurecem a legislação penal, algo que aconteceu na última quinta. Naquele dia, 11 PLs foram aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça e enviados para votação na Câmara. Alguns tramitavam há três anos. Um dos mais rigorosos é o que prevê a possibilidade de isolamento por tempo indeterminado de condenados envolvidos com o crime organizado. Há ainda o que considera falta grave portar celulares dentro de presídios.
Mais do que leis, os defensores de direitos humanos pedem medidas práticas. A Pastoral Carcerária afirma que “essas mortes nos mostram que é inútil imaginar que o simples aprisionamento vá surtir algum feito para a diminuição da violência. Reiteramos a necessidade de investimento em políticas públicas de prevenção à exclusão e de inclusão que criem uma sociedade mais justa e igualitária através de educação, emprego, atendimento digno e ágil da Justiça e dignidade para a sociedade em geral e dentro das unidades prisionais”.
O MNDH acredita que as ações a curto prazo devam ser de dois tipos, uma voltada para a política e outra para a criminalidade. Em relação às forças de segurança, a ONG afirma ser necessário criar uma ouvidoria externa, completamente independente do poder público no que se refere a seus integrantes. É preciso ainda que sejam dadas condições para levar adiante investigações de abusos e corrupção. Ou seja, além de equipamentos, a garantia de não haver obstruções políticas ou corporativas ao trabalho seria primordial para garantir a eficiência da instituição. “Assim a população poderia confiar. A ouvidoria de São Paulo possui quase todas essas características, mas falta estrutura e cooperação do poder público”, afirma Queirós.
Além disso, o MNDH acredita ser crucial rediscutir as polícias. Uma das propostas é o aumento imediato do salário dos policiais, cuja média hoje é de R$ 1.200. Com isso, espera-se, policiais militares e civis ficariam menos suscetíveis a ofertas de criminosos. Ao mesmo tempo, sugerem-se novos treinamentos, que visem a mais prisões e investigações e a menos tiros, para diminuir a letalidade das ações policiais.
Do outro lado, viriam medidas voltadas para conter os criminosos, com melhorias na estrutura penitenciária e ocupação social das áreas de risco. Em relação aos presídios, pede-se que não se construam mais penitenciárias indiscriminadamente, mas sim de forma planejada. Dessa forma espera-se que as novas unidades possuam bloqueadores de celulares, fornecidos pelas próprias empresas de telefonia, e condições mais humanas, como celas individuais ou que obedeçam à capacidade máxima. Além disso, o MNDH defende um combate ao crime adaptado à realidade de cada localidade, obedecendo a linhas gerais planejadas pelo estado ou pelo governo federal.
O governo paulista, enquanto isso, joga para as empresas de celular a responsabilidade sobre o funcionamento de telefones dentro das prisões. A Justiça já ordenou que o sinal seja bloqueado, mas especialistas duvidam da eficácia a curto e longo prazo. Ao mesmo tempo, tanto o governador de São Paulo, Cláudio Lembo, quanto membros do governo federal tentam politizar o problema de olho nas eleições presidenciais. E um membro do próprio governo federal, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, alerta para o perigo desse tipo de discurso: “A questão precisa ser tratada com mais urgência, mas dentro do interesse do Estado e da nação. Não pode ser objeto eleitoral ou político". Para o Ministério da Justiça, é preciso integrar forças de segurança em todo o país para combater com mais eficiência o crime organizado.
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