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Desigualdade em queda

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Desigualdade em queda


A diferença de renda entre ricos e pobres no Brasil está diminuindo, apesar da estagnação econômica. A principal causa são os programas de transferência de renda. Essas são as principais conclusões da pesquisa “Crescimento Pró-Pobre: O Paradoxo Brasileiro”, divulgada nesta quinta-feira, 8 de junho. Realizada pelo Centro de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em parceria com o International Poverty Centre.

De acordo com os dados apresentados, entre 2001 e 2004, a renda domiciliar per capita da faixa de 1% formada pela população mais rica caiu 9,57%, enquanto a dos 10% mais pobres cresceu 23,37%. Para o economista Marcelo Néri, responsável pela pesquisa, “é como se o pobre vivesse em um país diferente, que cresce muito, enquanto o resto da população está em um país que cresce pouco”. Esse paradoxo permitiu “uma forte redução”, nas palavras de Néri, da desigualdade no Brasil, que registrou os níveis mais baixos nos últimos 25 anos, sendo que o de 2004 foi o menor desde o Censo de 1960. A queda dá seqüência a uma tendência de baixa iniciada em 2001 que foi mais acentuada em 2004. Em 2005, continuou caindo, apesar de a queda ser menos intensa.

Dulce Pandolfi, diretora do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas, acredita que, em um país como Brasil, marcado principalmente pela desigualdade social, deve-se comemorar os resultados, embora os considere muito limitados. Para ela, o Brasil está longe de quebrar a desigualdade existente. Isso, afirma, faz parte de um processo, e o país já está no caminho. “O Brasil não é pobre, mas é campeão em desigualdade”, ressalta.

Boa parte do aumento da renda dos mais pobres indicado na pesquisa deve-se às políticas de distribuição de renda aplicadas no país, a partir do momento em que se expandiram os programas de transferência para amortecer as conseqüências das oscilações econômicas, especialmente da inflação. Desde 2000, segundo Néri, o Brasil adota um novo regime de política social, com programas mais focalizados, como Bolsa-Escola e Bolsa-Família. Mesmo com a adoção desse novo regime, o antigo – que consiste em políticas atreladas às alterações do salário mínimo, como previdência social e seguro-desemprego – não foi abandonado. Neste último, o fato de atrelar políticas públicas ao salário mínimo provoca, de acordo com o pesquisador, gastos sociais altos e, conseqüentemente, aumento da carga tributária e da taxa de juros.

Néri acredita que o Brasil fez uma “opção pelos mais pobres e pela distribuição de renda”. Na prática, “houve uma forte redução nos níveis de desigualdade nas séries dos últimos anos, devido aos novos programas sociais e ao aumento dos benefícios previdenciários”, conclui. Em números, entre 2001 e 2004, enquanto a renda do brasileiro caiu 1,35%, a das classes menos favorecidas, paradoxalmente, cresceu 3,07%. Neste mesmo período, o "efeito Bolsa-Família" corresponde a dois terços do crescimento pró-pobres.

Dulce vê nesses programas um caráter mais do que assistencialista, adjetivo comumente usado para caracterizar tais políticas. Na opinião da pesquisadora, tanto o Bolsa-Família quanto os programas de crédito – como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) – têm sua parcela de importância para combater as desigualdades. “São estratégias fundamentais para que a desigualdade seja diminuída. Não vejo esses programas como mero assistencialismo. O Bolsa-Família, por exemplo, está aumentando o consumo interno, obriga as mães a colocarem seus filhos na escola. Ele está gerando cidadania”, argumenta.

Porém, ressalta, essas políticas têm de vir acopladas a outras medidas de educação e saúde. “Precisamos fazer políticas mais macro, investir em educação e saúde. Tem de ser feito um conjunto de políticas”, observa Dulce. De qualquer maneira, ela acredita que os reais resultados do Bolsa-Família só serão mais visíveis em 2006, pois em 2004 – os dados observados na pesquisa são da Pnad 2004 – ele ainda estava sendo montado. “Só daqui a dois anos se verá melhor a sua contribuição”, ressalta.

De acordo com a pesquisa, a influência dos reajustes do salário mínimo já não é tão significativa na renda da população mais pobre. Ele “não funciona mais como instrumento de redução de desigualdade”, constata Néri. Um exemplo desse novo quadro é que, em 2005, mesmo com um reajuste real de 9% do salário mínimo, não se observou impactos significativos. Ou seja, “talvez estejamos próximos do valor máximo do salário mínimo em termos de impactos favoráveis na pobreza sob a ótica trabalhista”, esclarece Néri.

A participação da população menos favorecida no total da renda também aumentou. Entre 2002 e 2005, ela passou de 10,07% para 12,24%, um acréscimo de 20%. Na contramão, a parcela 10% mais rica caiu de 50,1% para 47,27%. Mesmo em desaceleração, o primeiro grupo mantém o crescimento, ao passo que o segundo não pára de cair. De 2004 para 2005, a classe média recupera sua fatia no bolo distributivo, sendo vista como a mais favorecida, sem conter o aumento. O estudo trata 2005 não como um ano pró-pobre, mas antielite, o que favoreceu o grupo intermediário.

O trabalho ainda destaca as alterações na renda sofridas em anos eleitorais. “A nova democracia brasileira está repleta de lançamentos de pacotes em sintonia com o calendário eleitoral”, diz o estudo. Porém, como destaca Néri, “as boas notícias vêm antes das eleições e as más, depois. Você entrega as benesses antes e depois vem com os ajustes”. Os dados mostram que o ritmo médio de crescimento da renda em anos pré-eleitorais, desde 1983, foi de 12,1%, enquanto nos anos pós-eleitorais caiu 11,9%. De qualquer forma, essas variações diminuíram ao longo dos anos, e isso, segundo o pesquisador, significa que “à medida que a democracia fica mais madura, esses ciclos são menos pronunciados”.

Em todo o período analisado pela pesquisa, o ano de 2004 é o que ganha maior destaque, por ser considerado “atípico”. A renda da população menos favorecida cresceu 14,1%, sendo somente 3,98% provenientes da renda-não-trabalho (não proveniente de trabalho assalariado), o que está fora do padrão. Aquele não foi um ano eleitoral, não teve um reajuste real do salário mínimo, viu o crescimento do trabalho formal e teve a maior queda da desigualdade, sendo a renda-trabalho responsável por 72%. Nas palavras de Néri, “2004 foi o ano em que a desigualdade caiu, puxada pela renda-trabalho, o que é mais sustentável do que com a distribuição de renda”. Em suma, salvo 2004, o aumento da renda da população mais pobre se deu à custa dos programas de distribuição de renda implementados pelo Estado.

Dulce comemora os dados, mas alerta para a necessidade de outras ações. “Historicamente, esse é o primeiro momento em que uma situação dessas ocorre. Mas é importante sempre ressaltar que muito tem de ser feito, pois são dados com expressão ainda pequena. Sem dúvida, estamos rompendo pela primeira vez um processo [aumento da desigualdade] que só vinha se agravando. A gente está quebrando pela primeira vez esse ciclo. É o início de uma reversão – ainda limitada, porque as desigualdades no país são muito grandes e variadas entre regiões, raças etc”, conclui.

Mariana Hansen

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