Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
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A Abong não poderia se omitir diante do grave incidente protagonizado pelo Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MSLT), por ocasião da manifestação que este movimento realizou, na Câmara dos Deputados, uma semana atrás. Não vamos centrar a nossa manifestação na avaliação do deplorável episódio de violência e de desrespeito à Câmara dos Deputados, pois os desdobramentos desta ocorrência e as reações de diversos segmentos da opinião pública são reveladores de um mal-estar com relação ao funcionamento das instituições e do próprio processo democrático, que constitui por si só um fato político altamente preocupante e digno de uma cuidadosa reflexão por parte das organizações da sociedade civil brasileira efetivamente comprometidas com a defesa do Estado democrático de direito.
No entanto, não podemos avançar na nossa análise sem estabelecer um ponto de partida minimamente rigoroso acerca da caracterização do referido incidente. Descartando liminarmente as interpretações de uma direita oportunista, que se dividiu entre bater na tecla da criminalização dos movimentos sociais e os ataques abertos ao regime democrático – como foi o caso do apelo autoritário à intervenção dos comandantes militares (feito pelo contumaz senador Antônio Carlos Magalhães) –, é preciso reconhecer que nenhuma voz minimamente responsável se ergueu em defesa dos atos de violência praticados pelos(as) militantes do MLST. O compromisso com o rigor necessário no exame objetivo dos fatos exige, porém, que registremos o fato de que permanece em processo de apuração o grau de responsabilidade e o dolo com que teriam atuado as pessoas responsáveis pela ação do MLST.
Para o presidente da Câmara dos Deputados, que atuou com firmeza e equilíbrio no episódio, o MLST invadiu a Câmara em um movimento premeditado, depredando o patrimônio público e ferindo servidores(as) sem dar chance ao diálogo. Contudo, em nota pública, o MLST nega o planejamento do conflito, afirma que “em nenhum momento se escuta uma única palavra na fita conclamando conflito, quebra-quebra ou qualquer coisa desse tipo” e reconhece que “este conflito não serve ao MLST nem aos movimentos sociais e à luta pela terra”.
Em torno desses graves acontecimentos, entidades responsáveis do campo democrático e inúmeros(as) cidadãos(ãs) optaram por uma linha de relativização da total inadmissibilidade da forma de luta adotada pelos(as) manifestantes do MLST. Essa linha de argumentação é suficiente para deixar seriamente apreensivos(as) todos(as) aqueles(as) que reivindicam a democracia como um valor fundamental e repudiam o uso da coerção e da violência como instrumento da luta política na incipiente democracia brasileira.
A nosso ver, o reconhecimento da violência e da injustiça social, que caracterizam as relações sociais no nosso país, e o reconhecimento do caráter intrinsecamente violento da dominação de classe a que estão submetidas as maiorias excluídas e injustiçadas do povo brasileiro não podem servir de justificativa para opções políticas que acabariam por levar água ao moinho das forças mais conservadoras e hostis ao processo democrático. Tampouco podemos concordar com os argumentos que procuram justificar quaisquer atitudes de um movimento social com base na constatação de que o Congresso Nacional muito tem deixado a desejar no tratamento legislativo por ele dado à questão agrária, ou com a argüição da ilegitimidade do Congresso, que decorreria da forma com que este tem respondido à sucessão de escândalos de corrupção, que muito desgastaram o Legislativo perante a opinião pública brasileira.
É a própria fragilidade da democracia no Brasil e na América Latina que exige das nossas entidades um compromisso com a radicalidade do processo democrático e um esforço contínuo de aperfeiçoamento das instituições democráticas, que começa pela ampliação e valorização da participação popular.
* Este texto foi divulgado originalmente no Informes Abong nº 351, de 13 de junho de 2006.
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