Autor original: Joana Moscatelli
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
![]() | ![]() |
Ao constatar que o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza era menor do que o número de beneficiados pelos programas de transferência de renda do governo federal, a ONG Ação da Cidadania resolveu mudar o foco de atuação da Campanha Natal sem Fome. A partir de agora, a organização não vai mais recolher e distribuir alimentos no Natal, como fazia há 13 anos, mas passará a exigir uma maior transparência na administração e na distribuição de programas como o Bolsa-Família.
Este ano, no lugar dos alimentos, a campanha distribuirá brinquedos, o que traduz a nova postura do Ação da Cidadania frente ao problema da fome no Brasil. “Pela primeira vez na história do país, temos uma política social capaz de atender 100% do público-alvo. Sendo assim, o objetivo do Natal sem Fome – dar visibilidade ao problema – foi alcançado. Continuar com a distribuição dos alimentos não faz mais sentido”, explicou Maurício Andrade, coordenador executivo da Ação da Cidadania.
Para ele, o desafio mudou e a campanha deixará de trabalhar com a questão emergencial, que era a fome, para atuar com a questão estrutural, educacional. De acordo com a organização, o foco, agora, deve ser no controle social das políticas públicas e na garantia dos direitos de cada cidadão. Para Andrade, a sociedade civil deve fazer a sua parte nessa questão e cobrar a eficiência das políticas do governo. Entre as novas propostas da campanha está a formação de um grande Mutirão pelo Brasil sem Fome, que congregaria várias entidades da sociedade civil, como a Pastoral da Criança e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Outras ações propostas incluem a implantação de um banco de dados com informações sobre todas as famílias que têm direito aos benefícios (o Cadastro Único Nacional), a formação de lideranças comunitárias e a punição de quem usa indevidamente os benefícios sociais do governo.
Cidadania em ação: projeto-piloto em Nova Iguaçu
Em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, a organização implantou um projeto-piloto com o objetivo de estimular a participação popular na elaboração e na avaliação de políticas públicas que pretendem promover melhorias sociais. A proposta é incentivar a mobilização cidadã junto às prefeituras e ao poder executivo. O projeto tem como princípio a necessidade de uma mudança na forma como população e poder público se relacionam, estimulando a participação da comunidade nas decisões tomadas pela prefeitura.
O Cidadania em Ação, apoiado pelo Programa Petrobras Fome Zero, promove a capacitação de lideranças comunitárias e estimula a mobilização popular local, a fim de controlar os programas de transferência de renda e incluir neles as famílias abaixo da linha da miséria que ainda não recebem os benefícios. Além de oficinas de capacitação, prevê a formação de agentes de controle social.
De acordo com Andrade, a partir de julho os primeiros resultados do projeto já poderão ser vistos e a idéia é expandi-lo para outros municípios, como Nilópolis.
Recursos não chegam a todas as famílias
O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) divulgou nota afirmando que os dados utilizados pela Ação da Cidadania são, na realidade, a soma de todas os programas sociais do governo, com regras e objetivos distintos. De acordo com a Ação da Cidadania, o número de beneficiados pelo governo estaria atualmente em torno de 18 milhões, enquanto o número de famílias que se encontram abaixo da linha da miséria é 11,2 milhões. A nota ainda afirma que o Cadastro Único de Programas Sociais, proposto pela ONG, já existe, assim como uma Rede Pública de Fiscalização do Bolsa-Família, que atua em conjunto com o Ministério Público.
Para Andrade, porém, o principal problema nesse desencontro de dados é que ainda existem famílias que vivem abaixo da linha da pobreza e não recebem os benefícios. Ele desconfia da administração das prefeituras e aponta a possibilidade de os vereadores estarem se apropriando desses recursos para beneficiarem famílias em troca de votos para se elegerem ou reelegerem. “O Cadastro Único do Bolsa-Família que existe ainda é imperfeito, o que explica as denúncias constantes de má utilização dos recursos sociais pelas prefeituras”.
Para combater essas fraudes nos municípios, o que Andrade classifica como uma “aberração”, é preciso, segundo ele, divulgar para as famílias abaixo da linha da miséria os seus direitos. “Quanto maior a pressão diante das prefeituras, maior será a fiscalização e o controle sobre esses recursos”.
O Natal sem Fome foi criado em 1993 pelo sociólogo Herbet de Souza, o Betinho, e tinha como objetivo chamar atenção da sociedade brasileira para a questão da fome, além de garantir uma refeição para famílias de baixa renda na noite de Natal. Até 2004, foram distribuídas quase 3 milhões de cestas básicas para cerca de 13 milhões de pessoas.
Ao ser questionado sobre a reação dos beneficiados com a distribuição de alimentos, Andrade afirmou que o problema da fome dessas famílias não acaba com uma cesta de alimentos oferecida uma vez por ano e ressaltou a importância da mudança de atuação da campanha no momento certo: “O simbolismo da campanha era muito forte, mas não acabava com o problema da fome dessas famílias. É dever da Ação da Cidadania fazer a mudança na hora certa e garantir que todas as famílias abaixo da linha da pobreza recebam o que têm direito”.
Ele acrescenta que, assim como a distribuição de alimentos promovida pelo Natal sem Fome, os programas de transferência de renda são ações emergenciais que devem estar associadas a outros tipos de políticas que garantam os direitos dos brasileiros. Para ele, a mobilização popular é fundamental para alcançar a transformação social do Brasil: “Ou a sociedade assume seu papel de acompanhar as políticas sociais", observa Maurício, "ou continuaremos sempre assistindo a casos de desvio de recursos e de corrupção”.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer