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Por participação e transparência

Autor original: Mariana Hansen

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






Por participação e transparência
Lançado no dia 31 de maio, o Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa busca uma política externa brasileira guiada pela prevalência dos direitos fundamentais, como determina o artigo 4º, parágrafo 2º, da Constituição Federal. Composto por 18 entidades da sociedade civil e por organismos do Estado brasileiro, o Comitê pretende fortalecer a participação cidadã e o controle social sobre essa política, criando um canal de diálogo democrático entre governo e sociedade.

A criação do Comitê foi proposta em setembro do ano passado, durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), quando a ONG Conectas Direitos Humanos apresentou um estudo sobre a atuação do Brasil no Comitê de Direitos Humanos da ONU. Ali foi constatada a debilidade dos mecanismos de participação da sociedade no processo de elaboração da política externa do país no que diz respeito aos direitos humanos.

De acordo com o secretário da CDHM, Márcio Marques de Araújo, o Comitê permitirá que exista um espaço democrático para monitorar a política externa nas questões que impactam os direitos humanos, fazendo com que organizações sociais e agentes do Estado possam influir no seu encaminhamento. “Percebemos nas lutas do dia-a-dia a falta desse instrumento de ação articulada numa área cuja importância cresce no mesmo ritmo da integração do Brasil no mundo. Afinal, se as políticas públicas são acompanhadas pelos atores especializados nos seus respectivos setores, não há razão para que seja diferente em matéria de política externa em direitos humanos”, observa.

O Comitê terá dois campos de atividade. O primeiro abrange as ações relacionadas à promoção e ao fortalecimento de mecanismos de participação e diálogo com Itamaraty e outras instâncias do governo federal. O outro produzirá e disseminará informações sobre política externa e direitos humanos, visando capacitar e dar mais visibilidade ao tema. Pretende ainda monitorar o cumprimento de pactos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e cobrar a ratificação de outros ainda pendentes.

Segundo Ivônio Barros, coordenador do Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos (Fendh), muita coisa pode ser feita para colocar na agenda governamental a necessidade de ouvir a sociedade civil, assim como ajudar a própria a compreender a importância das relações internacionais no dia-a-dia. “O que precisamos fazer é justamente isso: valorizar a pauta de direitos humanos ou o viés de direitos humanos em todas as pautas. Fazendo isso, vamos ter boa resposta do Itamaraty, porque há pessoal capaz de sustentar lá uma ação internacional com primazia nos direitos humanos”, aponta.

Ivônio alerta ainda que “tem ganhado força um certo empirismo ou uma visão de Estado baseada nas noções não muito éticas do comércio a todo custo. O Brasil pode até ganhar mercados com isso, mas não se construirá como nação, nem sustentará esses mercados no longo prazo se for guiado só pelo oportunismo”, observa.

Mas não é só na política externa que o Comitê pretende influenciar. Internamente também há o que ser feito. Márcio Marques explica que, “em vez de conhecer o posicionamento do Brasil nos organismos internacionais somente depois que eles ocorrem, levaremos as nossas contribuições à autoridade diplomática no momento certo da construção desse posicionamento”. Ele ainda acrescenta que junto ao Congresso Nacional será feito um lobby ético, tentando persuadir as lideranças políticas a elaborar, aperfeiçoar e votar projetos internalizando instrumentos internacionais de direitos humanos, entre outros. “No momento, há três ou quatro convenções internacionais precisando de um empurrãozinho para que sejam colocadas em pauta”, conta.

Ao longo da década de 1990, o Brasil se tornou signatário dos principais acordos internacionais de direitos humanos. “Um avanço muito importante em comparação com os governos anteriores”, destaca o representante do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Mauricio Santoro. Entretanto muitos dos compromissos assumidos pelo país ainda não foram concretizados e ocorrem violações sistemáticas dos direitos humanos da população, especialmente da parcela mais pobre.

Santoro observa que não se pode separar a influência do Comitê na política externa e na política interna. “Os tratados assinados pelo Brasil implicam compromissos de política pública, por exemplo, com o combate ao racismo e à discriminação contra as mulheres”, explica. Márcio Marques ainda aponta como “lento o ritmo de prestação de contas aos órgãos da ONU e da OEA em razão dos tratados e outros instrumentos assinados pelo Brasil sobre direitos humanos”.

Outro ponto destacado por Mauricio Santoro é a preocupante falta de transparência na qual transcorre boa parte da ação diplomática brasileira, como “o uso inaceitável de resoluções secretas no âmbito do Mercosul”. Ele ainda revela os receios despertados pelo abandono da tradicional postura de não-intervenção do Brasil com a participação do país na ocupação do Haiti. “Foi uma decisão tomada pelo governo sem consulta à sociedade”, observa.

Em busca de transparência nas ações do Itamaraty, assim como de uma maior participação da sociedade civil na tomada de decisão, o Comitê é visto por Ivônio Barros como um espaço com muito potencial, mas que ainda está no começo. “Vamos ter que estruturar o Comitê a partir do zero, sem recursos e ainda com poucas pessoas. Mas acho que o ânimo geral é de que vamos longe com esse Comitê”, observa.

Márcio Marques espera que o Comitê colabore com a valorização dos direitos humanos como componente indissociável das relações internacionais do Brasil num mundo globalizado. “Embora atue em espaços não formalizados, traz consigo a legitimidade advinda da credibilidade, das trajetórias e das atribuições das entidades constitutivas. Buscaremos imprimir eficiência a partir de um suporte administrativo ágil e modesto”, projeta. “Direitos humanos são um tema abrangente que afeta todas as esferas da sociedade e é fundamental que exista um canal de troca de idéias e debate entre os principais atores desse processo”, conclui Mauricio Santoro.

Mariana Hansen

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