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Sem ação

Autor original: Joana Moscatelli

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Sem ação

Mulheres espancadas até a morte ou humilhadas e subjugadas, muitas vezes na frente dos próprios filhos. Essa é a realidade triste que muitas mulheres e famílias ainda enfrentam no Brasil. No momento em que a violência cada vez maior nas ruas é uma preocupação nas grandes cidades, o Fórum de Mulheres de Pernambuco chama atenção para o que vem acontecendo com muitas mulheres dentro de suas próprias casas. De acordo com dados da Secretaria Estadual de Defesa Social, até o dia 14 de junho, 160 mulheres foram assassinadas no estado – em sua maioria, vítimas de violência doméstica. Entre 2002 e 2004, foram 901 casos notificados [veja mais informações em dossiê produzido pelo Observatório da Violência contra as Mulheres em Pernambuco, disponível na área de Downloads desta página, à direita].

Os números impressionaram a Anistia Internacional, que enviou representante a Pernambuco na semana passada para analisar de perto a situação. Nesta entrevista, Joana Santos, uma das coordenadoras do Fórum, que recepcionou a Anistia, conta como foi a visita da entidade e cobra do poder público ações mais ostensivas de apoio e atendimento às mulheres e famílias vítimas de violência no estado.

Rets - Até o dia 8 de junho, foram mais de 150 mulheres assassinadas em Pernambuco. Só durante o mês de janeiro, foram 36. Que fatores contribuem para esses altos índices de violência contra a mulher em Pernambuco?

Joana Santos - As condições sociais e locais do estado e a falta de uma política de segurança pública estruturada. Pernambuco é o estado com um dos maiores índices de violência urbana. Os índices de mortes de mulheres são muito grandes, sendo mais de 50% dos casos relacionados à violência doméstica. Há uma certa omissão do Estado, que não apresenta uma política pública eficiente, seja para apoio ou para atendimento imediato das mulheres vítimas de violência. Não há políticas de prevenção, nem o acompanhamento e a apuração dos inquéritos relacionados à violência contra a mulher, o que contribui para a impunidade. Também falta apoio psicológico e jurídico às famílias das mulheres assassinadas. O estado de Pernambuco possui apenas quatro Delegacias de Mulheres e quatro serviços de atendimento à mulher vítima de violência. 

Rets - Como a visita da Anistia Internacional ao estado pode contribuir para o combate à violência contra a mulher em Pernambuco? A Anistia já apresentou algum resultado dessa visita?

Joana Santos - A Anistia ficou bastante sensibilizada com a situação das mulheres de Pernambuco, principalmente nos bairros mais pobres de Recife. A partir das visitas aos bairros e da reunião que tiveram com o Fórum de Mulheres, a organização constatou a necessidade de promover campanhas específicas de combate à violência contra a mulher. Impressionada com os altos índices de agressão contra a mulher no estado, a Anistia pretende incluir em seu relatório final, que será concluído até o fim do ano, após visitas a outras regiões, a necessidade de ações específicas contra a violência sofrida pelas mulheres. 

Rets - Entre as propostas da organização estava a adoção de um plano emergencial para conter o avanço da violência contra a mulher no estado. Que ações estariam previstas nesse plano?

Joana Santos - Seriam ações para oferecer visibilidade a essa situação de violência que vivem as mulheres de Pernambuco. O objetivo é também mostrar as ações de combate a essa situação como exemplos.

Rets- No caso específico de Pernambuco, que tipo de políticas públicas seriam necessárias para combater o problema?

Joana Santos - O Estado precisa assumir seu lugar de formulador de políticas públicas de prevenção e assistência às mulheres agredidas. São necessárias políticas que ofereçam educação, segurança pública, moradia, emprego e renda. Ou seja, precisamos de ações que ajudem as mulheres a sair da situação de dependência e subordinação em relação àqueles que as agridem. O Estado deve viabilizar políticas públicas voltadas para as mulheres e garantir recursos financeiros de seu orçamento a fim de capacitar as delegacias e os órgãos judiciais para atendê-las. Em paralelo com as Delegacias de Mulheres, devem existir outras políticas, pois além de denunciar essas mulheres precisam de apoio jurídico e psicológico. É importante ressaltar que essas políticas devem ser traduzidas em ações concretas e o Estado deve disponibilizar recursos para manter, equipar e capacitar os órgãos e as delegacias para receber as mulheres agredidas e seus familiares.

Rets - Atualmente, muitos processos de violência contra a mulher acabam resultando apenas no pagamento de cestas básicas, previsto na lei. E isso é apontado pelos movimentos de mulheres como insuficiente. Que mudanças na legislação são necessárias? Já existe algum projeto de lei que contemple essas mudanças? E que tipo de punição deveria receber quem pratica um ato de violência contra a mulher?

Joana Santos – Já existe um projeto de lei na Câmara dos Deputados que prevê a criação de varas criminais. Passaríamos a incluir a violência contra a mulher não mais como um crime comum, de menor peso. O pagamento de cestas básicas não reflete o tamanho da responsabilidade do ato praticado pelos agressores. A violência contra a mulher é uma violação dos direitos humanos e deve ser punida como tal. É necessário que haja não apenas punições eficazes, mas também um atendimento humano às mulheres agredidas. Em 2006, realizamos uma blitz nas delegacias civis do estado e observamos o descaso com que são tratados os processos de violência contra a mulher, que são, na maioria das vezes, arquivados e esquecidos.

Rets - Segundo dados da Delegada da Mulher de Recife, 75% dos assassinatos de mulheres são resultantes de conflitos familiares. Qual a sua análise desses dados? A violência contra a mulher estaria ligada a uma questão cultural? A conivência social com esse tipo de prática não seria um dos principais fatores para os altos índices de impunidade nos casos de violência contra a mulher?

Joana Santos - Existe uma certa acomodação social nesse sentido. O aspecto da cultura reforça a impunidade. Recentemente, uma delegada de uma Unidade Prisional contra Desigualdades em Recife fez uma pesquisa com 80 homens que foram denunciados por agressão a mulheres. Destes, 70% afirmaram não se arrependerem da agressão e a maioria argumentou que seu crime foi resultado de uma “agressão moral” por parte da mulher.

Rets - Você tem notado alguma mudança no comportamento das mulheres agredidas, no que diz respeito a denunciar a violência?

Joana Santos - Nos últimos dois anos o número de denúncias cresceu muito em municípios como Recife e Olinda, cidades onde existem órgãos como a Coordenadoria da Mulher e o Centro de Referência Casa-Abrigo.

Recentemente, um grupo popular ligado ao Fórum, inspirado numa experiência do Uruguai, passou a realizar o chamado “apitaço”. Quando uma mulher está sendo agredida no bairro de Casa Amarela, em Recife, outras mulheres começam a soprar apitos com o intuito de inibir o agressor, sem entrar em confronto direto com ele. Essa é uma ação política que busca sensibilizar a comunidade para enfrentar o ato de violência em si e tem sido bastante eficaz.

Outra ação importante realizada foi no caso do assassinato de uma mulher pelo sogro na frente do próprio filho, em uma das regiões mais violentas de Recife. Em menos de um mês o agressor foi preso. Realizamos uma passeata no bairro com o objetivo de usar a fala pública para afirmar que aquele não era um caso isolado e que a violência contra a mulher precisa ser combatida.

Joana Moscatelli

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