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Um museu vivo

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Um museu vivo
Coleção Bororo
Um museu com peças antigas produzidas na atualidade. Assim pode ser definido o centro de cultura Bororo de Meruri do Museu Dom Bosco, localizado na pequena cidade de General Carneiro, no interior do Mato Grosso. Lá, indígenas da etnia Bororo reconstroem antigas peças, que muitos deles nunca haviam visto antes, e as entregam ao museu ou as utilizam para si. Além disso, gravam seus cantos e danças para que nada de sua memória se perca.

“Fizemos um museu na própria aldeia para que ele não tivesse cara de museu, para que ele fosse vivo”, diz a coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Etnocomunicação da Universidade Dom Bosco Aivone David. A universidade é a responsável pela manutenção do projeto do museu, que em breve terá mais duas unidades. Aivone, inclusive, lançou, na última quinta-feira, 29 de junho, um livro - O Museu na Aldeia: comunicação e transculturalismo no diálogo museu e aldeia - onde conta a história de seu trabalho no museu, resultado de uma tese de doutorado.

Ela foi a idealizadora do projeto, que começou a funcionar em 1999, e também é sua curadora. Foi a antropóloga quem encontrou fotos de objetos perdidos dos Bororo, etnia mundialmente conhecida pelos estudos do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que os estudou nos anos 1940 e a partir daí criou uma linha teórica, o estruturalismo. Desde seu mestrado, a antropóloga estuda essa tribo indígena, mas foi durante sua pesquisa de doutorado, feita em parte na Itália, que se deparou com raras lembranças de viagens feitas por padres salesianos ao centro-oeste brasileiro em diferentes épocas. Algumas fotografias estavam guardadas no museu Colle Don Bosco, em Asti, no norte daquele país. Havia também objetos em si, como plumárias [objetos de arte que têm as plumas como matéria-prima].

Com aval da direção da instituição italiana, Aivone trouxe de volta 14 peças. As que não pôde trazer, fotografou nos mínimos detalhes e a partir daí começou um trabalho de resgate da cultura indígena local. Mostrou as fotografias aos remanescentes da aldeia Meruri e os incentivou a reconstruírem os objetos perdidos. Algumas puderam ser feitas facilmente, pois ainda estavam na memória de alguns dos pouco mais de 300 habitantes. Outras, no entanto, eram tão complexas e antigas que Aivone e a equipe do museu precisaram de ajuda. Para refazer uma plumária, foram até outras aldeias Bororo até encontrar um senhor que ainda lembrasse como elaborar a peça. Ele, então, ensinou os demais de sua própria localidade e da de Meruri.

Houve ainda peças cujo artesanato era tão complexo e esquecido que foi necessário um programa de computador para decifrá-lo. Assim, com o uso de novas tecnologias, velhas peças foram recriadas para uso dos indígenas e também para ilustrar o museu com novidades. O mesmo processo está sendo utilizado agora para manter viva as danças e os cantos. Já foram gravadas mais de 100 horas de imagens dos rituais e festas dos Bororos e agora tudo está sendo editado para, no futuro, ser transformado em filme. O mesmo acontece com os áudios. Uma das fontes dos cantos, novamente, estava na Itália. Um padre que há muito tempo esteve na aldeia gravou os rituais em fitas cassete, e agora elas estão sendo editadas e transcritas para garantir a sobrevivência dos registros.

A parte já disponível desse acervo recém-criado já se encontra no centro cultural do museu, dentro da aldeia Bororo. O restante será adicionado aos poucos, sem prazo para terminar, pois, como diz Aivone, “a cultura não morre”. “É uma forma de o museu devolver o que retém”, afirma.

A mesma idéia está sendo aplicada em outras duas aldeias. Na aldeia Xavante de Sangradouro, onde vivem cerca de 60 pessoas, a casa onde ficará o museu já está de pé, aguardando as peças. Enquanto isso, outro povoado, em Bodoquena, do povo Kadiwéu, ainda aguarda o envio de fotos, vindas de Roma, sobre sua produção material.

Devido a essa iniciativa, o Museu Dom Bosco ficou em primeiro lugar no prêmio Cultura Viva, promovido pelo Ministério da Cultura. O resultado foi anunciado no último dia 15.

Marcelo Medeiros

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