Autor original: Mariana Loiola
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A diminuição da desigualdade social, divulgada no início deste mês através de um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), é relativa, de acordo com Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos coordenadores do Atlas da Exclusão Social no Brasil, produzido pela própria Unicamp. O estudo da FGV, intitulado “Crescimento Pró-Pobre: O Paradoxo Brasileiro”, ressalta Pochmann, é baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que não contempla toda a realidade de distribuição de renda do país.
Pochmann argumenta que a pesquisa do IBGE contempla somente a renda do trabalho e deixa de fora outras formas de geração de renda, como as de lucros, juros e aluguéis, responsáveis, no total, por mais de 60% do Produto Interno Bruto (PIB). Além disso, a pesquisa não inclui os mais ricos, somente a classe média, que teve a sua renda diminuída.
Dessa forma, Pochmann avalia que a conclusão de que a diferença de renda entre ricos e pobres no Brasil está diminuindo é limitada. A redução da desigualdade seria decorrente menos da melhoria do bem-estar geral da população e mais da queda do rendimento dos trabalhadores com maior renda em relação aos que recebem menos.
Outra conclusão do estudo Crescimento Pró-Pobre, realizado pelo Centro de Políticas Públicas da FGV em parceria com o International Poverty Centre, é que a principal causa da redução da desigualdade são os programas de transferência de renda, como Bolsa-Escola e Bolsa-Família. Sobre esses programas, Pochmann é favorável, mas ressalta que se tratam de políticas “emergenciais” e que não são suficientes para combater a pobreza no país. Para ele, é preciso haver instrumentos de redução de desigualdade que sejam de cunho mais estrutural.
Rets - A pesquisa da FGV destaca uma grande redução da desigualdade no Brasil nos últimos anos. Você concorda com esses resultados?
Marcio Pochmann – Esses tipos de informações têm que ser analisados dentro dos limites em que foram construídos. A pesquisa da FGV se baseou em informações da Pnad, realizada pelo IBGE, que focaliza especificamente a renda do trabalho. As outras formas de geração de renda, como as de lucros, juros e aluguéis, estão sub-representadas na pesquisa do IBGE. Se considerarmos só a renda do trabalho, poderemos ver uma redução da desigualdade. No entanto, se levássemos em conta as outras formas de renda, provavelmente constataríamos que a desigualdade se mantém, se não tiver aumentado. Haja vista que a renda do trabalho representa apenas 36% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto que, em 1980, representava 50%.
Rets - De acordo com a pesquisa, o aumento da renda dos mais pobres deve-se, em boa parte, às políticas de distribuição de renda aplicadas no país. Como você avalia essa leitura?
Marcio Pochmann - Do ponto de vista da renda do trabalho, os maiores salários estão perdendo poder aquisitivo. Os maiores salários, nesse caso, são da classe média, pois os mais ricos não são incluídos na pesquisa do IBGE. Desde 1996, a renda média do trabalho vem caindo. Portanto, desse ponto de vista, é natural que haja redução da desigualdade.
Também não sei até que ponto a desestruturação do mundo do trabalho interfere nesses dados. Nos últimos anos, parte dos empregos do país vem sendo destruída. Diminuiu o número de assalariados com carteira assinada e as rendas estão cada vez mais variáveis – um mês se ganha mais, outro menos. Portanto, é difícil para as pessoas precisarem, na pesquisa por domicílios, quanto ganham exatamente por mês.
Quanto aos programas de transferência de renda, sou favorável. Mas são programas emergenciais. É preciso também haver crescimento econômico para criar postos de trabalho e, conseqüentemente, criar condições estruturais para a superação da pobreza. Esses programas contribuem dentro de sua emergencialidade, mas não de forma estrutural.
Rets - Então não estamos enfim quebrando o ciclo da desigualdade?
Marcio Pochmann – De fato, houve redução da desigualdade, mas isto se deve a outros fatores, como o desemprego e o aumento de postos de baixa remuneração. Estamos vivendo a mais grave crise de emprego, o que não foi causado por esse governo, vem de outros governos. Há 25 anos temos tido baixo crescimento econômico, em torno de apenas 2 % ao ano. Este governo é mais sensível à questão da pobreza, promovendo programas que amenizam, mas não superam a miséria no país. Deve haver uma política estratégica para fazer com que a população mais pobre deixe de depender dos programas de transferência de renda.
Rets - Que a avaliação você faz do atual governo, no que se refere à diminuição da desigualdade?
Marcio Pochmann - O governo fez políticas que têm menos resistência da sociedade. Na Europa e nos EUA, por exemplo, que têm uma tradição social-democrata, houve uma reforma tributária em que os ricos começaram a pagar mais impostos. No Brasil, os ricos continuam não pagando impostos diferenciados. Houve um aumento da carga tributária e os pobres é que continuam pagando mais.
Além da reforma tributária, a segunda estratégia que deve fazer parte de uma política de redução da desigualdade é a universalização dos serviços públicos que promovam o bem-estar geral da população - de educação, saúde, habitação, transporte etc. Não seria possível fazer tudo isso em quatro anos, mas também não houve grandes avanços do governo nesse sentido.
A terceira estratégia é a política de pleno emprego. Nesse sentido, o governo Lula foi melhor do que o do FHC, mas o foco estratégico de crescimento ainda não é o trabalho, e sim o combate à inflação e o ajuste fiscal.
Enfim, houve medidas importantes como o aumento do salário mínimo e os programas de transferência de renda. Mas essas são políticas mais emergenciais. Ainda estão faltando as de cunho estrutural.
Rets - De que forma você acha que a elite brasileira encara essas mudanças?
Marcio Pochmann – Acho que a elite faz uma avaliação preconceituosa desses programas. Não tem a menor idéia do que é ser pobre nesse país e não sabe que esses programas são algo possível de se fazer num ambiente desfavorável para a redução da desigualdade como o Brasil.
Rets - Na sua opinião, quais são os acertos e os problemas desse governo na gestão da área social?
Marcio Pochmann - Esse governo deu ênfase à problemática social. Fazia muito tempo que a preocupação com a área social era mais retórica. Os outros governos podiam ter um discurso de “tudo pelo social”, mas o resultado era pífio. Por outro lado, não houve nesse governo grandes avanços na construção e na convergência de políticas públicas. Acredito que, daqui para frente, vai haver muito debate e pressão em torno dessa necessidade de convergência.
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