Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
![]() Ilustração: Peter Kuper | ![]() |
Embora não consiga identificar possíveis interessados em sua morte, nem motivos para as ameaças, Berna prefere não ficar calado. “Não quero que aconteça comigo o que aconteceu com o Dionísio e o Chico Mendes, que não acreditaram nas ameaças e morreram”, diz. Ele se refere a dois outros defensores do meio ambiente que acabaram assassinados. Dionísio Ribeiro foi morto no início do ano passado, depois de uma vida de luta pela preservação da reserva ecológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. E Chico Mendes ficou conhecido por seu trabalho em prol da floresta amazônica e dos seringueiros do Acre. Foi assassinado em 1988, depois de receber várias ameaças. Mendes, assim como Berna, recebeu o prêmio Global 500, concedido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
Para Berna, é difícil apontar suspeitos, pois já teve discussões com muita gente e também prejudicou diversas iniciativas que causariam danos ambientais. “Não posso entrar em teorias conspiratórias, mas já provoquei muito prejuízo. E como vingança é um prato que se come frio, é bom me prevenir”, lamenta. Ele já instalou equipamentos de segurança em sua casa, que fica de frente para a enseada de Jurujuba, área habitada por pescadores, que também já tiveram problemas com o ambientalista por não respeitarem lei ambientais. A polícia foi acionada, assim como a promotoria, e Berna aguarda as investigações. Mas diz que não vai parar trabalhar, mesmo que as ameaças continuem. “Posso ficar quieto ou fazer algo. Prefiro a segunda opção”, garante.
Rets - Como e quando começaram as ameaças?
Vilmar Berna - No fim de maio. Um vizinho meu, o Maurício, me disse que tinha ouvido dizer que iam me dar uma coça [surra]. Dois ou três dias depois, um amigo chamado Wagner, que trabalha no Conselho Regional de Engenharia (Crea), me avisou a mesma coisa. Quando o Maurício me contou, pensei que fosse intriga de vizinho, pois já tive problemas com ele por causa da construção de um píer em frente à minha casa. Mas o Wagner falou que iam "me dar uma coça e jogar meu corpo no mar”, a mesma coisa que aconteceu no passado com uma pessoa não identificada. Um corpo apareceu queimado na praia, ficou por lá durante a tarde e, quando a polícia chegou, já o tinham levado para o mar.
Pouco tempo depois dos avisos, recebi um telefonema, com voz de mulher, dizendo que eu poderia morrer a qualquer momento. Fui então à polícia, mas ela "sentou no inquérito". Comecei a fazer barulho, os colegas jornalistas fizeram matérias e aí me chamaram na delegacia. O inquérito foi refeito e ontem [5 de julho] foi protocolado no Tribunal de Justiça. Agora quem cuida do caso são promotores, que devem convocar o Maurício e o Wagner para depor. Mas até agora não sei quem me ameaçou.
Rets - E quais poderiam ser os motivos?
Vilmar Berna - Os mais variados. A região de Jurujuba possui muitos conflitos de terra, e a União não se manifesta, apesar de serem áreas da Marinha. Minha casa é totalmente legal, por isso sou responsável por ela e pela área que ocupa, inclusive sua frente. Não posso, por lei, construir um píer, mas o vizinho quer ocupar essa área e eu não deixo, pois é minha responsabilidade. Por isso já discuti com ele, mas não foi nada demais. Os vizinhos também tentam ocupar o costão da praia e eu não deixo, reclamo.
Rets - Os vizinhos têm histórico de agressividade com você?
Vilmar Berna - Não. O Maurício, por exemplo, não é agressivo, é mais de jogar os moradores uns contra os outros para conseguir o que quer. O que tivemos foi apenas um entrevero.
Rets - Como é a região onde você vive?
Vilmar Berna - É uma comunidade pobre, onde a maioria da população é formada por pescadores. O problema é que eles usam malha fina, o que é proibido, pescam em época de defeso [período em que a atividade é proibida], o que também não é permitido. Também deixam restos de mariscos, que começam a aterrar a Baía de Guanabara.
Eu sempre reclamo disso, daí acredito que eles prefeririam que eu não morasse ali. Mas não acho isso suficiente para ameaçar de morte. Afinal, uma coisa é política e outra, polícia. Podemos discutir, o que é político, mas não ameaçar, o que já se torna caso de polícia.
Não sei dizer um motivo para estar sendo vítima, pois não sei quem faz a ameaça. Não posso entrar em teorias conspiratórias, mas já provoquei muito prejuízo. E como vingança é um prato que se come frio, é bom me prevenir. Afinal, são anos trabalhando pela preservação da natureza, por isso já provoquei prejuízo para muita gente. Mas não tenho como ficar revirando meu passado para saber quem poderia estar me ameaçando.
Rets - Que medidas você está tomando para se precaver?
Vilmar Berna - Não é minha função descobrir quem está fazendo isso, mas sim da polícia e da Justiça. Só não quero que aconteça comigo o que aconteceu com o Dionísio e o Chico Mendes, que não acreditaram nas ameaças e morreram. Eles não deram atenção ao que todos falavam. Nessa situação, temos duas opções: não levar a sério ou se acovardar. Proteção mesmo é falar o que está acontecendo, para gerar investigações. Se alguém ouviu falar, tem de dizer de quem. E assim por diante, até encontrarmos os culpados. Não tenho o poder de investigação da polícia. Essa história ainda tem muito pano pra manga.
Rets - Alguma medida de segurança foi tomada?
Vilmar Berna - Procuro me expor menos e viajar mais, não ser um alvo fácil. Durante umas semanas, contratei seguranças particulares, mas já os dispensei. Acabo de colocar um identificador de chamadas no meu telefone, além de ter instalado um sistema de segurança que grava tudo o que acontece ao redor da casa no computador. Podem até me matar, mas vão saber quem foi.
Rets - Você criticou o comportamento da polícia no caso. Esse tipo de procedimento é normal?
Vilmar Berna - Não tenho como dizer, pois não faço parte desse mundo, mas comigo foi o que aconteceu. Ninguém fez nada até o caso começar a sair nos jornais. Ou, pelo menos, não me procuraram. Dar publicidade ao caso ajuda, pois a sociedade começa a cobrar medidas para te proteger. Já tenho apoio de pessoas no exterior e em todo o Brasil.
Rets - Qual é a atual situação da área de Jurujuba?
Vilmar Berna- Temos problemas em mar e terra. Em solo, são ligados à especulação imobiliária. Temos muito desmatamento, mas nada feito em grande escala. É um trabalho de “formiguinha”, que só se percebe com imagens aéreas. São pequenos desmatamentos para construir casas de famílias de baixa renda. O outro lado da moeda é a invasão por quem tem dinheiro e não cuida de suas áreas como manda a lei, deixando de preservar um percentual mínimo de vegetação nativa. É um processo que as autoridades têm dificuldade de conter.
É algo que acontece em outras áreas também. Temos duas opções em relação a isso: ficar quietos ou fazer algo. É a diferença entre esperar e ter esperança. Ter esperança é ser proativo e agir pela mudança.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer