Autor original: Joana Moscatelli
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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Dessa forma, com o objetivo de implementar mecanismos nacionais para o enfrentamento da tortura no país, foi lançado em 26 de junho, Dia Internacional contra a Tortura, o Comitê Nacional para Prevenção e Controle da Tortura, no âmbito da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH). Além da própria SEDH, o Comitê será formado por representantes do Ministério das Relações Exteriores (MRE), do Ministério da Justiça e da sociedade civil (ONGs e acadêmicos especializados no tema). Também farão parte do Comitê a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (MPF), o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União e o Colégio de Presidentes de Tribunais de Justiça.
A nomeação desses integrantes ainda não foi feita, mas uma das organizações civis que pretendem integrar o Comitê é o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH). De acordo com Rosiana Pereira Queiroz, da Coordenação Nacional da entidade, o governo determinou que num prazo de 30 dias a contar da data do lançamento seriam nomeados os representantes do órgão. Para ela, o Comitê se diferencia de outras ações públicas exatamente por prever a participação da sociedade civil. “O Comitê será um espaço deliberativo no qual serão elaboradas as ações de prevenção e controle da tortura no Brasil. Logo, a participação da sociedade civil se torna fundamental para dar um rumo unificado a política de combate à tortura no país”.
Para o coordenador da Comissão Permanente de Combate à Tortura e à Violência Institucional da SEDH, Pedro Montenegro, o papel da sociedade civil é reconhecer a tortura como um crime e se posicionar contra a tolerância a essa prática. Ele observa que para combater a prática da tortura nas prisões e delegacias brasileiras é necessário que as ouvidorias de polícia, as quais classifica como um desdobramento da sociedade civil no sistema de segurança pública, sejam fortalecidas: “Responsáveis pelo recebimento das denúncias de tortura cometidas por agentes públicos, as ouvidorias de polícia são o braço da sociedade civil no sistema de segurança pública. Sua atuação na punição exemplar de práticas de tortura cometidas por agentes públicos é de grande relevância neste combate, destaca”.
O secretário da Divisão dos Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Alan Sellos, defende a reforma do sistema prisional brasileiro, assim como treinamento, capacitação e remuneração adequados aos agentes públicos, para que tenham condições de garantir a integridade física dos presos sob tutela do Estado. Para o secretário, o Comitê funcionará como um espaço de diálogo entre poder público e sociedade civil.
Criado por decreto presidencial, o Comitê é visto por Rosiana Queiroz como uma primeira iniciativa de enfrentamento da tortura por parte do Estado e não apenas de uma secretaria. “É a primeira vez que o combate à tortura no país deixa de ser uma ação de uma secretaria específica, deixando de ser um tema marginal, passando a fazer parte de uma ação estratégica de governo”.
Apesar de decepcionada com o silêncio do presidente Luís Inácio Lula da Silva durante o lançamento do Comitê, a representante do MNDH enxerga na criação do órgão um passo decisivo para a “uniformização” da política nacional de prevenção e controle da tortura. “É importante que as autoridades se posicionem de uma maneira bem clara contra a prática da tortura no país, e um pronunciamento do presidente da República seria importante nesse sentido”, lamenta. “Esperava um discurso enfático contra a tortura no Brasil, para que ficasse bem claro para toda a sociedade que esse tipo de prática não é tolerado aqui. No Brasil e no mundo, essa prática ainda persiste, pois há uma certeza da impunidade. Sendo assim, o presidente perdeu uma grande oportunidade de se posicionar publicamente contra a tortura, mas ainda espero que existam outras”.
Para ela, há uma certa complacência com a prática da tortura no país que vem à tona em momentos como o que vive São Paulo atualmente – a cidade assiste a uma segunda onda de atentados do crime organizado contra agentes públicos -. Isso expressa a tolerância de algumas pessoas à tortura, desde que sob o pretexto de uma maior eficácia na repressão da violência. Mas, ressalta Rosiana, trata-se de uma prática criminosa, proibida pela Constituição. Qualquer tolerância, portanto, seria um retrocesso. Para ela, não é possível combater a violência com os mesmos métodos utilizados pelos criminosos.
Assim como Rosiana, o secretário do MRE não admite concessões à prática da tortura. O respeito à vida humana, afirma, é algo inviolável em qualquer democracia e um princípio ético que precede qualquer lei jurídica. “Não há como discutir em quais circunstâncias podem ou não ser cometidos abusos contra a integridade humana. Isso é uma anormalidade que retrocede à barbárie. O combate a qualquer tipo de tortura e o respeito à vida são um fundamento da dignidade humana”. Para ele, esses são princípios frágeis que devem ser protegidos com responsabilidade pela sociedade, principalmente por aqueles que são responsáveis por colocar as leis em prática.
Plano de Ações Integradas
O Comitê será responsável por monitorar e coordenar as ações do Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil, que ainda está sob consulta pública no site da SEDH. Entre as ações propostas no Plano está a atribuição a juizes e integrantes do Ministério Público de inspeções mensais no Sistema Penitenciário e a criação de grupos especializados de promotores para o combate à tortura. “Diferentemente do governo, que defende ações como a formação de agentes públicos na área, o MNDH acha mais importante a criação de Comitês Estaduais de Combate à Tortura e o monitoramento dos casos já registrados, para que tenham sua punição”, destacou Rosiana. O MNDH defende ainda o fortalecimento das Ouvidorias e Corregedorias das Polícias, bem como a melhoria das condições de trabalho independente das Defensorias Públicas. Além disso, apóia a adesão do Brasil ao Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes.
O Comitê também ficará encarregado de acompanhar no Congresso Nacional a tramitação dos projetos de lei relacionados ao enfrentamento da tortura; monitorar os projetos de cooperação técnica sobre o tema entre o governo brasileiro e organismos internacionais; incentivar a realização de campanhas relacionadas ao enfrentamento da tortura; apoiar a criação de comitês ou comissões assemelhadas a serem constituídas na esfera estadual para monitoramento e avaliação das ações locais e manter contato com setores de organismos internacionais no âmbito do Sistema Interamericano e da Organização das Nações Unidas.
Impunidade
Um dos fatores que contribuem para a persistência da prática da tortura é a impunidade, pois na maioria das vezes os agressores são os encarregados da apuração do crime. Além da ausência de mecanismos eficazes de punição, um dos grandes desafios para combater a tortura, segundo dados do MNDH, é romper o silêncio e a conivência entre os órgãos encarregados de investigar e julgar os casos.
Hoje, no Brasil, ocorrem vários tipos de tortura, principalmente nas delegacias de polícia e unidades prisionais. As principais vítimas são os suspeitos de crimes e os presos; os principais agressores são policiais civis e militares. De acordo com o representante do SEDH, os casos mais comuns são “a tortura como método de investigação, utilizada para obter confissões, e a tortura como castigo, que ocorre nos presídios e em unidades de internação para adolescentes em conflito com a lei”. Rosiana aponta ainda um terceiro tipo: “o tratamento desumano e cruel, que nega condições mínimas de vida para os presos”.
A SEDH comemora a criação do Comitê Nacional como um acontecimento de grande relevância para a luta contra a tortura e um ato que se antecipa à ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes, em tramitação no Congresso Nacional.
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